sexta-feira, 24 de junho de 2011

Minimanual para derrotar o orgulho

(arte: autoria desconhecida)


O ano de 2010 terminou com a necessidade premente de uma nova palavra em meu vocabulário: reinvenção. Reinventar a vida, a sobrevivência, a coragem, a alegria e a vontade de seguir com bom ânimo. Confesso: para quem sempre teve a renovação como lema não deveria ser tão difícil. Mas, é. Sair debaixo das cinzas qual Fênix, chacoalhar as asas, arrancar o voo com toda a potência e renascer é tarefa que exige valentia hercúlea.

Esse vocábulo cobrando, crescendo, se impondo em mim foi o anfitrião de 2011. Não havia como fugir, tudo exigindo o inventareinventar constante. Então, no sexto mês surgiu outro termo. Aliás, pacote completo: exterminar o orgulho – tendo o cuidado de verificar a cada dia se sobrou algo, porque de qualquer maneira sobra, e destruir mais um pouquinho, por precaução. Esmagá-lo bem, no cantinho da sala, no quarto escuro, nos eventos sociais, na escola, no escritório...

Isso veio à tona quando, depois de esperar por muito tempo para conseguir um exemplar de obra que havia revisado e editado, constatei a falta do crédito no expediente. Essa contrapartida acertada com a coordenação de produção do material não fora cumprida. Um livro bem feito, sofisticado e de conteúdo nobre. Revisei e devolvi o combinado. Todavia, aceitaram um presente: ofereci de graça e com alegria a edição de texto, melhorando períodos, frases, orações.

Ao abrir a obra e buscar a ficha técnica, tcharan, surpresinha, a revisora era outra. Confabulei rapidamente com meus botões: “Que sacanagem e falta de respeito”! Engoli seco e refleti. Em cinco minutos entendi a lição: aproveitar a circunstância para testar e desmascarar a própria soberba. É claro: tenho o direito de ter o nome citado na atividade realizada com tamanho gosto. Sobre essa desconsideração, não há dúvida, reconhecer a tarefa executada é um dever da instituição contratante. Afinal, algo deve ter acontecido para justificar indelicada conduta.

E nessa percepção doída do orgulho sendo cutucado pela fome – pois ele só se alimenta de comidas temperadas com vaidade e neste caso o prato estava insosso – lembrei-me de um curso que estou fazendo em área de minha competência para ampliar os conhecimentos e trocar experiências. Habitualmente espontânea, tenho evitado ser voluntária nas atividades propostas. Ao me manifestar, poucas vezes, a instrutora interrompeu-me bruscamente para discordar. A agressividade resvalava da vivente.

Detalhe. As sugestões são testadas por mim, profissionalmente, há mais de duas décadas e confirmadas por professores e estudiosos da área de comunicação e expressão. As dicas serviam para facilitar aos colegas, por exemplo, atividades simples de leitura ou mesmo na área filosófica na compreensão das coisas da vida. Neste caso, o aporte teórico é em literatura que essa mesma pessoa diz se instruir. Não aviei receitas.

Quando a criatura, ríspida, bradou em minha direção, encolhi-me na cadeira. Diga-se de passagem, a metodologia da agressão é obsoleta. Pensei: “Calma! Ela não percebe como está falando. Não se ofenda e, sim, valha-se do instante desagradável para abafar, extinguir, detonar o orgulho de bem conhecer um tema. Porque a sabedoria superior, que um dia você conhecerá, sabe do quanto não sabe”. E ainda por cima, a gente vive servindo de instrumento de aprendizados diversos.

Não estou confundindo o conceito de autoestima com excesso de amor próprio. A ênfase aqui é na oportunidade de identificar e tratar dessa doença da alma, do “sentimento de menos valia”, como define Paulo Cordeiro. O orgulho é, definitivamente, um dos dois maiores entraves de nosso desenvolvimento pessoal. O outro é o egoísmo. Ambos da mesma laia. Fonte de todo o mal, ele é indulgente com tudo que o agrada. Por isso, sempre que puder, vá demolindo os altares construídos ao orgulho. Desse modo, terá alguém renascendo logo ali...

sexta-feira, 17 de junho de 2011

Da pergunta mais difícil

(Arte: autoria desconhecida)

Muita gente pensa que saber o porquê das coisas é fundamental para solucionar problemas pessoais. Se um acidente, a morte de um ente querido, a doença o atingem, o vivente logo entra em conflito e saca do bolso: por quê. Fica ali martelando os miolos tentando descobrir possibilidades para livrar-se do incômodo. É evidente que a referida indagação é significativa, senão o quesito raciocínio ficaria obsoleto em nós; mas, às vezes, torna-se produtivo mudar o foco de investigação e trocar a pergunta-base para como ou para quê.

De fato, o porquê recebe maior atenção em nossa sociedade. E nos acostumamos a ele sem questionar sua validade, usando-o em situações diversas. Mas será que o porquê é o infalível recurso para os males do mundo? O tempo todo a ênfase é no porquê. Por que meu filho morreu, por que minha vida desabou, por que perdi o emprego, por que não sou uma pessoa magra? Alguns apontamentos poderão até surgir no visor de opções, mas o bom termo precisará de tempo... o argumento do início será apenas um tópico possível.

Ao se inverter a lógica de análise, imediatamente o aborrecimento ganha roupagem com melhor definição no corte e é possível observá-lo com maior discernimento. Note. O porquê fica em nossa cachola como um carro ao patinar na lama: afunda enquanto aumenta a complexidade do atolamento. O porquê não encontra resultado imediato, carece de tempo de maturação para surgir em prova ao objeto de exame. Já o como e o para quê adquirem um formato plausível de resolução com ampla agilidade e, portanto, menor desgaste.

O para quê nos chega como alternativa para cambiar a premissa do debate, alterando a metodologia de pesquisa e apontando um norte, apesar das prováveis longas distâncias que o separam do eixo de atrito. Pegue o porquê e troque-o para o para quê e veja o saldo. Para que tal situação está acontecendo comigo? Para que tenho de passar por isso? Para que trabalho justamente com esse chefe ou colega? Para que uma tragédia de tamanha envergadura surge nessa altura do campeonato?

Certamente a resposta não virá pronta, precisará de certa paciência e vontade de compreendê-la. Mas apontará uma possibilidade. É claro: a bússola virá em socorro de quem estiver minimamente aberto, voltado para o satélite que o conecta. Daí a importância de uma análise profunda e sincera. E cá entre nós, ser honesto consigo mesmo é algo não muito exigido em nossa época. Fácil é fazer dos dias um carnaval de máscaras e se entregar ao barato caríssimo: pensar, para quê? Deixa a vida me levar, diz até a música...

Entretanto, no meio do caminho surge uma pergunta, talvez a mais difícil a ser feita e aceita como condição de deslocamento do olhar para dissipar o feito problemático. É o como. Faça o teste. Como atravessar esse momento complicado? Como vivenciar isso tudo sem respingar nos outros as limitações pessoais? Como cruzar o rio caudaloso, considerando que estou no meio dele? Como buscar e encontrar saídas em etapa tão dolorosa?

O como é perfeito para entender a existência sob outra ótica. A visão Thundercat, além do alcance, se avoluma, ganha força e, de repente, vupt!, a miopia vai embora dando-nos uma certeza: é possível vivenciar dores, contrariedades e apertos administrando-os com menos sofrimento. E a diminuição do mal-estar se dá quando conseguimos atravessar as águas da aflição com braçadas firmes, respirando na hora certa e boiando, se necessário.

Diz um ditado: se o problema tem solução, desse modo, deixa de ser problema. Assim, não há motivo de quebrar a cabeça. Se não tem escapatória, adianta preocupação e agonia? Não ajudam em nada! Existem algumas situações que exigem capacidade de adaptação para um desenlace sem grandes turbulências. Quiçá, a estratégia razoável indicada seja tentar equacionar uma coisa de cada vez. Todavia, é sempre recomendável averiguar a presença de coisinhas desagradáveis em nossas vidas para que, pelo menos, saibamos passar por elas...

sexta-feira, 10 de junho de 2011

Melindres, vitimizações e afins

Tenho observado, há algum tempo, o quanto as pessoas se ofendem à toa. Geralmente, trata-se de miudezas. Exemplo: uma olhada recebida por alguém, em que o possível examinador, na realidade, está divagando absorto e, sem querer, deteve a visão, por um instante, na pobre “vítima”. A criatura “coitadinha” dá um jeito de entender que aquele olhar “quis dizer” isso e aquilo e cria um universo paralelo de achismos e compreensões equivocadas.

Buscando aprimorar o estilo literário, sinto que estou mexendo em vespeiro. O gênero escolhido? A crônica. Miro o infinito a partir de leituras particulares do cotidiano. Impossível cronicar sem conectar meu entendimento pretérito ao que avisto agora. Não faço por mal. Em tais produções, sirvo-me de múltiplos temas dolorosos: os preconceitos homofóbicos; o uso de drogas para sobreviver ao caos do dia a dia; o autoconhecimento, base para a reforma íntima; as relações afetivas tão carentes de zelo...

Mas por que estou metendo a mão em cumbuca? Porque convido meus textos a promoverem a saída da zona de conforto de indivíduos ajustados a uma vidinha de máscaras, ilusões e apatias. Incluindo, aí, euzinha. A comodidade pode ser perigosa se o conhecer a si mesmo estiver ausente das avaliações da vida. Um quê crítico se faz oportuno nessas horas. Indispensáveis, então, a reflexão e o agir profundos para gerar autonomia e liberdade.

Em uma ocasião, falava do apuro técnico de alguns músicos na feitura de seu trabalho. É o caso da paulistana Ná Ozzetti. E citei, ao revés, o funk carioca para ilustrar pobreza melódica, harmônica, poética – até porque o funk originário dos Estados Unidos empregado em trabalhos magistrais de brasileiros (Tim Maia, Djavan, banda Black Rio) é de visível competência. Sem demora, uma pessoa natural do Rio de Janeiro, foi vestindo a armadura na defesa de seu estado. Sabendo-me gaúcha, ironizou: “Por quê? O funk do Rio Grande do Sul é melhor”?

Respirei fundo e expliquei: “Funk carioca é um ritmo criado por moradores da periferia da capital do Rio de Janeiro, a batida é rápida e as letras são erotizadas e violentas. A denominação vem do local onde surgiu o novo estilo”. Entretanto, eu bem preferia tê-la colocado no colo, como um pai ao contar para o filho uma experiência de vida, e esclarecido que é muito dispendioso o revide constante. Gasta-se muita energia. A propósito, muita gente vive como se fosse sempre a vítima e precisasse se defender, atacando.

Daí surgiu uma espécie de hipótese/doença, a “teoria da vitimização” ou o “complexo de coitadinhos”. Conheço vítimas do governo, da burguesia, das dietas, do professor, do médico, da amiga... até dos meus escritos. Uma coisa é a pessoa ser vítima, em alguma situação específica. Outra, bem diferente, é jogar sua raiva para o mundo pelas suas frustrações e descontentamentos e o tempo todo se colocar no posto do prejudicado, no altar da imolação. Onde está a autoria dos seus passos?

Infelizmente, já fui um pouco assim. Estou me tratando e tenho obtido bons resultados. Ou seria felizmente? Tomando consciência do que sou e dos exemplos ao redor, posso observar quando o tsunami do “coitadismo” se aproxima de minha praia pessoal. Sócrates, ao ser apontado como o maior sábio da Grécia, afirmou ter certeza do quanto não sabia, mas amava o não saber que o estimulava a perscrutar o desconhecido.

O pensar investigativo é construído, portanto, a partir do ato de constatar. E de mais a mais, afirma Paulo Freire, “ninguém supera a fraqueza sem reconhecê-la” (in Pedagogia da indignação, 2000). É tempo de o “complexo de coitadinhos” ou a “teoria da vitimização” cederem espaço para a prática da responsabilidade sobre nossas escolhas, ação embasada no livre-arbítrio consciente. Chega de colocar a culpa no outro. Liberte-o! A causa dos sucessos e
fracassos que apresentamos no curriculum vitae está somente em nós.

sexta-feira, 3 de junho de 2011

Tabagismo: doses para o suicídio

(Foto: autoria desconhecida. Plantação de fumo comum no Sul do Brasil)

Em 31 de maio, dia mundial sem tabaco, lembrei-me de uma conversa, certa feita, com alguém que me disse uma pérola: “Se fumar é morrer aos poucos, não tenho pressa de morrer”. E se o argumento é nesse nível, vou logo abrindo o jogo: o problema não é, necessariamente, a morte que o cigarro causa, mas o sofrimento antes dela. As dores, a falta de ar, ou ainda, não ter um ente querido sem nojo de catarros e outras secreções para cuidar desse enfermo. Parece fácil?

Por meio de leituras, conversas com médicos e doentes de câncer, posso afirmar que adoecer devido ao uso de fumo é um tipo de suicídio. Pesquisas apontam: de cada dois usuários de tabaco, um vai ter câncer. Sem falar nos fumadores passivos. E se a morte provocada pelo cigarro, com padecimentos dolorosos, é o caminho mais provável na trajetória de um fumante, não há outra chance a não ser cair fora. Ou dirigir-se, espontaneamente, ao precipício. Aí é escolha, mesmo.

Pode ser que o sofrimento pré-morte não ocorra aos adeptos da droga nem aos “caretas”. Mas a possibilidade é sempre maior ao fumante. Isso é lógica e é ciência. Está comprovado. Entretanto, depois de parar de fumar, o ex-usuário de tabaco e derivados já sente benefícios. Segundo o Instituto Nacional de Câncer, após 20 minutos da última aspirada a pressão sanguínea e a pulsação voltam ao normal. Duas horas depois, não há mais nicotina circulando no sangue. Entre 12 e 24 horas, os pulmões funcionam com mais autonomia. É uma melhora crescente e constante.

Anualmente, a prática tabagista mata 200 mil brasileiros e, no mundo, cerca de cinco milhões de indivíduos. A maioria começou a consumir antes dos 19 anos. Infância e juventude sempre foram os principais alvos de campanhas publicitárias agressivas da indústria do fumo.
Tudo para convencê-los, estrategicamente, a serem adultos seguros, poderosos, saudáveis, irresistíveis. Diariamente, 100 mil crianças tornam-se fumantes no mundo. São elas que vão financiar as companhias fumígenas nas próximas décadas e recebem dessas empresas o título de “reservas de abastecimento”. Cruel, não?

E as vítimas se multiplicam porque a nicotina funciona do mesmo modo que todas as drogas causadoras de dependência, como álcool e cocaína. É substância psicoativa e faz parte da Classificação Internacional de Doenças – CID. Portanto, tabagismo é doença, sim. A nicotina atua fechando aquelas lacuninhas de angústia, decepção, tristeza, frustração do indivíduo ao longo dos anos. A funesta nicotina e as demais 4.699 substâncias encontradas num cigarro dão falsas sensações de prazer a quem fuma.

Observe. Embora o cérebro se alimente do “conforto” gerado pelo tabaco, a saúde do fumante vai degringolando. Daí o pseudoprazer. Os sinais podem custar a aparecer e muita gente demora a se dar conta da bomba-relógio em seu tórax. Com a ingestão contínua de nicotina, o cérebro se adapta e passa a precisar de doses cada vez maiores para manter o nível de satisfação do início. Por isso a dificuldade de encontrar saídas sozinho e a necessidade de ajuda externa.

Enquanto se é jovem, tudo certo. Mas e na velhice? Como cada organismo irá reagir? Imagine-se daqui a 20, 30, 50 anos... Um velhinho cheio de saúde! E se for o contrário? Imagine-se também e busque alternativas agora para fazer valer a primeira opção de futuro. Estimule habilidades para resistir às tentações de fumar. Evitar ambientes e pessoas que o façam desistir de tal propósito é um bom começo para o fim do tabaco em sua vida. Estudos mostram: cerca de 80% dos fumantes querem parar de fumar.

Portanto, o ponto central da cessação de tão terrível vício é a mudança de comportamento, dizem os especialistas. Verifique o quanto você está disposto a transformar-se. Previna-se contra recaídas com um querer e agir profundos. Trata-se de um pequeno grande passo para a sua liberdade. Porque, convenhamos, ser “feliz” a partir de amarras e prisões é pura ilusão. Você é o ator principal do espetáculo de sua vida. Cabe a você representar bem esse papel.