sexta-feira, 23 de abril de 2010

Respeito: eu sei que ele existe

Em 1999 vivi a alegria de assistir a uma palestra proferida por Dalai Lama, em Brasília. Alegria por vários motivos, já que eu morava há pouco tempo na capital federal e, descobria a cada dia novas possibilidades de filosofias, religiões, seitas, teorias – cada uma a seu modo propagando a paz, o amor. Brasília, pra se ter uma ideia, é uma das cidades do mundo que possui mais templos em seu território.

Diversas autoridades estiveram presentes numa tenda branca montada na Universidade de Brasília, como o rabino Henry Sobel, o indígena Marcos Terena, e representantes do candomblé, da igreja presbiteriana, da Universidade de São Paulo, entre outros.

Dalai Lama, um poço de paciência, falou calmamente sobre a paz, que ele não quer impor o budismo às pessoas, que respeita as demais religiões, tratou também da importância do mundo espiritual e não somente do material. Diversas vezes fora interrompido pela aclamação do público, com palmas e vivas pelo tanto de sábio que havia em suas palavras.

Contudo, o mais intrigante e que me afetou na época, passo a narrar agora:

Dalai Lama, líder espiritual do Tibet (localizado ao sudoeste da China e que luta por sua independência desde o início da década de 1950), se comunica não no dialeto nativo, mas em inglês. Assim viaja o mundo proferindo palestras, encontros, reuniões seja com líderes e autoridades ou com pessoas simples do povo. Desse modo consegue se comunicar com o mundo.

Como ocorre em diversos países por onde passa, Dalai Lama se expressa em inglês e, em seguida, um tradutor translada para a língua oficial do país em que se encontra – no nosso caso de 1999, em português.

Isso, só para contextualizá-lo, caro leitor...

Assim, imagine você a cena: Dalai Lama falando em inglês (a plateia que dominava a língua inglesa batia palmas e expressava sua compreensão imediatamente, antes de o tradutor realizar seu serviço – tudo certo, tudo natural até aqui), então vinham as tais palmas, em seguida o tradutor interpretava o discurso e, a seguir, o óbvio: pessoas que dominavam apenas o português bateriam palmas e expressariam com vivas e outras demonstrações gestuais e faladas sua compreensão assim como o primeiro grupo o fizera. Certo?

Não, necessariamente. Ocorreu aí um triste caso de desrespeito. Observe como para nos melhorarmos é necessário afinco, trabalho, muita dedicação. A fronteira para amanhã sermos melhores do que hoje é muito sutil.

As mesmas pessoas que expressavam olhares, gestos e falas de alegria e simpatia às palavras de amor, paz e justiça proferidas pelo ilustre mestre tibetano, no primeiro momento após a fala em inglês dele, em vez de considerarem o timing necessário para a outra parte da plateia também compreender a mensagem, pediam, ou melhor, exigiam silêncio, fazendo psssssssssssiit [sabe aquele barulhinho onomatopaico, que mescla p e um som chiado?].

Aquilo virou um barulho só. Junte o ruído de uns pedindo silêncio e outros com mãos festivas batendo-as incontinente. Parece algo com uma palestra de Dalai Lama?

Eu não precisaria considerar, mas não me aguento, vou revelar. Essas mesmas pessoas não eram indivíduos sem estudo, sem bagagem intelectual, muitas aprenderam inglês fazendo intercâmbios, viajando o mundo. Portanto, seres com pretenso discernimento da diplomacia que essas ocasiões exigem.

O evento ocorreu diversas vezes durante o discurso de Dalai Lama. Esses homens e mulheres teriam entendido o sentido mais simples da visita do convidado estrangeiro ao nosso país? Teriam sacado qual a real do discurso proferido em nome da paz? Teriam percebido o que vieram aprender ali? (Adriane Lorenzon)

quarta-feira, 7 de abril de 2010

Nós animais insatisfeitos

O que você quer para a sua vida? Como a avalia até agora? O que acha que pode ou não fazer para melhorar e mudar a sua vida? Precisa mudar? Essas perguntas certamente não são comuns nas rodas de amigos, nos bares, nos bate-papos das vizinhas, nas fofocas que se ouve por aí. Imagine a cena, alguém dizendo: “– Fulana, ficou sabendo do novo projeto de vida da beltrana? Pois é, ela resolveu ser feliz, quer amar mais, vai ajudar mais o próximo, passou a se alimentar de modo saudável. Nossa, como ela está melhorando de vida! Como ela está evoluindo espiritualmente”!

Avaliar, analisar e refletir sobre a vida pessoal é algo que não nos ensinaram, seja na escola, na família, na igreja, no clube, muito menos pelos meios de comunicação. E, sendo assim, parece que é algo que não precisa existir, que não precisa fazer parte da vida de cada um. Eventualmente, quem tem acesso à arte e à filosofia e gosta de estudar esses temas pode assim ter contato com aquilo que transcende aos olhos, com o que mora mais longe, com o que está mais fundo do nível do mar. As regiões abissais são cheias de vida, embora a luz não se faça presente.

Geralmente, o questionamento e a inquietude ficam adormecidos até o dia em que algo nos desperte do cômodo conforto que buscamos ao longo dos dias. Nesses casos, entramos em parafuso, perguntamos o porquê de o nosso mundo estar desabando, nada nos consola ou se explica porque não há respostas imediatas para malresolvidos acúmulos gestados há largo tempo. Por que esperar chegar ao fundo do poço para buscar saídas? Talvez seja mais sábio trocar o tipo da pergunta e passar de por que isso ou aquilo, para para que isso está acontecendo comigo? Como ocorreu tal coisa comigo? Em que circunstância? Creia, muda-se o foco e o modo de se ver uma problemática e de solucioná-la também. Isso nos leva à reflexão automaticamente.

Ao encontrar um amigo que não se vê há muitos anos, o que seria contado a ele? Quais aspectos, qual enredo permearia o diálogo? O que você teria de interessante e nobre para resumir sobre a sua história? Acaso problemas, murmúrios e frustrações dariam a tônica da narrativa? Ou tendo experimentado a ousadia de querer uma vida melhor, teria aprendizados diversos, mesmo que tristes ou quiçá os alegres, para compartilhar?

Nesses tempos de comemoração e homenagem ao centenário de Chico Xavier, o Brasil traz à tona uma frase atribuída ao médium mineiro: “Embora ninguém possa voltar atrás e fazer um novo começo, qualquer um pode começar agora e fazer um novo fim”. Pois, quando invertemos a lógica de visualizar nossos problemas, desafios e limitações, passamos a criar coragem e discernimento para encarar frente a frente a razão e descobrirmos resoluções para os incômodos e dificuldades que nos impedem de voar mais alto.

Então, fica uma pergunta indigesta, que dói o estômago, deixa a cabeça zonza e a fala encontra argumentos diversos para disfarçar. E de agora em diante, como quero seguir? Como planejar esse novo fim que me move no impulso dos dias e na irremediável trajetória que tenho a trilhar? Se errei, sofri, voltei ao erro, o que fazer para elencar metas plausíveis de serem realizadas, na pauta de meu projeto pessoal, tendo como princípios a decência, o amor, a fraternidade? Como me desenrolar do emaranhado de problemas e confusões no labirinto da vida?

Olhar para trás, encarar a razão, analisar as lições de cada acontecimento é um bom começo. Afinal, estamos aqui para evoluir. Carregamos o germe do que nos impulsiona ao progresso, ao melhoramento. Quando não nos foi dito que refletir mais profundamente, analisar a vida de modo holístico, contestar verdades amorosamente, não são tarefas prioritárias de cada ser no mundo, também não nos disseram que tínhamos total condição a priori de optar, usando nossa consciência, a aceitar isso como verdade. Temos poder decisório nisso tudo.

Desse modo, é possível recomeçar sempre. A síndrome de Gabriela (Gabriela, música de Dorival Caymmi eternizada na voz de Gal Costa) não precisa estar presente o tempo todo de todo o tempo que temos. “Eu nasci assim, eu cresci assim, eu sou sempre assim” e... posso alterar essa formação daqui pra frente. Não preciso morrer como sempre fui. Ou seja, EU QUERO que a minha vida seja sustentada por pilares construídos por mim e não pelos outros – por valores alheios ao meu entendimento do que seja um mundo melhor. Perceba que a harmonia do universo é o resultado da soma de harmonias individuais. Só a paz que nos invade nos momentos de deleite e regozijo nos dá a sustentação e o ânimo necessários para a labuta dos momentos difíceis.

Realizar a tão propalada reforma íntima, expulsar os irmãos gêmeos egoísmo e orgulho do coração, tomar atitudes benfazejas de deixar rastros de amor não são tarefas fáceis. Promover o automelhoramento dá trabalho, sim! E quem quer pagar o preço? Todo bônus tem uma contrapartida, um esforço. São tantas medidas emergenciais a serem tomadas: entender que temos responsabilidade sobre nossas escolhas e que nossa consciência possui gravadas as opções de retidão do caminho, desenvolver a compaixão, aparar as arestas com a família – nossa base de apoio em que estão nossos maiores desafios de reconciliação –, e entender de uma vez por todas que fazer o bem não é simplesmente não fazer o mal.

Talvez você considere mais cômodo encontrar alternativas equivocadas de justificativa como afirmar que agora não é hora, que agora precisa trabalhar, agora seu filho ainda é pequeno, agora você não está aposentado; para uns porque são velhos demais, para outros porque são jovens demais. Todos se desculpando para não promover a fantástica viagem da “iluminação interior”, como bem nos lembra Divaldo Franco. Tem até quem ouse dizer, com toda a arrogância e ignorância peculiares dessas situações, que está bem assim, que nada há para alterar. Afirma-se, ingenuamente: “Se melhorar estraga”! Estar satisfeito gera um conforto que mascara o que poderia ser melhor, o que poderia ser diferente. Há uma frase de Guimarães Rosa: “O animal satisfeito dorme”. O que aconteceria com a humanidade plenamente satisfeita?

Prioridades baseadas no raciocínio, na reflexão podem nos levar a um dia a dia que nos fortalece nessa jornada. Quais requisitos devem prevalecer na nossa lista pessoal de opções desse ponto em diante? O comodismo nos paralisa, nos convence de que algo não está bem, mas poderia estar pior, então está bom assim. Constate se realmente você quer melhorar algo. Se a resposta for sim, porque o não aqui não nos interessa, diga esse sim em novas atitudes, renove o seu agir no mundo, amplie os horizontes buscando possibilidades. As novas escolhas virão consequentemente. Não há necessidade de esperar um acidente de carro, a perda de um ente querido ou do emprego, a amputação de uma perna, uma separação, para perceber que algo precisa receber mais atenção por você.

A cooperação entre as pessoas não é algo para amanhã, para outros povos, para outra vida. Se nos juntarmos em voz uníssona, respeitando os diversos timbres, em busca da melhoria interior de cada um, estaremos viajando em uma velocidade maior rumo ao desconhecido regozijo das almas que descobrem em tempo hábil o que é viver bem. Acreditar que a verdadeira felicidade não é deste mundo não deve abafar a busca por dias melhores. Miséria, sofrimento, doenças são desafios para nossa luta em prol da limpeza do Planeta. Enfrente seus medos e limitações, mergulhe fundo no que lhe incomoda e busque respostas com perguntas espertas e provocadoras. Não se contente com pouco. “É melhor ser alegre que ser triste. Alegria é a melhor coisa que existe”, diz a canção de Vinicius de Moraes e Baden Powell.

Assim, o seu epitáfio será escrito de outra forma, a história contada ao amigo que não se vê há muito tempo terá outra narrativa. Ajudar o próximo na tomada de consciência de que a vida é muito mais do que o que passa na televisão, do que é dito por aí, é tomar atitudes que resvalem de si para o mundo e contagiem positivamente outros tantos. Isso é cooperação, fraternidade, solidariedade. A melhoria espiritual e o progresso interior vêm quando paramos para analisar como tem sido a vida até aqui. E a prática é a marca indelével que deixamos como exemplo.