sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Baratas tontas


(Arte: autoria desconhecida)

Que correria é essa, alguém pode me explicar? Para onde vai todo mundo com tanta pressa? Tirar o pai da forca? Eu quero entender – diferentemente da frase atribuída à Clarice Lispector “viver ultrapassa qualquer entendimento” – para quê tudo isso nesta época do ano? Ao compreendermos um processo, conseguimos nos colocar no mundo de modo mais consciente, não a passeio, e, portanto, agir de modo menos animal e impulsivo. “Basta de clamares inocência”, diz a música de Cartola.

Algumas pessoas praticam esporte sempre; outras, só em dezembro. São os adeptos da Corrida Maluca junto a Mutley, Penélope Charmosa e toda a turma – com Dick Vigarista, claro, ditando “novas” regras de, por exemplo, como roubar a rara vaga disponível no estacionamento de um shopping. Se você já esteve num lugar assim neste período, sabe do que estou tratando. É constrangedor presenciar cenas em que ética e generosidade são trocadas por coisas tão perecíveis.

As lojas estão entupidas, os caixas têm filas gigantescas, nos hipermercados carrinhos no melhor estilo bi ou tritrem são empurrados ou puxados pelo vivente “sorteado” pela própria família. Toda reclamação de falta de dinheiro vai-se por água abaixo. Cerveja, vinho e espumante, refrigerante, carnes, temperos, enlatados e afins vão se juntando, em fardos, aos itens já escolhidos no fundo do pequeno transporte de carga. Agora, o esforço é válido e, os maridos, de modo geral, não se importam com a demora nas compras.

Já passou na rua da Praia em Porto Alegre ou na 25 de Março em São Paulo? E em Ciudad del Este no vizinho Paraguai? “Parece uma praça de guerra”, disse-me alguém. Reviram cestos e prateleiras na ânsia de encontrar um regalo para dar sentido à vida. Estabelecimentos para públicos mais bem aquinhoados não escapam da manifestação do consumo exacerbado. E dá-lhe propaganda incitando o comprar – bens são adquiridos pelo capital e a virtude nasce quando o consumidor passa a usar um determinado objeto. Ô maravilha de sociedade a nossa!

Em manchetes, a mídia confirma a onda de saque autorizado mostrando gerentes a estimular vendedores a não perderem clientes. Pareço ouvir: “Precisamos bater a meta”. No final, no microuniverso, o saldo de vendas é bom, mas com um macrorresultado doloroso: altos índices de acidentes em rodovias, a maioria por excesso de álcool e velocidade. Carros retorcidos, vítimas estendidas lado a lado, choro de familiares que constatam ou recordam como o Natal e o Ano-novo não são mais datas para equivocados festejos. Sem falar dos excessos de comida, afogamentos, mal-estares, vaidades, fingimentos...

Apesar de o ciclo vicioso se repetir, como é de se esperar, e nada mudar efetivamente, todos fazem suas apostas de que o Natal e o Ano-novo serão inesquecíveis desta vez. O peru é especial porque apita quando pronto e traz um molho feito... sei lá, na Inglaterra. A roupa branca da virada trará sorte e a estreia da lingerie virá com um emprego, o novo namorado, a família menos triste e hipócrita. “O Natal me deprime porque família não é fácil”, me diz uma amiga. “É verdade”, respondo. Se a família soubesse do seu valor e potencial, amaria mais, na prática, e pronto.

Essas criaturas enlouquecidas buscam algo que não existe num centro comercial, mercado, padaria, viagem... Conclui-se o óbvio: os produtos vão estar nas prateleiras no dia primeiro de janeiro, não vão fugir. Encher o carrinho e voltar para casa com um punhado de sacolas cheias completa o vazio de suas vidas. Esbanja-se como se só o contrário fosse um mal. Enquanto isso, irmãos nossos, perto ou longe, carecem de um pouco desse muito e seguem suas jornadas sem a prodigalidade da vida contemporânea.

Possivelmente, tais pessoas afobadas estão atrás daquilo que protelaram o ano inteiro. Enganam-se que, consumindo desvairadamente, vão melhorar um projeto, a casa, educar o filho, concluir um curso – tudo o que não se fez, não se começou ou concretizou. A checagem dos itens pendentes da agenda está sem o risquinho que confirma que a ilusão não faz mais parte do gigantesco abismo de seu dono. Assim, a pressa equivale a um pedido de socorro, de atenção, de autopreservação. Quem ousará tirar as próprias máscaras? (Adriane Lorenzon) 

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

Cucas para o Natal


(Foto: autoria desconhecida)

Peguei as fôrmas emprestadas e a receita com a querida tia Nadir. O intento? Fazer cucas para o Natal. Deliciosas, diga-se de passagem, e recheadas com coco. Minha irmã Ana reclamara que depois que nossa mãe morreu não tínhamos mais “aquele” espírito natalino que os europeus legaram à culinária gaúcha: cucas, bolachas enfeitadas, docinhos. Assim, decidi botar a mão na massa. Pronto. Não tem mais volta. Aos desavisados, resumidamente, cuca é um pão doce.

Certa de que dispunha dos ingredientes, pus-me a quebrar os ovos, amornar a água, separar as medidas de açúcar, leite, fermento, nata. Aliás, um prato nada light... Comecei cedo, passava das oito da manhã. Não tenho grande experiência em panificação, porém, dei-me conta, ao acrescentar farinha várias vezes, que a coisa seria mais demorada do que imaginava. O papel indicava amassar (e não bater como se faz em bolos, tornando o processo mais rápido). Então, colocava o pó do trigo e a massa respondia ficando durinha e firme.

Preparar uma comida para alguém ou para si mesmo é doar ou fazer florescer amor e dedicação. São horas e horas de misturas, mexidas, testagens. Tudo para homogeneizar as partes. Sem resistir, vou logo me autorizando a comer pedacinhos da massa crua. Adoro! Desde criança faço isso. Experimente! No meu caso, não houve ninguém para me censurar e dizer: “Vai fazer mal, menina! Não coma isso”! E eu, “nem bola”, como se diz nas bandas do Sul para a expressão “dar de ombros”. Meti a mão e me fartei com a iguaria.

Embora não seja uma exímia fazedora de rango, cozer é a minha praia. A preferência descamba para o universo dos salgados e agridoces. Programa legal é reunir-me a amigos ao redor da mesa e, enquanto todos conversam, relembram histórias e contam causos, eu vou lidando com os alimentos. Sem pressa, o amor se infiltra nos furinhos do macarrão, no ramo do alecrim, nos segredos que compartilho... Para cozinhar não há mistérios: é necessário sensibilidade e gostar de fazer.

Na receita original da tia, o recheio da cuca é composto de leite, açúcar e coco. Eu dei uma incrementadinha e incluí leite condensado. Aprecio essa combinação. Apesar de ser tudo a mesma coisa. Enquanto a massa descansava e crescia a olhos vistos, fui prepará-lo. Nunca tire os olhos da panela. Por quê? Arrá! Ou gruda no fundo ou o leite entorna e lambuza a panela, o fogão... Faça-o em fogo baixo após levantar fervura e tenha calma. Muita, de preferência. Assim você domina a química ocorrida ali e não o contrário. Simples assim.

Depois de algum tempo mexendo, desliguei o fogo e fui almoçar a comidinha preparada pela secretária Marli. Foi ela quem me alertou que o ponto era aquele mesmo. Se continuasse fervendo, chegaria ao de doce de leite e no lugar de recheio de cuca, eu cortaria barrinhas. Marli é descendente de alemães, povo habilidoso em quitutes como o famoso apfelstrudel – folhado de maçã e canela.

Nesse ínterim, a massa já crescera o suficiente. Era a vez de enformar. Primeiro, dar aquela amassadinha, abri-la e aplicar o recheio. Como ainda estava quente, precisava deste, frio ou, pelo menos, morno. Mexi um tempão – enquanto o fazia, pensava em como tudo na vida exige pa-ci-ên-cia. Quando se tem consciência disso, fica mais fácil e prazeroso viver. A felicidade torna-se alcançável, pertinho de nossas mãos. E eu lá mexendo, mexendo – ora no sentido horário, ora ao revés – e deixando de obrigar a mente a pensar. Acho que a esvaziei, como sugere o budismo.

No total, quatro cucas grandes e uma pequena. Último passo: aplicar “farofa” (feita de açúcar, nata e farinha) na cobertura e enforná-las. Lá se foram as cucas tornarem-se, efetivamente, cucas – o que só ocorreria quarenta minutos depois. No jantar comi... Adivinha? Cuca, lógico. Ué, mas não era para o Natal? Ahã. Desculpa para comer antes de todo mundo? Ah, um cozinheiro carece de autocrítica para avaliar os comentários dos outros! Resultado: aprovadas, até pela tia Nadir. Não é mole não! E olha que as dela são maravilhosas. Agora é aguardar a reação dos olhinhos de Ana. Acho que ela vai gostar. (Adriane Lorenzon) 

sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Respeitem meus cabelos brancos


(Foto: autoria desconhecida)

O cantor e compositor paraibano Chico César escreveu, alguns anos atrás, canção com o mesmo título desta crônica, mas colocou vírgula depois de “cabelos” – queria chamar a atenção de um público não negro. Ele abordava uma verdade: a discriminação com o crespo da afrodescendência. Aqui, de propósito, renunciei à vírgula porque a intenção é diversa: tratar de preconceito, porém, com o prateado de minhas madeixas. Enfim, resolvi assumir o grisalho. Chega de tinturas, esperas em salão, testa manchada, lambuzos em casa...

De início, o corante servia para mudar a cor, dar um tchan no estilo pessoal. Como uso cortes curtos ou curtíssimos há duas décadas, ninguém os percebia. De uns anos para cá, se me demorava em retocá-los, notava que a situação estava, digamos assim, junta e misturada. Acho graça e me divirto muito com o olhar surpreso de quem ainda não sabe dos meus fios descoloridos pela vida. Alguns brincam: “Ah, é como se você tivesse feito luzes”.

No entanto, atualmente, a coisa está séria. Tem até mechinha a William Bonner. O motivo da existência tão precoce desse branquicelismo todo, desde os 18 anos, pode ser predisposição genética. Como de uns anos para cá passei por situações estressantes, cogita-se, portanto, outro fator. Mas... adianta saber? Nada vai alterar. A medicina confirma a falta de soluções na área – isso está claro e é tranquilo para mim. Já para o meu semelhante, não. Aí a coisa complica – somos seres sociais, está lembrado?

Ao falar na possibilidade de deixar à mostra a melena assanhada, tenho ouvido de cabeleireiros e amigas que sou muito jovem para tal intento. Modéstia à parte, apresento mais ares de moleca do que minhas quatro décadas novembrinas. Claro, fui aceitando a imposição descarada da sociedade de que aparentaria um envelhecimento antecipado e pintava uma vez mais. Observe. Cabeleira curta precisa ser cortada a cada 15 ou 20 dias. Senão, dá uma impressão de desleixo – e se o corte ocorre nessa periodicidade, a tintura vai-se embora.

Poucas pessoas ao meu redor vivem situação parecida – fico, novamente, deslocada no mundo. Aquele lance do pertencimento... Então, matutei: “Vou para a Internet ver o que a mulherada anda falando. Impossível que só euzinha esteja pensando em assumir os brancos”. Delícia nos sentirmos acompanhados! Não deu outra. Lá estavam depoimentos de mulheres com a mesma dúvida cruel. Senti-me acolhida e encorajada. Viva a web!

Caro leitor, você acha que homossexuais e negros são os únicos discriminados? Qual nada! Embora em grau e metodologia distintos, mulheres brancas, de classe socioeconômica média ou elevada, também sofrem com o mal da ignorância de outrem. Por que seria diferente comigo? Uma “obrigação” nos impele a escondermos a velhice. Ora, quem disse que envelhecer é feio, errado, fora de moda e demais expressões que nos ensinaram para reprimir vontades, ideias e sonhos frente à vida? É a ditadura da aparência jovem em pleno vigor! Quem consegue se esconder por tanto tempo? Dercy Gonçalves? Glória Maria?

Nunca tive problemas com idade. Contudo, agora, sou nova pessoa e não quero pintar os cabelos. Ponto. A não ser que profissionalmente se faça necessário. Curtir essa fase, sim. Imensamente! É o meu envelhecer. Sempre disse: “Ao chegar aos 60, serei linda”. Olha só, faltam-me apenas duas dezenas de anos. A repórter Denise Brito, do jornal A Folha de São Paulo, entrevistou mulheres como a professora de inglês, Mila Rey, 53, que contesta a tirania da beleza: “Abdicar de uma aparência que se convencionou ser rejuvenescedora pode ser considerado até agressivo aos olhos de quem acha difícil lidar com os sinais do próprio envelhecimento”.

Ô, pacato cidadão! Não estaria na hora de conversarmos sobre velhice? Quanto aos meus branquinhos, alguém sentenciou: “Não é que você fique feia, mas é por você ficar velha”. Ãh?! Da amiga, coordenadora pedagógica da escola Olodum, a baiana Mara Felipe, 43, ouvi: “Feliz de quem está vivo para envelhecer. Eu me sinto linda, maravilhosa; eu estou, a cada dia, me sentindo melhor, mais feliz, mais realizada. O ano que vem será melhor ainda porque eu estarei mais velha, mais experiente e com mais vontade de viver... e de envelhecer”. (Adriane Lorenzon)

sábado, 10 de dezembro de 2011

Marcha pelas drogas







 (Arte: autoria desconhecida)

Amanhecemos o ano de 2011 com uma enxurrada de convites à drogadição. Foram tantos apelos! Um pouco de desconhecimento e defenderíamos também. Percebeu? Saca só. Em janeiro, soubemos da produção do documentário Quebrando o tabu, de Fernando Grostein, mostrando que a maconha precisa ser descriminalizada. Autoridades, como os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Bill Clinton (EUA), defendendo a legalização das drogas para poder barrar o consumo. Segundo o filme, a guerra contra os entorpecentes está perdida.
Programas jornalísticos nos apresentaram o óxi (feito de cal, substância de bateria, gasolina ou querosene) – mais forte e mais barato que o crack. Se este custa módica meia dezena de reais, o óxi sai pela metade do preço. A cal detona o sistema respiratório, enquanto o combustível afeta a região digestiva. Segundo a Polícia Federal, o óxi não é uma nova droga e, sim, uma variação da cocaína, surgida em 2005. Porém, a bomba da vez é o crocodilo. Criada na Rússia, a droga é composta de analgésicos, ácido e fósforo e apodrece a carne dos usuários. Segundo a revista Time, a expectativa de vida dos dependentes é de três anos.
Ainda ficamos sabendo da existência do cristal, tóxico poderoso que estoura os dentes dos usuários devido aos elementos corrosivos de sua fórmula. É chamado de cristal da morte; certamente, não por acaso. Conhecido por ice (gelo, em inglês), é 60 vezes mais forte que a cocaína. Pode ser fumado, cheirado, injetado ou tomado. Trata-se de uma meta-anfetamina que estimula o Sistema Nervoso Central causando euforia e potencializando o desejo sexual. Por isso é usado em festas, tipo raves, e durante o sexo. Leva o usuário a ficar dias sem comer ou dormir.

Por todo o país eclodiram passeatas de jovens defendendo a descriminalização da maconha. Como lhes faltou habilidade para se expressar e, desse modo, conquistar a opinião pública massivamente e com o devido discernimento em casos como esse, foram repreendidos pela Polícia Militar em diversos lugares. Até que conquistaram o direito na Justiça pela liberdade de expressão e puderam sair com cartazes, faixas, gritos de ordem ou desordem, como queiram, para dizer o que pensam em vários cantos do Brasil.
Sem o devido destaque na grande mídia, a indústria do tabaco manteve aditivos, aromatizantes, temperos e ervas que, cada um na sua função, potencializam os efeitos da nicotina e disfarçam o gosto horrível na boca. Açúcares são adicionados ao cigarro, aumentando doenças graves nos dependentes, como o câncer. Atualmente, a lenta e resistente Anvisa luta para que a propaganda explícita de cigarro não volte à cena. O governo não se posicionou firmemente e a indústria fumígena passou a determinar a velocidade da discussão. 

Durante dias acompanhamos pela televisão os desdobramentos de uma polêmica desnorteada (como todas são) e protagonizada por estudantes de uma das maiores e melhores universidades brasileiras: a USP. Alunos fumavam a erva marijuana no pátio da instituição quando a Polícia Militar interveio. Estudantes, “saudosistas” da luta contra a ditadura dos anos 1960/70, decidiram usar o ocorrido para barganhar outras questões com a reitoria. Foram falar de violência, por exemplo, utilizando-se de... Adivinha!? Violência...

Fechando o calendário, recebemos a notícia da morte do jogador Sócrates, autodeclarado dependente de álcool. Em setembro, numa de suas internações hospitalares, a mulher dele, Kátia Bagnarelli, disse ao jornal A Folha de São Paulo que iria incentivar o marido, quando recuperado, a iniciar uma campanha contra o alcoolismo para conscientizar as pessoas. “O arrependimento veio agora, me vendo sofrer e pelo sofrimento físico que ele está sentindo”, comentou. Não houve tempo para os projetos e o esclarecimento da sociedade.

Para o psiquiatra André Toríbio, “vivemos num mundo químico em paralelo ao crescimento econômico que nos acompanha como artifício de qualidade de vida”. Ou seja, desde cedo sabemos como alterar artificialmente a consciência para melhor digerir os reveses da vida. Mas quando vamos primar pelo discernimento, educação, reforma interior e, assim, espalhar em volta a prática de um mundo melhor? Se a Organização Mundial da Saúde constatou em estudo que a dependência química ocorre num processo de aprendizagem, por que não aprendemos também a edificar nossa construção muito mais do que nossa destruição? (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

Cecília e os bichos presos


 (Foto: autoria desconhecida)

Um dos poemas mais lindos que conheço é Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidência de Cecília Meireles. Versos e mais versos preenchem o papel com o tema central da luta de um povo: liberdade. Mas não vou tratar aqui da história e das relações do Brasil, Minas ou Portugal. Quero apenas destacar um trecho do texto da musa lírica. “Liberdade, essa palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique e ninguém que não entenda”. Contudo, realmente entendemos de liberdade?

Passeando pelas ruas de Cachoeirinha (RS), sou invadida pela lembrança do Romance... que o recitei num espetáculo em Brasília, anos atrás. E a poesia é assim: ela gruda na gente e a gente nela – desde que a assimilemos em sua essência por meio da sensibilidade. Então, a narrativa de Cecília, naquele passeio, me envolveu enquanto via uma quantidade enorme de cães presos. Aliás, proporcionalmente falando, uma das cidades que visitei com mais cachorros perdidos nas ruas e presos em casa. Pode crer!

Meus passos eram seguidos por Cecília que me cutucava o tempo todo em súplica por liberdade. Pensei: que amar é esse que leva o homem a prender seu “bem-querer” entre latidos, abanar de rabo e uivos roucos de saudade? A mente se esforça para tal compreensão, mas o discernimento lhe escapa. O coração se derrama em choro por tamanha crueldade. Improvável um número elevado de casos com justificativas iguais de seus donos: “Prendemos um pouco, só por agora, até lavar a calçada”... e outras desculpas esfarrapadas.

Situações presenciadas ao longo da vida vêm à memória. Um cachorro que latia noite e dia em Tenente Portela, também no estado gaúcho. Era triste ouvir, de longe, aquela penúria. Nunca soube o desfecho. Conheço pessoas que mantêm seus “melhores amigos” em correntes de um metro de comprimento. Há peludos que caminham pra lá e pra cá durante horas, sem mais nada a fazer, tamanha é a redução do espaço de interação com a natureza. Sem falar, no inverno, presos à corrente e ao frio, sem poder buscar abrigo para agasalhar-se.

Em Florianópolis, uma ocorrência inusitada. Nunca a vida me mostrou tão bem o significado da palavra surreal. Quase tive um troço. Na ilha de Santa Catarina, manés carregam curiós em pequenas gaiolas pelas ruas. A ideia é passear ao sol com o avinhado. Em outra situação, por todo canto do mundo, há quem mantenha o peixe beta em minúsculo aquário para decorar a sala. Pessoas se presenteiam com o peixinho de longa cauda em sinal de amor. Ãh? Alguém justificará que o motivo para mantê-lo na estante – solitário e belo – é por ser briguento demais?

A bicharada dos zoológicos vive, amiúde, em recinto impróprio para suas necessidades. Pessoas prendem animais silvestres em casa para o bel-prazer de tê-los ali, ao alcance da mão. Um velho leão maltratado foi deixado em pequena jaula por um circo na beira de uma estrada no Brasil. Um bom samaritano passou e o levou para cuidá-lo e amá-lo. Tartaruguinhas são vendidas por pet shops para famílias mimarem crianças. Quando os quelônios crescem são deixados por aí. Por que os pais não fazem isso com seus filhinhos?

Traficantes enrolam e escondem nas roupas papagaios, pererecas, borboletas, vespas, besouros para “exportar” a colecionadores, mafiosos ou estudiosos. Também serpentes, jaguatiricas, macacos e tipos exóticos de nossa fauna vão-se embora. Qual a diferença da ação deles e a de pessoas que conhecemos que prendem animais e os maltratam por uma vida inteira? Nenhuma. Se o dinheiro “justificaria” o ato dos primeiros, o que argumentaria o segundo grupo?

Voltando à liberdade de Cecília. Que hábito funesto tem o ser humano de prender tudo o que vê pela frente? Que história é essa a de matar aos poucos os bichos com a tortura que abominamos para nós, ditos seres racionais? E se as pessoas sentissem na pele o que fazem aos bichos? Sempre que vejo um cachorro preso, caminhando pra lá e pra cá, me vem a imagem de seu dono, mesmo desconhecido, amarrado na curta corda do animal. Por que a restrição da liberdade é uma das penas mais dolorosas aplicadas nas sentenças judiciais humanas? (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

TDM – Tensão Durante o Mês


(Arte: TPMulheres.net)

Dismenorreia primária. Ô palavreado chique! Com 13 anos a meninada já sabe o significado. Comigo também foi assim. As cólicas menstruais surgiram fazendo o maior estrago e me mantendo às voltas com a catástrofe mensal. Antes de nascer, alguém deve ter me perguntado se eu queria viver com ou sem emoção. Eu devo ter dito: “Com muita emoção”. Perdi a conta de receitas caseiras, dicas, chás, orientações, livros, pílula sublingual, para tentar melhorar a situação “naqueles dias”. No final, cá entre nós, dá uma amenizadinha. Aliviar, de fato, o suplício, só depois de cinco dias – entretanto, no próximo ciclo...

Um rasgo sutil e crescente lá no fundo do abdome, a lombar reclamando como se estivesse ferida, panturrilhas doendo muito. Algumas mulheres chegam a desmaiar. Diz-se que a culpa é das prostaglandinas que promovem contrações uterinas fortíssimas. Tudo para anunciar o pesadelo. Em seguida, uma irritação inexplicável nos transforma numa espécie de monstrinho. Sem falar na dor de cabeça e no desconforto: sangue, absorventes, investimentos em remedinhos que duram até o organismo habituar-se ao princípio ativo. No total, 20 dias de sufoco e folga de 10 em cada um dos módicos 430 meses da vida reprodutiva feminina. Daí TDM e, não, TPM como definem os estudiosos.

A pior parte é ouvir do ginecologista: “Ah, isso é normal”. Argh! Ato contínuo, braços imaginários se enroscam no pescoço dele e apertam, apertam... Ainda bem que fico na vontade. Perguntei se é normal, cara pálida? Dê-me, por favor, um remédio para aplacar a aguda sensibilidade e me colocar na lista de pessoas civilizadas o mais rápido possível! Que eu não vomite de dor periodicamente ou pare na emergência para um Buscopan na veia! Não quero enlouquecer de exasperação por qualquer coisa, nem me tornar um animal irracional!

Nesse contexto, pessoas insistem em subestimar e minimizar os sintomas ligados à menstruação. Um dia conversava com uma nova amiga que afirmava com grande convicção: “TPM sequer existe, é bobagem, frescura.” Respirei fundo, mas imediatamente entendi. Ela nunca sentira algo parecido, portanto, não sabia do que se tratava. Alguns homens acham que a dor é psicológica, pura invenção nossa. Ambos confirmam minha tese: colocar-se no lugar do outro carece, além de amor, determinação e conhecimento para entender o processo.

Uma noite cheguei tarde a casa, peguei um pouco de chuva e o Internacional entrara em campo. A contração era insuportável e não havia remédio disponível. Estava sem força de procurar na lista telefônica uma farmácia que atendesse em domicílio. Com cólica, o ânimo se esvai junto no vaso. Peguei o ferro de passar roupas e o deslizei diversas vezes em uma toalha macia. Deitada, coloquei-a junto ao baixo ventre. A gata Penélope, vinda de fábrica equalizada em sintonia fina, ajeitou-se em meu travesseiro e começou a massagear minha cabeça. Adormeci e a dor sumiu. Os bichanos são definitivamente demais!

A salvação parecia estar a caminho. Soube de uma lei milagrosa. Poderíamos faltar ao trabalho, sem represálias e descontos, no dias de cólica. Comemorei, agradeci. Qual o quê! Era alarme falso, talvez um projeto de lei... Já as assassinas, muitas vezes, têm penas atenuadas se comprovarem o álibi da menstruação no dia fatídico. Afinal, são cerca de 160 sintomas e o descontrole acontece do nada. Tenho certeza, caro leitor: você conhece mulheres que estão um amor pela manhã e à noite o bico dobra a esquina. Para o seu bem, não ouse perguntar o que houve...

Amiga mulher, diz Mari Sandra. Nem tudo está perdido. Autoridade no assunto, o médico baiano Elsimar Coutinho, defende a tese de que não precisamos menstruar. Segundo ele, os avanços da medicina reduziram drasticamente a tortura mensal de pessoas como euzinha. São vários métodos, porém, o comum é tomar pílulas anticoncepcionais sem pausas. Durante alguns meses haverá escapes. E, se correr bem: “Libertas quae sera tamen”! Há um ano em tratamento, pelo visto, a TPM está deixando de ser a principal justificativa para meus impulsos mais baixos e ataques nervosos. Ufa! Por mim, sem problemas. Eu troco “de mano”, numa boa. (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Sei que nada sei


(Foto: autoria desconhecida)

Detesto bater papo sobre filmes a que não assisti. Por mim, estaria tudo certo, pois, diga-se de passagem, adoro escutar histórias, apesar de saber o final antecipadamente. A confusão é: nem todo mundo lida bem com o não saber do outro, o não conhecer, o não ter assistido “àquele” clássico. Daí, ouço: “Você não viu tal filme”? E eu, calmamente: “Não”. Lá no fundo pensava: “Qual o problema? Vou morrer sem ter lido todos os livros, assistido a shows como da Legião Urbana ou a películas maravilhosas”!

Sou tranquila com o meu tanto de não saber. “Calmo, mas não conformado”, como diria Chico Buarque. Tenho muito a desbravar nesse mundão que uma vida apenas vai ser pouca para vasta experiência. Ledo engano achar que se consegue fazer todas as descobertas numa só. É claro, posso ampliar as possibilidades e buscar o conhecimento a toda hora, a cada minuto. Adoro estudar. Por exemplo, há épocas em que aprecio Guimarães Rosa; em outras, prefiro filosofia. Nem por isso me considero a poderosa da literatura, das letras.

Pessoas também não reconhecem os saberes das outras. Professores são campeões em desvalorizar o que crianças e adolescentes, em especial, têm de mais rico: as próprias visões de mundo. Lembro-me de um no curso de jornalismo que nos dias de prova, esfregando as mãos, falava: “Vou ferrar vocês”! Coitado! Devia ser uma pessoa triste e iludida. Na outra ponta da história, lembremo-nos de Paulo Freire – educador ousado, declarava respeito ao saber do educando.  

Minha mãe Maria sabia o quanto não sabia e, assim, era sábia. Aos 58 anos aprendeu a andar de bicicleta. E ficava lá motivando as amigas mais jovens a andar de bike. Mais tarde, começou a dirigir e tirou carteira. Fomos juntas comprar o primeiro carro dela. E fechando com chave de ouro, arrasou na animação. Como frequentou a escola até a terceira série primária, ficou sem estudar formalmente a vida toda. Pois não é que concluiu o primeiro grau depois dos 60? Se tinha dificuldades? Claro que sim, como eu e você.

Criaturas presunçosas, inconscientes dessa condição, tratam de modo indelicado quem não vivenciou situações como elas. Então, quando descobrem um serzinho quase indefeso porque não sabe algo, se lançam como jaguares esfomeados. Geralmente, agem desse modo figuras que, por exemplo, conhecem diversos países, têm títulos acadêmicos, são poliglotas ou entendem de vinhos, os sommeliers. Note que há uma diferença enorme quando pessoas simples sabem muito. Estas, contam histórias interessantes e tudo flui tão natural que a arrogância passa longe.

Não saber não é a questão-chave. Agora, não querer saber... Há uma frase nos alertando há tempos: “O pior ignorante é o que não quer saber”. É ou não é? É. Conheço gente teimosa que insiste numa opinião para ver o circo pegar fogo e ter o nome na calçada da fama – dos chatos, claro. E os adolescentes? Pensam saber mais que os pais em experiência de vida e os tratam com violência, desconsideração. Sentem vergonha deles. Podem dominar a tecnologia, mas na longa estrada...

É atribuída aos Sete Sábios gregos, que teriam vivido entre 650 e 550 a.C, a célebre frase “Conhece-te a ti mesmo”. Ao ser apontado como o maior sábio da Grécia, justamente por esses caras, Sócrates reconhece o tamanho de sua ignorância. Ciente disso, afirma, entretanto, ser estimulado pelo não saber para desvendar o desconhecido. E dizia: “Sei que nada sei”. Logo, concluímos: não saber é terreno fértil para mentes ávidas em busca de conhecimento, renovação de ideias e ideais. Afinal, não somos prontos e conclusos.

Fiz um combinado comigo. Não sei e não entendo um monte de coisa, mas estou aberta ao aprendizado, vou conhecendo uma porção de novidades. Para o francês Marcel Proust, na obra Em busca do tempo perdido – A prisioneira, “a única viagem verdadeira (...) não é partir em busca de novas paisagens, mas ter outros olhos, ver o universo com olhos de outra pessoa, de cem pessoas, ver os cem universos que cada uma delas vê, que cada uma delas é”. Isso nos engrandece, faz superar deficiências, ultrapassar limites que nos impomos diariamente. (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 11 de novembro de 2011

Delicadezas masculinas

(Foto: autoria desconhecida)


Quando me acusam de ser exigente com os possíveis pretendentes, vou logo perguntando o que se entende por exigência. Sem fôlego, mudo ou enrolando, o interlocutor divaga em pensamentos. Geralmente, o argumento descamba para hipóteses como estas: eu assusto os homens ou cobro perfeição deles. E fica nisso. Então, dou-lhe uma aulinha sobre qual é (e não quais são) meu requisito primordial para um namorado: ser gentil. E isso, aparentemente, é muito simples e fácil. Nem tanto? Vejamos.

Um homem de fino trato aproveita cada dia para praticar a amorosidade com o outro, seja quem for. No ônibus, oferece o colo para carregar o pacote pesado de alguém em pé. No supermercado, deixa passar à sua frente o rapaz ou a senhora, imediatamente atrás de si, porque tem apenas uma caixinha de leite e o cavalheiro “só” um carrinho cheio. Se, sem querer, ocupou a vaga de alguém que já indicava com a seta para usá-la num estacionamento, admite que a vez é do veículo vizinho e a cede humildemente. Viu só?

Esse cara se reconhece de longe, pois age assim com qualquer pessoa em todos os lugares e situações. Fique certa: se é carinhoso com familiares, conhecidos e estranhos, também a tratará desse modo. Gentil, esse homem entende de respeito na prática. Sem chance de estupidez, violência, grosseria, indelicadeza. E se um dia portar-se meio desajeitado, você terá a certeza de que foi um deslize do qual temos o direito de cair. O caráter dele estará a salvo. Ufa!

Mulheres têm a “burra” mania de se apaixonar por homens cafajestes. Percebeu? O cara dá toda a pinta do quão inábil é no quesito elegância: no primeiro encontro a trata mal, atende ao telefone várias vezes no restaurante, fala da “ex” como a criatura mais desprezível do mundo? Arrá! Sinal amarelo! Pode saber que ele fará o mesmo com você. Vamos, reflita. Por que justamente com você seria diferente? Raríssimos homens mudam tanto de uma namorada para outra, ainda mais se as trocam como se o fizessem com roupas.

Um gentleman é um homem de atitude. Não fica na verborragia. Se vê alguém precisando de ajuda, arregaça as mangas e auxilia o vivente, deixa de olhar ao redor com ar de espectador, está atento às necessidades alheias. Esse tipo de homem tem a sensibilidade aflorada e, muitas vezes, pode ser qualificado de “afeminado” e aqueles adjetivos propalados por quem pensa que a vida é apontar o dedo para o outro. Esquece-se dos demais direcionados a si mesmo.

O baiano Gilberto Gil escreveu uma das músicas mais profundas do nosso cancioneiro. Superhomem – a canção nos arrepia quando pensamos que ser macho é muito mais do que tábua de tanque no abdome. Diz o poeta: “Um dia vivi a ilusão de que ser homem bastaria, que o mundo masculino tudo me daria, do que eu quisesse ter”. No site pessoal, Gil afirma: “Muita gente confundia essa música como apologia ao homossexualismo [sic] e ela é o contrário”. Ao compô-la, interessava “revelar esse embricamento entre homem e mulher, o feminino como complementação do masculino e vice-versa, masculino e feminino como duas qualidades essenciais ao ser humano”, completa.

Cortesia é muito mais que puxar a cadeira ou abrir a porta do carro. Não está somente no envio de flores e presentes, mas na forma de tratar o mundo de um jeito melhor de como se apresenta. O “mundo vasto mundo” de Drummond fica mais bonito com homens amáveis, afinal, aprendemos que os homens são brutamontes. Não precisa ser assim. Podemos ampliar o leque e criar sentimentos e atitudes elevados. Saiba: para as mulheres, a delicadeza masculina é atributo nobilíssimo.

Para fazer parte da vida da gente, precisamos, sim, elencar prioridades – caso contrário, permitiremos “qualquer um” em nossa volta. E então, sou exigente ou simplesmente uso o discernimento para selecionar o que quero? Os outros deveriam decidir por mim? A experiência tem me mostrado isto: assusto monstrinhos e atraio homens interessantes. E como se trata da minha vida, faço escolhas baseadas na gentileza. Daí fica fácil tolerar as inúmeras limitações que todos trazemos em nós. (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 4 de novembro de 2011

Pequenos prazeres

(Arte: autoria desconhecida)

Pequeninos acontecimentos no dia a dia quando inseridos no grande contexto que é a vida, tornam-se coisas grandiosas. Já reparou? Isso vai do acordar ao adormecer novamente. São detalhes escondidos nas frestas da agenda enlouquecida da atualidade. Tenho curtido tais fenômenos como feliz espectadora e atriz. Afinal, no meu caso, a saúde é perfeita, a mente saudável, o espírito aprendiz. Só preciso conciliar tudo no cotidiano, diante dos enfrentamentos, obstáculos, desafios.


Cedinho quando levanto, adoro tomar água natural para despertar o intestino, dar uma mexidinha de leve no estômago, dizer olá para as células. Comecei a fazer isso há uns 15 anos e algo mudou em mim. Na mesma época, passei a comer mamão, cereais e iogurte natural como desjejum. Uma maravilha gerando outra maravilha. É que o intestino trabalha como um operário dedicado e pontual. E está comprovado: tomar água em jejum faz um bem danado, ajuda até a desintoxicar o corpo.

Diariamente, depois do líquido bendito, o intestino dá sinal de querer começar a atividade que lhe é peculiar. Sem desespero, ele não vai trabalhar fora de hora e evita-se o aperto de precisar, às pressas, de um vaso. Sim, porque em desordem, o bichinho acaba sendo autônomo e comparece quando quiser. Entretanto, é preciso disciplina e vontade – educar o paladar, achar o novo cardápio saboroso e conhecer os alimentos que se harmonizam com o organismo. Por exemplo, na primeira refeição do dia, você prefere frutas doces ou ácidas? Ainda não sabe? Nem come frutas?

Há minúcias que a gente não para para observar com atenção. Na hora da higiene bucal, aprecio molhar a escova para o creme deslizar facilmente pelos dentes. Se você coloca direto na boca a formação de espuma fica prejudicada, dando um desânimo na escovação – haja saliva para auxiliar no processo. Ah, e nas manhãs do inverno gaúcho, gosto de lavar o rosto com a água gelada da torneira. Parece loucura, mas experimente antes de criticar. A pele fica lisinha, lisinha. É uma sensação muito agradável.

Assim, o dia começa com novo esplendor e a promessa de que vai ser melhor ainda. Você vai ao trabalho e encontra o trânsito engarrafado. Antes de pensar em xingamentos, surge na fileira de carros ao lado um “deus grego” – está certo, se preferir, uma “deusa grega”. Imediatamente tudo fica iluminado. O sorriso vindo do outro carro serve de inspiração para o dia ser mais, mais. Que delícia é o trânsito – em outros momentos você teria querido explodir. Agora, só a eternidade interessa. Então, a fila anda, o sinal abre e você engata a primeira – é o jeito.

Ser ajudado pelos amigos é algo também sem preço estimado. Nunca vou me esquecer da sopa da Bete. Certa feita, comentei que estava gripada. Sensível a essas situações, Betinha foi logo se oferecendo para levar um caldinho quente para mim. Quando falei que não queria atrapalhar, ouvi: “Que é isso Drizinha, eu chego aí num instante, é só o tempo de os legumes cozinharem, pois o frango já está desfiado”. No dia seguinte, estava melhor. Caldo temperado com carinho cura rapidamente qualquer indisposição.

Falando em comida... E quando você é convidado para degustar uma iguaria que você adora e o anfitrião sabe realmente prepará-la? Afinal, você é especialista naqueles ingredientes e tem o paladar apurado... Ou quando você se permite provar um novo prato e descobre surpreso que ele é muito mais gostoso do que imaginou? É demais! Sensações indescritíveis que só aparecem na boca de quem ousa conhecer o desconhecido. Você é assim ou torce o nariz mesmo sem se dar ao luxo de desbravar sabores estrangeiros?

Inúmeros deleites poderiam ser reverenciados aqui. A oferta de empréstimo de um amigo na hora do aperto, alugar um imóvel direto com o proprietário e sem a burocracia constrangedora das imobiliárias, o frescor e o aroma na porta da loja de perfumes e colônias, o cheiro do amaciante nas roupas de cama recém-trocadas, o carinho do animalzinho de estimação quando chegamos do trabalho, o professor paciente que repete pela décima vez o conteúdo difícil, os pais que são o exemplo de amor... Nosso ânimo se alegra com minúsculas e poderosas manifestações de que a vida vale a pena. (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Aparências, nada mais


(Foto/arte: autoria desconhecida)

Outro dia lembrei-me de uma música cantada por Marcio Greyck, de Cury e Ed Wilson, intitulada Aparências. Talvez, hoje, seria considerada brega, porém, foi sucesso estourado nas paradas radiofônicas dos anos 1980. A letra contundente é fácil visualizar na vida das pessoas: “Aparências, nada mais, sustentaram nossas vidas, e apesar de mal vividas, tem ainda uma esperança de poder viver. Quem sabe rebuscando essas mentiras e vendo onde a verdade se escondeu se encontre ainda alguma chance de juntar você, o amor e eu” [sic].

O poeta está, claramente, retratando a história de um casal, todavia, vamos ampliar o poema no contexto das interações humanas. Quanta hipocrisia! Quanta dor escondida! No mínimo, sofrível! A criatura se contorce toda para ajeitar as máscaras sociais, dando um brilho no verniz... Sempre me incomodei com o gosto pela hipocrisia e a necessidade de se manter a aparência. Muitos preferem a mentira à verdade e deixam isso muito claro, nem tentam esconder. Confesso: surpreendo-me toda santa vez que encontro alguém assim.

Certa feita, percebi ao meu redor um bocado de gente sem ânimo para ouvir e ver a realidade, isto é, a mentira ou a meia verdade eram mais interessantes. Por vezes, deparei-me tendo de amenizar palavras para não assustar o interlocutor. E, olha, estou falando de pessoas educadas, instruídas, leitoras assíduas, engajadas. Fazia isso para não ser a responsável por mais um castelo destruído, uma realidade ilusória desfeita – delas, no caso. Oscar Wilde já dizia, “pouca sinceridade é perigoso, muita sinceridade é fatal”.

Calma! Não estou advogando em defesa da mentira. Acredito muito mais no despertar do autoconhecimento. Entretanto, às vezes, amigos, parentes, colegas de trabalho se assustam sobremaneira com a minha transparência e facilidade de falar de coisas doídas; se perdem, não sabem como lidar, entram em parafuso. Então, amorosamente, ao perceber tal incômodo, procedo em seu socorro. Já ouvi até que eu seria poupada de alguns assuntos para não me emocionar. É que sou inteira, não pela metade, permito-me mergulhos mais profundos.  

Um verso da canção remete ao nascedouro de coisas malresolvidas em relações e que geram falsidades e ilusões. “Quantas dúvidas deixadas no momento pra se resolver depois.” Veja. Esperar a poeira baixar um pouco para depois conversar e solucionar conflitos, tudo bem, é saudável. Agora, jogar os podres e mal-entendidos para debaixo do tapete, deixando que o futuro lhe apresente dores que o vivente se iludiu achando que havia curado, é masoquismo e desconhecimento de si mesmo. Despertar para o aqui agora é fundamental. Aparar arestas é necessário e inadiável.

Caro leitor, com o devido respeito, pare de se enganar! Quantos casais, colegas, familiares, sócios e ex-amigos ficam anos pensando de um jeito sobre um ocorrido, só porque preferiram o silêncio ou a hipocrisia da máscara? Lá um belo dia, acontece algo providencial que lhes mostra o quanto estavam equivocados e que se houvessem perguntado em vez de “achar que” teriam resolvido coisas pendentes há décadas? Daí ouvirmos ou falarmos pérolas: “Nossa, fulano, achava que você estivesse chateado comigo por outra coisa”!

Observe. Manter a aparência é infinitamente diferente de ser discreto com a vida pessoal. Casais buscam resolver suas histórias no âmbito familiar, empresas exigem a discrição quanto a acontecimentos desagradáveis ocorridos internamente, muitos artistas se mantêm sem exposição à mídia para evitar vazamento de informações pessoais. Desse modo, esses grupos, ao se encontrarem, recolhidos em seus ambientes particulares, colocam à mesa: reclamações, chororôs e atitudes inapropriadas tomadas pelo outro. Contudo, elogios, desculpas e agradecimentos nessa hora serão bem-vindos e salutares. É o tal do diálogo.

E, por fim, o poeta joga a pá de cal: “Quantas vezes nós fingimos alegria sem o coração sorrir”. Fato. Há uma infinidade de criaturas perdidas em meio a sorrisos amarelos, cumprimentos obrigados, moles apertos de mão. Argh! Depois de um tempo convivendo com o antônimo deslavado da sinceridade de sujeitos que aparecem pelo caminho, concluí: a hipocrisia é uma proteção das fragilidades humanas. Portanto, quando precisar ser hipócrita, que eu possa analisar melhor e recuar. É um caminho duro, doloroso, solitário e quase sem volta. (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Impertinências, inconveniências

(Arte: autoria "criativa" desconhecida)

Um forte cheiro de cigarro adentrou o minúsculo apartamento em que vivo. Pensei: “Estranho, a janela está fechada”. Abri a porta para verificar o corredor e... nada. Só restava o banheiro, e não deu outra. O sistema de ventilação, embora desligado, sugou a fumaça de algum morador que fumara no aposento dele. Outro dia, a mesma coisa. Ao chegar de viagem, meu apê estava fedendo a cigarro como se estivessem fumando ali. Ora, eu moro sozinha! Então, perguntei: “Tem alguém aí”? Não, respondeu o silêncio, era o vizinho de novo apreciando seu vício.

Como resolver o impasse já que o vivente está exercendo a liberdade dentro da própria casa? É um direito dele. Até chamar especialistas para analisar o prédio, demora... Outra opção é resolver isso conversando. Entretanto, esse cidadão deverá ter boa vontade para sair de casa, à noite, e achar um lugar que não passe ninguém para fumar porque, mesmo no pátio do prédio, estará perturbando, pois a fumaça e o cheiro são safos, percorrem caminhos que ninguém vê, mas estão lá, adentrando e desrespeitando espaços particulares.

Lembro-me de um caso na Inglaterra, anos atrás, de uma mulher que ganhou na justiça uma ação que impedia o vizinho fumante de fumar num determinado espaço do terreno dele. Técnicos do tribunal realizaram cálculos para saber até que ponto exatamente o vizinho podia fumar no próprio lote, pois se ultrapassasse tal indicativo a fumaça já invadiria a área da moradora. Bem-humorada, imaginei experts fazendo medições diurnas e noturnas nas quatro estações do ano. Solta a fumaça, segura, dá uma tragada e solta com força, agora de leve...

Outro dia fui a uma reunião num pequeno restaurante do bairro em que moro. Estávamos confabulando sobre a temática em questão e, de repente, o nariz felino apontou o alto e descobriu uma fumacinha incômoda vindo para mim. Quando olhei àquela direção – no fundo eu sempre quero estar enganada, porém, trata-se de um cheiro que não tem como não percebê-lo quando chega ao olfato – olhei o garçom desavisado, fumando, e lhe disse: “A fumaça”... E ele, gentilmente, saindo dali: “Sério”?

A maioria dos fumantes não percebe que incomoda. Nesse sentido, falta muita noção de espaço! Para entender melhor, observemos outra área. Vários motoristas se perdem no quesito lateralidade, confundem direita e esquerda e entram para qualquer lado sem avisar. Daí surgiu a direção defensiva. Quem está no trânsito, prevendo uma barbeirada imediata do outro, se defende e cuida dos demais. Afinal, se o barbeiro soubesse das regras de convivência mínimas não se esqueceria: as ruas são como a vida, há mais gente ao redor.

Ainda no tráfego das vias, já senti a fumaça vinda do carro da frente. A pessoa fuma no carro, no território dela e causa estragos no meu terreno particular. Isso é sacanagem! [Não o seria, se eu estivesse, por exemplo, visitando um amigo fumante. No território dele, eu é que devo tolerar.] Contudo, pior é você estar dirigindo e o indivíduo jogar a guimba com aquele impulso característico de um peteleco gerado pelos dedos polegar e pai de todos. E o cigarro vai lá entupir bueiros e bocas de lobo junto a folhas de árvores, garrafas pet e sacolas plásticas – fazendo da chuva um momento de terror.

Uma das áreas científicas que sou apaixonada é a antropologia – estuda as relações entre o eu e o outro. Ajuda-nos a entender o ser humano nos campos biológico, social, cultural, histórico, psicológico, religioso. Estudando-a, sabemos melhor porque pessoas agem de certa forma, vivem como vivem, compreendem como compreendem. Somos seres sociais e precisamos de uma convivência pacífica, apesar da diversidade – não é mudar por causa dos caprichos do outro, é mudar em favor de nós. Isso gera uma profunda transformação.

Atentar-se à existência do outro é um bom começo para desenvolvermos a convivencialidade. Nos meus vinte e poucos anos, adorava ouvir música em alto volume. Não me dava conta de que podia estar atrapalhando, mesmo sem a intenção de incomodar. Um dia entendi: naquele momento alguém precisava dormir para encarar, logo depois, o trabalho noturno; doentes repousavam; criaturas queriam, simplesmente, assistir a um filme sem perturbações. Dei-me conta, assim, da existência do outro – ele já não me era mais completamente indiferente. (Adriane Lorenzon)



sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Da infância e outras escolas


(Arte em feltro: autoria desconhecida)

Toda criança antes de frequentar o colégio arquiteta sonhos e os fantasia sobre o que poderá ser o universo mágico da porta para dentro do estabelecimento de ensino. Comigo não foi diferente. Primeiro dia de aula no Jardim de Infância: acanhada e emocionada, sento-me numa cadeirinha verde-clara, apoiada na mesa própria de criança. De repente, quebro um giz. Ai, que susto! Choro baixinho. Meu irmão Alsério, que me acompanha, explica que isso é passível de acontecer. Era o primeiro de muitos medos escolares.

Já com seis anos, no Pré, conquistei autonomia. A professora era uma boa-vida. Adorava ficar lá na classe dela. Não sei fazendo o quê. Ela era legal e não havia atritos – só bastante independência de ambas as partes. Sem possuir parafernálias eletrônicas, muitas vezes fiquei sozinha, aproveitando até o último minuto da aula para ouvir uns disquinhos coloridos de vinil com histórias infantis – Os três porquinhos, João e Maria, Cinderela.

Nos dias em que éramos liberados antes do sinal, aguardava meu pai Pedro terminar a aula (ele era professor dos alunos maiores) para sairmos juntos. Talvez por timidez, eu não pedia licença à professora para ir ao banheiro e, seguidamente, fazia xixi nas calças. Assim, quando chegava à sala de meu pai, para esperá-lo, estava morta de vergonha. Aguardava o toque da sineta, quietinha, ao lado do quadro de giz, sempre de costas para a parede – a mancha úmida estava lá, bem evidente.

Nos dias de chuva, os professores reuniam os poucos gatos-pingados de cada turma numa só sala. Era pura diversão. Aprendíamos coisas diferentes das lições da nossa segunda série e víamos que os da quarta nem eram os bambambãs. Um dia caiu o mundo em Tenente Portela. Ninguém falou: “Que é isso, filha, não vá à escola!”. Sempre fomos motivados a estudar. E fui. Quando cheguei, feliz da vida por estar vivendo aquela aventura, uma professora joga um balde de água fria: “Por que você veio”? Ai, ai! Professor para nos castrar não falta!

Segunda-feira era dia de atividade cívica. No fim da tarde, a diretora, inspirada nos quartéis, para acalmar os mais levados antes de cantar o Hino à Bandeira, falava em tom severo: “Enquanto estivermos cantando o hino, devemos ficar paralisados, mesmo se uma cobra estiver picando a nossa perna”. E eu ficava lá, cantando e imaginando uma serpente gigantesca dando o bote com aquela bocarra. “Salve, lindo pendão da esperança, salve, símbolo augusto do paz! Tua nobre presença à lembrança, a grandeza da pátria nos traz”...

Um desastre ocorreu quando usei um cocar no dia do Índio. Em casa, tínhamos uma pena de arara vermelha – perfeita para meu intento de representar uma kaingang. Na hora do recreio, um menino passou por mim e tentou arrancá-la, partindo-a. Inconsolável, contei à professora que “cuidava” das crianças no horário. Ela acabou comigo: “Ah, isso passa, não faz mal, não”. Ora, pensei, a pena voltaria ao estado natural? Afinal, a questão era essa. Como aconteceria tal milagre? Então, chorei de raiva por ser subestimada na inteligência.

Sempre gostei de artes, esportes, literatura e línguas. Pensa que alguém observou isso? Qual nada! Só matemática valia. Nela, meu boletim recebeu, pela primeira vez, uma cor diferente da azul. Gostava também de história, mas não entendia aquilo que acontecia sempre na vida dos outros. A história do Brasil, por exemplo, nunca era a minha. Apesar de tudo, eu curtia mesmo as aulas de técnicas domésticas porque aprendíamos a fazer quitutes diferentes dos conhecidos pratos de casa. Geleia de bergamota, quadradinhos de amendoim, croquetes de cenoura...

De modo geral, tinha colegas muito queridos. Claro, preferia os colegas-amigos. Alguns sumiram no horizonte. Com outros, troco ideias até hoje. Seres pueris visitando o futuro. Lindo de se ver. Em breve, vamos organizar um encontro para relembrarmos impressões, aulas, professores, momentos. Com certeza vamos chorar... de rir. Quem sabe façamos uma peça teatral, um joguinho de caçador, uma receitinha rápida. Tudo para voltarmos um pouco à tenra e pura fase da vida – triste, alegre, rica, pobre: simplesmente a nossa infância. (Adriane Lorenzon) 

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Chazinho de banco

(Arte: autoria desconhecida)

Jogue a primeira pedra quem nunca se atrasou para um compromisso. Claro. Eu, você, todo mundo é falível e pode sofrer imprevisto. Agora, não dar satisfação ou fazer do atraso uma constante, aí a coisa muda de figura e se torna irresponsabilidade. É chamar, simbolicamente, aquele que nos espera, de idiota. Desse modo, um atrasadinho de plantão pisa na bola quando desrespeita alguém com silêncio mortal – leia-se não dá honesta explicação – ou simplesmente chega atrasado e tira alguma “piada” da cartola mágica de desculpas.


Tais pessoas são incômodas em qualquer lugar. A justificativa flui como se fosse algo cristalizado no vivente: o trânsito, um acidente, o engarrafamento; impressora quebrou, papel atolou; a empregada faltou, o carro falhou, o despertador não despertou. Ora, os impontuais devem um pedido de desculpas, caramba! Faz parte da etiqueta dos relacionamentos sociais. Custa pouco telefonar avisando o atraso e, principalmente, verificando se, do outro lado da linha, há disposição em aguardar o tempo estimado do atraso. Simples, assim!

Pesquisas informais apontam o serviço público como o campeão na demora para o início das audiências. Algumas vezes, 20, 30 minutos. Outras, a secretária vem toda sem graça pedir para remarcar a reunião ou com a cara de pau e antipática gerada a partir do mau hábito do chefe. Veja a quantidade de médicos atrasados para consultas em clínicas particulares e hospitais. O interessante para um estudo social é que para algumas pessoas isso é tão intrínseco ao próprio modo de ser que ela não consegue analisar que se a sua falta de pontualidade prejudica alguém, deve se corrigir.

Esta história me deixou boquiaberta: um colega me renderia na escala de trabalho em uma emissora pública, num sábado, na hora do almoço. Chegou em silêncio, tendo passado 35 minutos. Não falou comigo, não me disse olá nem pediu desculpas. Num misto de chateação e autocontrole, perguntei o que havia acontecido e, ele, surpreendido e bravo diz : “Nada. Por quê”? Meses depois, eu começava a entender: esse rapazote, quando sugeri algo, em diferente situação, para melhorar a nossa atividade, perguntou: “Pra quê? Pra dar mais trabalho pra gente”? É que mudanças envolvem sair do platô do comodismo.

Outro colega marcava saída para externas de gravação às cinco ou seis da matina. Ficávamos lá, a equipe, esperando. Duas ou três horas depois, o moço aproximava-se correndo e sacando a velha lenga-lenga esfarrapada. No mesmo período, um namorado me ensinou que “tô chegando” significa “tô-saindo-de-casa-agora-ou-de-qualquer-outro-lugar-em-que-estiver-menos-chegando-efetivamente-ao-local-combinado”. Como fiquei atenta à expressão, atualmente, quando a escuto de alguém, procuro averiguar logo se se trata de mero vício para ganhar tempo. Ninguém gosta de ser embromado, certo?

Bem antes disso, eu era uma jovem estudante de pedagogia envolvida no movimento estudantil. Trabalhava como locutora folguista – só Deus sabe a loucura que são os horários – e morava a 40 km do campus. Na época, para estudar, viajava de carona. Quando planejávamos reunião no Diretório Central de Estudantes – DCE, procurava me antecipar devido à incerteza da estrada; e lá estava, sozinha, pontualmente, na hora acordada. Enquanto esperava os retardatários locais, pensava: “Que contradição”! A prioridade não atendia mais aos meus princípios...

Tem gente de todo tipo. Os que não retornam e-mail acusando recebimento da correspondência, não se desculpam pelo atraso e lidam com certa tranquilidade nesse caos. Observe, porém: ir atrasado ao trabalho com o cabelo pingando, estudar para a prova em cima da hora ou deixar de tomar café da manhã porque acordou tarde, isso é problema – se for um problema – dos atrasadinhos; contanto que cheguem aos compromissos na hora determinada e não atrapalhem a vida alheia.

Ouvir um aparato quase bélico de muletas justificadoras é uma encheção, como diriam os adolescentes. Repetir que o brasileiro deixa tudo para a última hora é papo para boi dormir. Se você quiser fazer parte da maioria, fique à vontade, é cômodo. Contudo, deixar de carregar o saco pesado de decoradas cantilenas que ninguém aguenta pode ser uma opção para deixar o ambiente leve. Porque pode ter certeza: a imagem dos atrasadinhos no ambiente de trabalho ou por onde oferecem chazinhos de banco, não deve ser das mais agradáveis. (Adriane Lorenzon)

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Novidades


Amigos queridos visitantes do Driloren Para Maiores!

Tenho realizado diversas palestras por esse Brasilzão e, em breve, estarei postando fotos dessas viagens.

Aliás, vou aproveitar para postar fotos das minhas viagens a trabalho e das viagens planejadas ou não que faço sempre que me proponho a conhecer coisas novas, geografias e animais, culturas diferentes, pessoas incríveis dispostas a me mostrar algo mais da vida.

Aguardem!
Driloren

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Regulando para democratizar


(Arte: autoria desconhecida)

Um dos temas mais comentados nos últimos tempos no ambiente das comunicações e dos movimentos sociais que batalham por ampliar o acesso à informação é o marco regulatório. Entenda o caso: o rádio e a tevê no Brasil são concessões públicas e, portanto, a Constituição Federal estabelece princípios e regras a serem respeitados pelos veículos. Porém, na prática, isso não acontece e, claro, os donos das empresas de comunicação estão atentos para que a coisa fique como está, evitando perda financeira, política, e poder. Sociedade, governo e empresários concordam apenas que é preciso regulamentar o setor em razão do agrupamento das mídias, a chamada convergência digital.

No entanto, quais são os norteamentos deixados de lado pelas “sonsas” emissoras? Por exemplo: a programação deve ser regionalizada; é proibido constituir monopólio ou oligopólio; os conteúdos veiculados, ou seja, as músicas, as notícias, entrevistas, precisam ser culturais, educativos e informativos; é vedada qualquer censura política, ideológica e artística; respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Tudo está lá nos artigos 220 a 224 da “nossa” Constituição “cidadã”. Um texto primoroso!

Logo, o que são um conglomerado como a rede Globo e os “pequenos” empreendimentos regionais senão monopólio/oligopólio? De onde são os sotaques mais identificados nos canais? Desde quando uma música como Fugidinha de Thiaguinho e Rodriguinho, cantada pelo próprio Exalta Samba e por Michel Teló, estimulando a sexualidade precoce em crianças e inconsequente em adultos, possui teor educativo? Quando foi divulgado que o pesticida de uma propaganda é perigoso à saúde? Ah, quando, caro leitor, sua opinião foi verdadeiramente importante e levada ao ar?

Mas por que precisamos de um marco regulatório se a Carta Magna é a lei maior? Ocorre que ela não é cumprida porque depende, basicamente, de leis específicas. E as normas já existentes, como o Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962, estão ultrapassadíssimas. Afinal, as tecnologias e a sociedade mudaram muito nas últimas décadas. Daí a resolução principal da primeira Conferência Nacional de Comunicação (2009) ser a regulamentação do setor para fomentar a pluralidade e a liberdade de expressão junto a outros públicos da sociedade, não só radiodifusores e seus asseclas.

Sendo assim, o marco regulatório nada mais é que uma lei geral para organizar a bagunça no território dominado pelos donos da mídia. Empresários espertos e jornalistas rasos, sabendo que o Brasil tem um calinho chamado ditadura militar, afirmam: a medida pode estimular a censura. Ora, o argumento das entidades sociais e de subdivisões do governo é justamente o de promover a democracia a partir da regulamentação. Usar a censura como instrumental de luta é pensamento obtuso para desqualificar o debate.

Nesse sentido, o governo federal vem discutindo interna e lentamente tal necessidade e os movimentos sociais criaram uma plataforma para a população opinar sobre o tema. Até sete de outubro qualquer cidadão poderá contribuir com sua opinião. Veja. Não haverá compra de votos, não é obrigatório votar, ninguém será beneficiado com um cargo no governo. Entretanto, a participação popular é de suma importância para a “saúde” de quem se diz ouvinte, usuário ou telespectador.

Provocaçãozinha: você vive reclamando que a tevê está uma porcaria, as crianças não deveriam assistir a certas produções, o rádio só fala o que o dono quer, a mulher é usada como objeto sexual nas propagandas? Apois, intonce. Vamos fazer alguma coisa? Depois não adianta reclamar e dizer que a Globo isso, o Edir Macedo aquilo. Apontar falhas é mais fácil – aliás, mania de muitos conhecidos nossos, não é mesmo? Reclamar é bem menos incômodo do que se engajar.

Acesse www.comunicacaodemocratica.org.br e ajude a construir um modelo de comunicação mais plural, democrático e livre. Isto é, opiniões advindas das diversas correntes e grupos do país, independentemente de região, classe, credo, orientação sexual, partido político, gênero, etnia. Das ideias ali postadas surgirá um documento da sociedade a ser entregue ao governo até o fim de 2011 e, no Dia Mundial da Democratização da Mídia, 18 de outubro, estará disponível no portal. Observe. A democratização do acesso à comunicação e à informação é uma nação falar suas várias vozes e a gente en-ten-dê-las. Não basta ouvi-las. (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Aprendendo a administrar


(Arte: autoria desconhecida)

Como gerenciar hoje em dia o uso do dinheiro pelas crianças? Na minha infância, o “não tem dinheiro, não tem o brinquedo desejado”, significava “não tem e ponto”. Não havia outra alternativa, nem jogar-se no chão da loja fazendo birra, muito menos botar o dedo na cara da mãe afirmando que ela ia, sim, comprar tal objeto porque eu estava mandando. Depois de refletir por alguns instantes, cheguei a uma perguntinha espinhosa: por que atualmente “não tem” significa uma infinidade de opções? Vamos pensar juntos?

Especialistas asseguram: educação financeira é fundamental desde cedo. Portanto, se a tarefa dos pais é educar e, o exemplo, a melhor metodologia, deve-se expor aos pimpolhos a importância de destinar os recursos disponíveis ao necessário – o supérfluo tratar-se-á com delicadeza. Ensinar a administração do dinheiro é mais que obrigação dos genitores, é responsabilidade. É mostrar à criança como se cuida das contas. Uma boa opção é promover uma reunião mensal, em família, com a pauta orçamento – discriminando receitas e despesas. Todos aprendendo a planejar.

Provoque a atenção de seu filho para bens caros e baratos. Isso o chama à racionalidade na hora de usar a grana. Ela não cai de árvore e tem um custo para que surja na conta bancária dos pais. Outra coisa: não dê presentes o tempo todo ao filho. Deixe para datas especiais e explique que está dando o mimo porque tem um emprego digno, pois batalha para conquistar melhor condição de vida para si e sua família. Evitar desperdícios, controlar os impulsos de consumo também é educação financeira.

Mas, afinal, como dar o exemplo? Responda rapidamente. Das últimas compras feitas, quantas eram, efetivamente, necessárias? Havia artigos dispensáveis? Arrependeu-se de quantos? Seu comportamento educa, não tenha dúvida. Daí presenciarmos cenas desastrosas em ambientes públicos de filhos impondo ordens aos pais. Os filhotes só estão repetindo o que aprenderam. O economista João Batista Sundfeld afirma que “se a mãe ou o pai são descontrolados, esse é o modelo que a criança vai copiar”.

O assunto mesada é um dos mais polêmicos. Pesquisas apontam: crianças que a recebem gastam rapidamente toda a quantia – o que ocorre com muitos adultos conhecidos nossos!
Segundo o consultor financeiro e escritor, Gustavo Cerbasi, “dar mesada ou semanada de qualquer valor sem controlar os gastos da criança é jogar dinheiro no lixo”. Pais e crianças precisam entender: “Mesada não é um dinheiro da criança. É um dinheiro da família que ela ganha o direito de administrar”, afirma.

Ensine-o, desde pititico, que a mesada será dividida em três partes: para gastar, poupar e doar. Nos gastos e investimentos, objetividade: não subestime a criança – ela entende bem as lições, apesar da pouca idade. Diga: filho, agora não é hora de comprar; os itens que vamos adquirir são estes (peça ajuda a ele para que cheque se o objetivo foi cumprido); o orçamento que temos é este (esclareça as consequências para quem gasta mais do que arrecada). Criança é ótima para aprender, sabia? Fale sempre amorosamente, mas firme.

E a poupança? Bem, poupar tem aspectos positivos. É o caso de economizar para um curso superior no futuro. Contudo, lidar com o dinheiro vai muito além de gastar hoje e poupar para o amanhã. É preciso educar para a generosidade. Ensine a criança que uma terceira parcela deve ser doada para alguém que precisa. Para tanto, reduza aquisições ao necessário, incentive e realize ações de desapego e caridade, evite ambientes que incitam o consumo. A indústria investe pesado em publicidade para crianças desejarem até o que não gostam muito.

Educação financeira se faz “com conversas de dia a dia”, salienta Gustavo Cerbasi. Muitos pais se eximem do papel de educadores por medo, incompetência ou desatenção. Saia da zona de conforto enquanto seu filho está com o terreno fértil para receber o plantio! Talvez seja mais fácil mesmo desembolsar a soma exata para atender à chantagem emocional do filho cuti-cuti. Entretanto, que adultos somos e que adultos queremos que nossas crianças sejam? “É da natureza da criança insistir, e é função paterna impor limites”, orienta a consultora Cássia D’Aquino. (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Crônica de uma dor anunciada


Sócrates em sua melhor forma.
(Foto: autoria desconhecida - Getty Images)

Ninguém esperava, ninguém desejava, mas aconteceu. O ex-jogador de futebol e comentarista esportivo Sócrates foi parar no hospital. Ao lado dele, médicos e a esposa dedicada deram-lhe o suporte necessário. Sobreviveu. Sócrates aprendeu tanta coisa na faculdade de medicina, deve ter visto tanto exemplo nesse mundo – do alto dos 57 anos de vida – e, mesmo assim, precisou trilhar o caminho da dor para aprender algo que o fizesse modificar hábitos. Logo o “doutor” Sócrates, como é chamado.

Depois de nove dias internado, concedeu entrevista coletiva em São Paulo, confessando ser alcoolista. Quem usa álcool cotidianamente é alcoólatra”, afirma. Em seguida, contou sua história no programa Fantástico da tevê Globo. Uma revelação surpreendente para muitos. Entretanto, para quem já se ligou que a vida é muito mais que um passeio, levou as declarações do famoso ex-jogador como “naturais” do processo de quem busca a dor – conscientemente – como opção de vida. Uma pena, certo?

Com um ponto cirrótico em região hipersensível do fígado, precisou se submeter a procedimentos terapêuticos para estancar uma hemorragia digestiva decorrente da doença. Pode-se afirmar que o fígado adoeceu, em parte, pela própria vontade do agora enfermo. O quê? Sim, observe. O eterno craque do futebol afirmou ser dependente do álcool “quando queria” e, se bebia, constantemente, o fez de modo forçado, obrigado por alguém? Isso lhe é familiar, caro leitor? Desde quando ouvimos falar em livre arbítrio, lei da causa e efeito ou da ação e reação, e ainda, da importância de responder por nossos atos?

Veja bem. Eu sei que estou pegando pesado, como se diz por aí. Porém, uso o exemplo de Sócrates – tornado público por ele – para chamar à atenção um assunto gravíssimo que permeia nossa sociedade e insistimos não ver. O ídolo observa que não poderá beber nem fumar para poder auxiliar na eficácia do tratamento. Sem esquecer-se da dieta rigorosa e dos exames frequentes. A “abstinência vai ser total daqui para frente, para que meu fígado reúna condições de se equilibrar totalmente e que não dê mais problemas”, comenta. 

Sócrates tem noção de que renasceu. “Eu não vou beber porque eu quero que meu fígado esteja bom para que eu possa usar bem a nova vida que eu ganhei. Ganhei outra vida e vou ter que saber usar”, sentencia. Bingo! A gente deveria entender isso sem precisar passar pelo caminho da dor – todavia, ela é generosa e nos ensina tanto em pouco tempo. Esperançoso e com vontade de viver, Sócrates fala de sua experiência: “É nessas horas que a gente cresce. Saio muito mais forte, muito maior e com muito mais compromissos e responsabilidades que eu tinha antes”.

Mal comemorou a alta hospitalar, o ex-meio-campista das copas de 1982 e 86 voltou a ser internado para intervenção medicamentosa e endoscópica na segunda hemorragia digestiva – consequência danosa no organismo dessa doença que muita gente pensa que é coisa da família do vizinho: a dependência de álcool. E, segundo a mulher dele, Kátia Bagnarelli, a notícia não é boa. Se em seis meses o fígado não responder positivamente, a hipótese da substituição do órgão será considerada. “Hoje ele não pode fazer, mas a cura para a doença (...) seria o transplante”, afirma.

Começaria, então, uma emocionante fase. Não sem um misto de esperança e ansiedade. Se tiver de transplantar o fígado, a fila é enorme – são cinco mil pessoas em todo o país aguardando para receber outro órgão. O ex-atleta terá de exercitar a paciência. Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia, Raymuno Paraná, a ordem de prioridade é determinada pela gravidade de cada caso. “O Brasil tem um dos programas de transplantes do mundo mais sérios. Ele é nacional, não há prioridades. A prioridade é ditada pelo quadro clínico do paciente”, conclui o médico categórico. Além do mais, não há como furar a fila.

É claro: não falta torcida para o ídolo do futebol brasileiro se recuperar logo. Amigos, também ex-jogadores, enviaram recados, como Biro-biro e Zenon. A mensagem de Wladimir foi a mais contundente: “Você fica negligenciando a sua saúde e esquece que é referência para muita gente no país inteiro, no mundo inteiro. Vamos cobrar isso de você, boa sorte”! Palavras sábias do ex-lateral esquerdo; talvez, sirvam muito mais a mim e a você, do que ao próprio doente. O amigo Casagrande, completa, em tom de brincadeira: “Agora é só aguinha tônica, água sem gás. Nós dois sentadinhos, batendo papo, tomando água”.  E eu pergunto: quer coisa melhor? (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O mal e a inteligência


(Foto: autoria desconhecida)

Lá se vai uma década do maior atentado terrorista de que se tem notícia no Ocidente. Um plano “perfeito”, gestado aos poucos, sem pressa, mostrando a competência da humanidade quando seu desejo íntimo é usar a inteligência a serviço do mal; sua alma se satisfaz com o egoísmo; quando o duelo é prioridade e, o diálogo, coisa de um futuro distante; ensinamos e vivenciamos a guerra dentro de nossas casas; quando somos intolerantes com o diferente e o desconhecido – logo nós, eu e você, que fomos criados tão bem, dentro de elevadíssimos princípios éticos.

Alguém poderia pensar: o evento ao World Trade Center é um caso isolado, pois Bin Laden sempre teve bens materiais disponíveis e associou-se desde a Guerra Fria aos Estados Unidos. Criou-se, então, a cobra. Será? E a obscura Idade Média com a elite religiosa matando em nome de Deus? Mil anos devastando a inteligência que poderia criar, esclarecer, consolar! Falando nisso, e o extermínio de indígenas em nosso território? E a perseguição e carnificina de ciganos, judeus, homossexuais, testemunhas de Jeová, doentes mentais, eslavos, deficientes físicos da longa lista dos enjeitados de Hitler?

O passado não serve para o remoermos, porém é útil para nos aperfeiçoarmos, empregando a inteligência em favor de todos. Entretanto, teimosos, preferimos atrasar tudo. Os tempos bárbaros, nesse sentido, vão longe e muito evoluímos enquanto trajetória humana, em especial, nos quesitos tecnológicos e intelectuais. E os morais? A propósito, essa melhoria só ocorre quando não impomos condições adversativas à sociabilidade respeitosa e mantemos o bom ânimo para não estagnar. Vejamos alguns casos de como a inteligência é utilizada para o mal, para a obtenção de “vitórias” pessoais – num intenso exercício de vaidade e ambição. É o mau direcionamento da inteligência desviando condutas, caracteres, famílias...

Fernandinho Beira-mar: um homem com o corpo preso; a cabeça, não. De dentro das cadeias, fatura, por mês, cerca de um milhão e meio de reais comandando exércitos obstinados a alimentar o mal – este, arquitetado, diga-se de passagem, ao longo de desestruturadas vivências familiares. Estudiosos afirmam: o menino Luiz Fernando da Costa, criança de alta habilidade (superdotada), recebeu os estímulos que precisava em tenra idade no específico do que é hoje. Possivelmente, tinha um “talento especial” que foi valorizado ao revés. Daí a importância de pais e educadores incentivarem crianças, de todas as classes sociais, para o positivo: amor, compreensão, respeito, disciplina, tolerância, afabilidade.

Ah, e a corrupção!? Essa erva daninha de raízes profundas em solo tupiniquim nascidas, sob um aspecto, antes da invasão, quando Portugal dominava países africanos e o Brasil, de fato e de direito, não fora cartografado. Basta ler a obra de Sérgio Buarque de Hollanda, Raízes do Brasil. Homens corruptos sempre existiram. Está certo: em algum momento, mulheres, apesar de sua sensibilidade aguçada para ver além, igualmente se converteram à prática ignóbil e perversa de enganar o outro. Há poucos dias, no plenário da Câmara dos Deputados, a jovem parlamentar Jaqueline Roriz justificava o pesado maço de R$ 50 mil – recebido nas coxias da política brasileira – com argumentos ofensivos a qualquer cidadão honesto: “Em 2006, eu era uma cidadã comum”.

Diz-se que Alberto Santos Dumont ao saber do aproveitamento funesto de seu maior invento, o avião, na Guerra Mundial de 1914 a 1918 e, depois, com o mesmo fim bélico, na Revolução Constitucionalista de 1932, sentiu profunda tristeza. Santos Dumont já estava doente com a esclerose múltipla e uma depressão profunda, vindo a piorar com a constatação do uso de sua “cria” mais engenhosa. Ele acreditava que o avião deveria servir para unir as pessoas, como meio de transporte e, por que não, de lazer, como (...) havia demonstrado, ao deslocar-se em suas aeronaves em Paris para assistir à ópera ou visitar amigos”, afirma Luciano Camargo Martins da Universidade do Estado de Santa Catarina.

Amigo leitor, observe. O mal está em todo lugar pela omissão dos fracos, também conhecidos como bons, que dizem não fazer o mal. Aliás, o mal seria o resultado da ignorância? O bem “é” – o mal foi inventado por quem, será? Paradoxal, meu caro Watson. Seres inteligentes... os únicos do Planeta! Enquanto não enxergarmos o tanto de bem que existe em nós e o quanto dele se expandirá ao atingir o outro sobremaneira, permaneceremos em castelos de areia, iludidos com a felicidade gerada por sensações vãs e polêmicas vazias – de braços cruzados, dizendo com imponência: “eu” não faço o mal, “eu” sou uma pessoa do bem. (Adriane Lorenzon)