sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Tudo bem e ponto

Seguidamente sou cumprimentada por um seco “tudo bem”. Assim mesmo, sem uma interrogação. Sai direto, objetivo, talvez para não dar tempo à interlocutora exercer o seu papel. Ora, também não é de hoje que poucos com quem convivemos querem realmente saber como está a vida fora da circunferência de seus umbigos. E não me venha com a desculpa, ou melhor, muleta, de que o tempo anda curto.

Faço sempre alguns testes, principalmente para exercitar minha tolerância. Confesso que não é fácil. No comércio, é hilário. Eu digo um bom dia esfuziante. A vendedora solta um ressequido tudo bem. Insisto: “Bom dia”!? – já com um quê de pergunta. Sentindo-se obrigada, devolve um bom dia murcho.

O texto segue e quando estou quase desistindo da compra respondo, agora sim, ao aborrecido tudo bem da moça: “Tudo bem! E você?”. Aí a coisa desanda, começa tudo de novo. Essa abordagem não é esperada. Provavelmente a habitual clientela é também, assim, meio morna. Então insiste: “Posso ajudar”? Penso em gritar, usar um megafone e dizer espera, antes me responda, por favor, isso é um diálogo. Então, freando meus instintos mais baixos de impaciência, persevero: “Eu vou bem, e você”? Só aí parece haver um entendimento de que há uma deixa para ela completar.

E os casos em que o vendedor simplesmente não responde ao meu bom dia? Só vai fazê-lo na terceira vez do cumprimento junto a um sorriso amarelo. Aí eu digo: “Ah, que bom que você respondeu. Eu precisava disso para meu dia ficar melhor”. O atendente é o cartão de visitas de uma empresa; é quem recebe o público, facilitando ou não a volta do cliente. Das poucas vezes em que fui tratada com gentileza, nesses casos, saí propagandeando que o atendimento na loja em questão era de primeira.

Nas ruas não é diferente. Se encontramos alguém que nos conhece e o indivíduo solta um tudo bem sem nenhuma interrogaçãozinha, eu saco minha enquete: “Tudo bem! E você?”. Geralmente fico sem resposta porque a pessoa já vai longe e está pouco se lixando sobre a minha vida.

Mas de onde vem tal frieza? Um mais bem-humorado, usando a linguagem da ironia, pode dizer que essa falta de ânimo nas conversações é resultado da baixa frequência nas aulas de língua portuguesa. Não aprendeu a pontuar e, por assim dizer, diferenciar uma frase exclamativa de outra qualquer. Brincadeiras à parte; e você, sai por aí destilando seu tudo bem e ponto?

Há quem pense que isso é bobagem e que agora tudo é a jato. Vai-se ao que interessa; o resto é trocado, balela, dispensável. Perderam-se as práticas de boa convivência de outra época. Entretanto, importar-se com o outro é medicação de uso contínuo, de todo o sempre. Os criativos adolescentes, por exemplo, reinventaram o “oi, tudo bem?” e passaram a usar o “e aí, beleza?”. Nem por isso deixaram de se interessar por quem lhes é caro.

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

Ana Carolina e Zizi Possi || Ruas de Outono


Ruas de Outono é uma composição da mineira Ana Carolina
e do gaúcho Antonio Villeroy (lê-se Vilerroá).
Participação de umas das melhores cantoras brasileiras
de todos os tempos: a diva Zizi Possi.

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

Invejinha branca

Que história é essa de colocar no diminutivo a palavra inveja para amenizar o efeito do significado que é todo sustentado na cobiça por algo que não nos pertence ou que não somos? Pior ainda: junta-se o adjetivo branca para justificar que se fosse negra seria, por assim dizer, uma inveja inveja? Alguém me explica isso, por favor?

Ai, ai, ai, ai, ai, como diria minha amiga Rita. Tem caroço nesse angu. Vamos colocar uma lupa e dar uma analisadinha básica nessa expressão dita por tantos ao nosso redor com a maior tranquilidade sem pestanejar nem perceber que estão contidas ali cargas e cargas de equívocos.

Ora, só quando o ser humano admite a si mesmo suas fraquezas, limites e alcances é que consegue avançar rumo a outros mares dimensionais. Ao afirmar que tal funesto sentimento é pequenino e de cor branca, a inveja então nos parece algo ameno, leve, sem o tanto de maldade que o vocábulo no grau normal carrega.

É comum observarmos que além da inveja existe a admiração. Também há casos em que a inveja é o mesmo que desgosto com o sucesso alheio. Mas é preciso diferenciar a admiração saudável da doentia cobiça. Admiração tem a ver com deleite, prazer, respeito, apreço. Inveja com coisas nada benfazejas; não por acaso, escolhida pelo catolicismo como um dos sete pecados capitais.

Mas como encontrar equilíbrio? Se você deseja imensamente ter um carro que um conhecido já possui, esse não é o problema. Muito menos se admira um feito de alguém ou deseja um novo brinquedinho tecnológico. O quiproquó ganha dimensão quando esse bem material passa a ser a razão da sua vida, o motivo da insônia ou do seu olhar torto para quem já possui o tão almejado objeto de desejo. Logo essa confusão interior vai ganhando força, tomando proporções em que só angústia e tristeza têm sentido.

Um colega me disse, em certa ocasião, que havia quem sentisse inveja de mim no ambiente de trabalho. Argumentei negativamente, pois eu não ocupava nenhum cargo de status elevado nem mesmo o salário era substancial para alguém almejá-lo. Então, olhou no fundo de meus olhos e disse: “E seu sorriso, quem é que tem”?

Como um ácido corrosivo, a inveja anda sorrateira dentro de nós e por isso é preciso instalar armadilhas para capturá-la. Ela é irmã siamesa do orgulho, é esperta e se alimenta de olhares que insistem em não mergulhar fundo na alma humana. Às vezes, se traveste de borboleta e voa leve na aparência. Mas há fantasias que não lhe servem; sobram pedaços de pano sem cor, cheios de podridão e azedume. É fácil reconhecê-la.

A inveja, o orgulho e o egoísmo devem ser extirpados da Terra. Sem esse trio da pesada, cada ente que compõe o mundo poderá contribuir muito mais para a paz, a justiça, a decência e o surgimento de cidadãos planetários com noção consciente do que estão fazendo aqui.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

Posse responsável

Meu namoro com os cães é de pouco tempo atrás e nasceu bem devagarinho, sem forçar a amizade. Assim como eu faço com os gatos, deixei a coisa acontecer. Está certo que alguns cachorros não querem nem saber e vão logo lambendo, pulando, sujando ou puxando fio da roupa da gente. Mesmo assim, foi surgindo um amor diferente por Canis lupus familiaris que eu não esperava. Afinal, sempre fui uma gateira confessa.

Os verões já não são os mesmos. Sempre há um cachorro perdido que eu não resisto em parar para conversar, dar atenção e carinho. Faz um bem danado para as almas dos dois seres ali em comunhão. E isso tem ocorrido com certa frequência em Florianópolis, na medida em que minhas temporadas de férias têm sido na ilha de Santa Catarina.

Num desses veraneios percebi que havia um grande número de cachorros soltos pela praia – sem acompanhamento de mão humana. De mais a mais, não eram cães sarnentos, magrinhos, desnutridos, velhos. O que para algumas mentes sórdidas poderia justificar o abandono. Tratava-se de bichos de raça, ou mesmo vira-latas, mas todos com aspecto físico saudável.

Comecei então a investigar, a perguntar aos nativos o porquê desses animais estarem sozinhos, perdidos. Aliás, os pobrezinhos corriam de um lado a outro, tontos de tanto procurar um não sei quê de dono, qualquer rosto conhecido. Como resposta, descobri que muitos turistas presenteiam sua prole com filhotes caninos. Só que esses fofuchos crescem e se tornam um incômodo para famílias sem noção de posse responsável. E porque já são grandes, ocupam mais espaço e fazem mais bagunça do que se esperava. No verão seguinte, são deixados soltos, vagando pelas praias. Não é assim com tartaruguinhas compradas para compor aquários? Um dia crescem e já não cabem mais nos pequenos caprichos de vidro.  

Os maus-tratos especificamente a cachorros não são privilégio no Sul do país. Lembro-me de um feriadão em Búzios que junto a amigos fui a uma praia linda, dessas de cartão-postal, de mar azul, azul. Com céu nublado, vento e sem muito calor, pouca gente se animou em sair de casa. Minha porção generosa de observação detectou ao longe um pequeno cachorro que corria do mar em direção à areia, repetidamente. Aquilo me incomodou. Resolvi assuntar.

Aproximei-me devagar para ganhar tempo, verificar o que de fato ocorria e, se preciso fosse, inventar algo para salvar o animalzinho. Um homem e umas três crianças “brincavam” de levar um poodle para dentro do mar. Quando o soltavam, em meio a um quase afogamento, tremendo de frio, corria para longe do cenário de tortura. Pensei, pensei, pensei. Meu Deus, preciso fazer alguma coisa! Como havia uma mulher fora da água e parecia ser a mãe dessas crianças, concluí que ela poderia ser meu canal de acesso ao cão. Apelei para os sentimentos femininos.

Não deu outra. Bingo! Respirei fundo e com a maior cara de pau inventei um personagem de médica-veterinária. Disse-lhe que o poodle poderia pegar uma pneumonia ou mesmo vir a óbito se a prática continuasse. [Perdoem-me os veterinários, foi o que me ocorreu no momento!] Confessou-me que já havia pedido mas a família não a escutara. Então sugeri que tornasse a falar – eu estaria por perto para qualquer necessidade. E fui andando de volta. De repente, olhei para trás e minha alegria e alívio foram imediatos. Vi a família saindo da praia com o cachorrinho enrolado numa toalha. Pensei: valeu o dia!