sexta-feira, 30 de setembro de 2011

Regulando para democratizar


(Arte: autoria desconhecida)

Um dos temas mais comentados nos últimos tempos no ambiente das comunicações e dos movimentos sociais que batalham por ampliar o acesso à informação é o marco regulatório. Entenda o caso: o rádio e a tevê no Brasil são concessões públicas e, portanto, a Constituição Federal estabelece princípios e regras a serem respeitados pelos veículos. Porém, na prática, isso não acontece e, claro, os donos das empresas de comunicação estão atentos para que a coisa fique como está, evitando perda financeira, política, e poder. Sociedade, governo e empresários concordam apenas que é preciso regulamentar o setor em razão do agrupamento das mídias, a chamada convergência digital.

No entanto, quais são os norteamentos deixados de lado pelas “sonsas” emissoras? Por exemplo: a programação deve ser regionalizada; é proibido constituir monopólio ou oligopólio; os conteúdos veiculados, ou seja, as músicas, as notícias, entrevistas, precisam ser culturais, educativos e informativos; é vedada qualquer censura política, ideológica e artística; respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família. Tudo está lá nos artigos 220 a 224 da “nossa” Constituição “cidadã”. Um texto primoroso!

Logo, o que são um conglomerado como a rede Globo e os “pequenos” empreendimentos regionais senão monopólio/oligopólio? De onde são os sotaques mais identificados nos canais? Desde quando uma música como Fugidinha de Thiaguinho e Rodriguinho, cantada pelo próprio Exalta Samba e por Michel Teló, estimulando a sexualidade precoce em crianças e inconsequente em adultos, possui teor educativo? Quando foi divulgado que o pesticida de uma propaganda é perigoso à saúde? Ah, quando, caro leitor, sua opinião foi verdadeiramente importante e levada ao ar?

Mas por que precisamos de um marco regulatório se a Carta Magna é a lei maior? Ocorre que ela não é cumprida porque depende, basicamente, de leis específicas. E as normas já existentes, como o Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962, estão ultrapassadíssimas. Afinal, as tecnologias e a sociedade mudaram muito nas últimas décadas. Daí a resolução principal da primeira Conferência Nacional de Comunicação (2009) ser a regulamentação do setor para fomentar a pluralidade e a liberdade de expressão junto a outros públicos da sociedade, não só radiodifusores e seus asseclas.

Sendo assim, o marco regulatório nada mais é que uma lei geral para organizar a bagunça no território dominado pelos donos da mídia. Empresários espertos e jornalistas rasos, sabendo que o Brasil tem um calinho chamado ditadura militar, afirmam: a medida pode estimular a censura. Ora, o argumento das entidades sociais e de subdivisões do governo é justamente o de promover a democracia a partir da regulamentação. Usar a censura como instrumental de luta é pensamento obtuso para desqualificar o debate.

Nesse sentido, o governo federal vem discutindo interna e lentamente tal necessidade e os movimentos sociais criaram uma plataforma para a população opinar sobre o tema. Até sete de outubro qualquer cidadão poderá contribuir com sua opinião. Veja. Não haverá compra de votos, não é obrigatório votar, ninguém será beneficiado com um cargo no governo. Entretanto, a participação popular é de suma importância para a “saúde” de quem se diz ouvinte, usuário ou telespectador.

Provocaçãozinha: você vive reclamando que a tevê está uma porcaria, as crianças não deveriam assistir a certas produções, o rádio só fala o que o dono quer, a mulher é usada como objeto sexual nas propagandas? Apois, intonce. Vamos fazer alguma coisa? Depois não adianta reclamar e dizer que a Globo isso, o Edir Macedo aquilo. Apontar falhas é mais fácil – aliás, mania de muitos conhecidos nossos, não é mesmo? Reclamar é bem menos incômodo do que se engajar.

Acesse www.comunicacaodemocratica.org.br e ajude a construir um modelo de comunicação mais plural, democrático e livre. Isto é, opiniões advindas das diversas correntes e grupos do país, independentemente de região, classe, credo, orientação sexual, partido político, gênero, etnia. Das ideias ali postadas surgirá um documento da sociedade a ser entregue ao governo até o fim de 2011 e, no Dia Mundial da Democratização da Mídia, 18 de outubro, estará disponível no portal. Observe. A democratização do acesso à comunicação e à informação é uma nação falar suas várias vozes e a gente en-ten-dê-las. Não basta ouvi-las. (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 23 de setembro de 2011

Aprendendo a administrar


(Arte: autoria desconhecida)

Como gerenciar hoje em dia o uso do dinheiro pelas crianças? Na minha infância, o “não tem dinheiro, não tem o brinquedo desejado”, significava “não tem e ponto”. Não havia outra alternativa, nem jogar-se no chão da loja fazendo birra, muito menos botar o dedo na cara da mãe afirmando que ela ia, sim, comprar tal objeto porque eu estava mandando. Depois de refletir por alguns instantes, cheguei a uma perguntinha espinhosa: por que atualmente “não tem” significa uma infinidade de opções? Vamos pensar juntos?

Especialistas asseguram: educação financeira é fundamental desde cedo. Portanto, se a tarefa dos pais é educar e, o exemplo, a melhor metodologia, deve-se expor aos pimpolhos a importância de destinar os recursos disponíveis ao necessário – o supérfluo tratar-se-á com delicadeza. Ensinar a administração do dinheiro é mais que obrigação dos genitores, é responsabilidade. É mostrar à criança como se cuida das contas. Uma boa opção é promover uma reunião mensal, em família, com a pauta orçamento – discriminando receitas e despesas. Todos aprendendo a planejar.

Provoque a atenção de seu filho para bens caros e baratos. Isso o chama à racionalidade na hora de usar a grana. Ela não cai de árvore e tem um custo para que surja na conta bancária dos pais. Outra coisa: não dê presentes o tempo todo ao filho. Deixe para datas especiais e explique que está dando o mimo porque tem um emprego digno, pois batalha para conquistar melhor condição de vida para si e sua família. Evitar desperdícios, controlar os impulsos de consumo também é educação financeira.

Mas, afinal, como dar o exemplo? Responda rapidamente. Das últimas compras feitas, quantas eram, efetivamente, necessárias? Havia artigos dispensáveis? Arrependeu-se de quantos? Seu comportamento educa, não tenha dúvida. Daí presenciarmos cenas desastrosas em ambientes públicos de filhos impondo ordens aos pais. Os filhotes só estão repetindo o que aprenderam. O economista João Batista Sundfeld afirma que “se a mãe ou o pai são descontrolados, esse é o modelo que a criança vai copiar”.

O assunto mesada é um dos mais polêmicos. Pesquisas apontam: crianças que a recebem gastam rapidamente toda a quantia – o que ocorre com muitos adultos conhecidos nossos!
Segundo o consultor financeiro e escritor, Gustavo Cerbasi, “dar mesada ou semanada de qualquer valor sem controlar os gastos da criança é jogar dinheiro no lixo”. Pais e crianças precisam entender: “Mesada não é um dinheiro da criança. É um dinheiro da família que ela ganha o direito de administrar”, afirma.

Ensine-o, desde pititico, que a mesada será dividida em três partes: para gastar, poupar e doar. Nos gastos e investimentos, objetividade: não subestime a criança – ela entende bem as lições, apesar da pouca idade. Diga: filho, agora não é hora de comprar; os itens que vamos adquirir são estes (peça ajuda a ele para que cheque se o objetivo foi cumprido); o orçamento que temos é este (esclareça as consequências para quem gasta mais do que arrecada). Criança é ótima para aprender, sabia? Fale sempre amorosamente, mas firme.

E a poupança? Bem, poupar tem aspectos positivos. É o caso de economizar para um curso superior no futuro. Contudo, lidar com o dinheiro vai muito além de gastar hoje e poupar para o amanhã. É preciso educar para a generosidade. Ensine a criança que uma terceira parcela deve ser doada para alguém que precisa. Para tanto, reduza aquisições ao necessário, incentive e realize ações de desapego e caridade, evite ambientes que incitam o consumo. A indústria investe pesado em publicidade para crianças desejarem até o que não gostam muito.

Educação financeira se faz “com conversas de dia a dia”, salienta Gustavo Cerbasi. Muitos pais se eximem do papel de educadores por medo, incompetência ou desatenção. Saia da zona de conforto enquanto seu filho está com o terreno fértil para receber o plantio! Talvez seja mais fácil mesmo desembolsar a soma exata para atender à chantagem emocional do filho cuti-cuti. Entretanto, que adultos somos e que adultos queremos que nossas crianças sejam? “É da natureza da criança insistir, e é função paterna impor limites”, orienta a consultora Cássia D’Aquino. (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 16 de setembro de 2011

Crônica de uma dor anunciada


Sócrates em sua melhor forma.
(Foto: autoria desconhecida - Getty Images)

Ninguém esperava, ninguém desejava, mas aconteceu. O ex-jogador de futebol e comentarista esportivo Sócrates foi parar no hospital. Ao lado dele, médicos e a esposa dedicada deram-lhe o suporte necessário. Sobreviveu. Sócrates aprendeu tanta coisa na faculdade de medicina, deve ter visto tanto exemplo nesse mundo – do alto dos 57 anos de vida – e, mesmo assim, precisou trilhar o caminho da dor para aprender algo que o fizesse modificar hábitos. Logo o “doutor” Sócrates, como é chamado.

Depois de nove dias internado, concedeu entrevista coletiva em São Paulo, confessando ser alcoolista. Quem usa álcool cotidianamente é alcoólatra”, afirma. Em seguida, contou sua história no programa Fantástico da tevê Globo. Uma revelação surpreendente para muitos. Entretanto, para quem já se ligou que a vida é muito mais que um passeio, levou as declarações do famoso ex-jogador como “naturais” do processo de quem busca a dor – conscientemente – como opção de vida. Uma pena, certo?

Com um ponto cirrótico em região hipersensível do fígado, precisou se submeter a procedimentos terapêuticos para estancar uma hemorragia digestiva decorrente da doença. Pode-se afirmar que o fígado adoeceu, em parte, pela própria vontade do agora enfermo. O quê? Sim, observe. O eterno craque do futebol afirmou ser dependente do álcool “quando queria” e, se bebia, constantemente, o fez de modo forçado, obrigado por alguém? Isso lhe é familiar, caro leitor? Desde quando ouvimos falar em livre arbítrio, lei da causa e efeito ou da ação e reação, e ainda, da importância de responder por nossos atos?

Veja bem. Eu sei que estou pegando pesado, como se diz por aí. Porém, uso o exemplo de Sócrates – tornado público por ele – para chamar à atenção um assunto gravíssimo que permeia nossa sociedade e insistimos não ver. O ídolo observa que não poderá beber nem fumar para poder auxiliar na eficácia do tratamento. Sem esquecer-se da dieta rigorosa e dos exames frequentes. A “abstinência vai ser total daqui para frente, para que meu fígado reúna condições de se equilibrar totalmente e que não dê mais problemas”, comenta. 

Sócrates tem noção de que renasceu. “Eu não vou beber porque eu quero que meu fígado esteja bom para que eu possa usar bem a nova vida que eu ganhei. Ganhei outra vida e vou ter que saber usar”, sentencia. Bingo! A gente deveria entender isso sem precisar passar pelo caminho da dor – todavia, ela é generosa e nos ensina tanto em pouco tempo. Esperançoso e com vontade de viver, Sócrates fala de sua experiência: “É nessas horas que a gente cresce. Saio muito mais forte, muito maior e com muito mais compromissos e responsabilidades que eu tinha antes”.

Mal comemorou a alta hospitalar, o ex-meio-campista das copas de 1982 e 86 voltou a ser internado para intervenção medicamentosa e endoscópica na segunda hemorragia digestiva – consequência danosa no organismo dessa doença que muita gente pensa que é coisa da família do vizinho: a dependência de álcool. E, segundo a mulher dele, Kátia Bagnarelli, a notícia não é boa. Se em seis meses o fígado não responder positivamente, a hipótese da substituição do órgão será considerada. “Hoje ele não pode fazer, mas a cura para a doença (...) seria o transplante”, afirma.

Começaria, então, uma emocionante fase. Não sem um misto de esperança e ansiedade. Se tiver de transplantar o fígado, a fila é enorme – são cinco mil pessoas em todo o país aguardando para receber outro órgão. O ex-atleta terá de exercitar a paciência. Segundo o presidente da Sociedade Brasileira de Hepatologia, Raymuno Paraná, a ordem de prioridade é determinada pela gravidade de cada caso. “O Brasil tem um dos programas de transplantes do mundo mais sérios. Ele é nacional, não há prioridades. A prioridade é ditada pelo quadro clínico do paciente”, conclui o médico categórico. Além do mais, não há como furar a fila.

É claro: não falta torcida para o ídolo do futebol brasileiro se recuperar logo. Amigos, também ex-jogadores, enviaram recados, como Biro-biro e Zenon. A mensagem de Wladimir foi a mais contundente: “Você fica negligenciando a sua saúde e esquece que é referência para muita gente no país inteiro, no mundo inteiro. Vamos cobrar isso de você, boa sorte”! Palavras sábias do ex-lateral esquerdo; talvez, sirvam muito mais a mim e a você, do que ao próprio doente. O amigo Casagrande, completa, em tom de brincadeira: “Agora é só aguinha tônica, água sem gás. Nós dois sentadinhos, batendo papo, tomando água”.  E eu pergunto: quer coisa melhor? (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 9 de setembro de 2011

O mal e a inteligência


(Foto: autoria desconhecida)

Lá se vai uma década do maior atentado terrorista de que se tem notícia no Ocidente. Um plano “perfeito”, gestado aos poucos, sem pressa, mostrando a competência da humanidade quando seu desejo íntimo é usar a inteligência a serviço do mal; sua alma se satisfaz com o egoísmo; quando o duelo é prioridade e, o diálogo, coisa de um futuro distante; ensinamos e vivenciamos a guerra dentro de nossas casas; quando somos intolerantes com o diferente e o desconhecido – logo nós, eu e você, que fomos criados tão bem, dentro de elevadíssimos princípios éticos.

Alguém poderia pensar: o evento ao World Trade Center é um caso isolado, pois Bin Laden sempre teve bens materiais disponíveis e associou-se desde a Guerra Fria aos Estados Unidos. Criou-se, então, a cobra. Será? E a obscura Idade Média com a elite religiosa matando em nome de Deus? Mil anos devastando a inteligência que poderia criar, esclarecer, consolar! Falando nisso, e o extermínio de indígenas em nosso território? E a perseguição e carnificina de ciganos, judeus, homossexuais, testemunhas de Jeová, doentes mentais, eslavos, deficientes físicos da longa lista dos enjeitados de Hitler?

O passado não serve para o remoermos, porém é útil para nos aperfeiçoarmos, empregando a inteligência em favor de todos. Entretanto, teimosos, preferimos atrasar tudo. Os tempos bárbaros, nesse sentido, vão longe e muito evoluímos enquanto trajetória humana, em especial, nos quesitos tecnológicos e intelectuais. E os morais? A propósito, essa melhoria só ocorre quando não impomos condições adversativas à sociabilidade respeitosa e mantemos o bom ânimo para não estagnar. Vejamos alguns casos de como a inteligência é utilizada para o mal, para a obtenção de “vitórias” pessoais – num intenso exercício de vaidade e ambição. É o mau direcionamento da inteligência desviando condutas, caracteres, famílias...

Fernandinho Beira-mar: um homem com o corpo preso; a cabeça, não. De dentro das cadeias, fatura, por mês, cerca de um milhão e meio de reais comandando exércitos obstinados a alimentar o mal – este, arquitetado, diga-se de passagem, ao longo de desestruturadas vivências familiares. Estudiosos afirmam: o menino Luiz Fernando da Costa, criança de alta habilidade (superdotada), recebeu os estímulos que precisava em tenra idade no específico do que é hoje. Possivelmente, tinha um “talento especial” que foi valorizado ao revés. Daí a importância de pais e educadores incentivarem crianças, de todas as classes sociais, para o positivo: amor, compreensão, respeito, disciplina, tolerância, afabilidade.

Ah, e a corrupção!? Essa erva daninha de raízes profundas em solo tupiniquim nascidas, sob um aspecto, antes da invasão, quando Portugal dominava países africanos e o Brasil, de fato e de direito, não fora cartografado. Basta ler a obra de Sérgio Buarque de Hollanda, Raízes do Brasil. Homens corruptos sempre existiram. Está certo: em algum momento, mulheres, apesar de sua sensibilidade aguçada para ver além, igualmente se converteram à prática ignóbil e perversa de enganar o outro. Há poucos dias, no plenário da Câmara dos Deputados, a jovem parlamentar Jaqueline Roriz justificava o pesado maço de R$ 50 mil – recebido nas coxias da política brasileira – com argumentos ofensivos a qualquer cidadão honesto: “Em 2006, eu era uma cidadã comum”.

Diz-se que Alberto Santos Dumont ao saber do aproveitamento funesto de seu maior invento, o avião, na Guerra Mundial de 1914 a 1918 e, depois, com o mesmo fim bélico, na Revolução Constitucionalista de 1932, sentiu profunda tristeza. Santos Dumont já estava doente com a esclerose múltipla e uma depressão profunda, vindo a piorar com a constatação do uso de sua “cria” mais engenhosa. Ele acreditava que o avião deveria servir para unir as pessoas, como meio de transporte e, por que não, de lazer, como (...) havia demonstrado, ao deslocar-se em suas aeronaves em Paris para assistir à ópera ou visitar amigos”, afirma Luciano Camargo Martins da Universidade do Estado de Santa Catarina.

Amigo leitor, observe. O mal está em todo lugar pela omissão dos fracos, também conhecidos como bons, que dizem não fazer o mal. Aliás, o mal seria o resultado da ignorância? O bem “é” – o mal foi inventado por quem, será? Paradoxal, meu caro Watson. Seres inteligentes... os únicos do Planeta! Enquanto não enxergarmos o tanto de bem que existe em nós e o quanto dele se expandirá ao atingir o outro sobremaneira, permaneceremos em castelos de areia, iludidos com a felicidade gerada por sensações vãs e polêmicas vazias – de braços cruzados, dizendo com imponência: “eu” não faço o mal, “eu” sou uma pessoa do bem. (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 2 de setembro de 2011

Contradições da paz

Tsunami coloca embarcação fora do lugar. 
(Foto: autoria desconhecida)

Os versos da canção A paz (Leila 4) de Gilberto Gil e João Donato foram feitos sob medida na melhor alfaiataria poética. “A paz fez o mar da revolução invadir meu destino; a paz, como aquela grande explosão uma bomba sobre o Japão”. Ouça a música, leitor amigo, e saiba: as rosas de Hiroshima e Nagasaki fizeram surgir outro Japão. Um país que poderia trazer no nome a simbólica expressão: “recomeçar sempre”. A cada novo embate que se lhe apresenta, a população arregaça as mangas e diz “vamos lá”, sem pestanejar.

Há seis meses, a Terra do Sol Nascente voltou a ser testada em suas estruturas materiais, emocionais, espirituais. Um terremoto de grandes proporções na escala Richter devastou, em especial, a costa nordeste, gerando terrível tsunami: arrasou cidades, levou embora casas, animais, pessoas, até navios.  Uma usina nuclear explodiu colocando em risco toda vida ao redor e, quiçá, mais além. Sua pior crise desde a segunda Guerra Mundial deixou como saldo, conforme portais jornalísticos, cerca de 25 mil mortos ou desaparecidos.

Brincadeiras à parte, o Japão está acostumado a tremer nas bases. É a região com maior atividade sísmica do mundo: um total de 20 por cento dos terremotos acima de seis pontos da tabela citada ocorridos no globo. Assim, o povo, já experiente, embora assustado, recebeu, com certa tranquilidade, a notícia de que mil abalos superiores a quatro pontos e meio haviam sido registrados um mês depois da tragédia. É muito terremoto para nós, brasileiros, que mal conseguimos imaginar esse treme-treme todo.

Em abril, 30 dias após o desastroso sismo, o governo já havia construído centenas de casas aos desalojados e previa erguer outras 10 mil residências em pouco tempo para garantir conforto e sossego no recomeço das famílias. A calamidade causou um prejuízo de, aproximadamente, 310 bilhões de dólares. Nações de vários lugares se mobilizaram para auxiliar o bravo guerreiro do oriente. Doações chegavam a toda hora mostrando que a solidariedade resiste com força descomunal. E mesmo atolados na dor, ainda conseguiriam ser surpreendentes...

Então, para completar o estado da arte, a Ásia emitiu informação que deixaria desconcertados, quem dera, políticos e cidadãos “comuns” apreciadores de dólares em cuecas, meias e sacolas. O governo da província de Fukushima, a mais devastada pela catástrofe, devolveu à Cruz Vermelha os ienes enviados em excesso para as vítimas. Algo em torno de 180 milhões de reais. As províncias (como os nossos estados) atingidas fizeram levantamentos estimados das vítimas. E calcularam errado. Em nova estatística, descobriu-se que o número de atingidos era menor. Lógico que devolver o dinheiro alheio é o correto, não é mesmo?

Desse modo, o Japão ensinou uma lição de desapego e coragem – porque o dinheiro fascina e, aquele país estaria livre da corrupção? Os olhos apertados dos irmãos japinhas estavam bem abertos quando 70 por cento se sentiu insatisfeito com a atuação do primeiro-ministro nos encaminhamentos das consequências do terremoto, como no desastre nuclear de Fukushima. Para eles, as medidas tomadas durante a gestão de Naoto Kan estavam equivocadas. Por fim, o ministro caiu.

Todavia, em meio a tantos aprendizados, a calamidade do outro lado da Terra mostrou que o buraco é mais embaixo. Inúmeras reflexões possíveis vieram à tona. O que estamos fazendo ao Planeta? A título de ilustração, observe: técnicos da usina de Fukushima jogaram milhares de toneladas de água contaminada com baixa radiação no oceano Pacífico. Isso permitiu que a água de alta radioatividade dos reatores ocupasse os grandes reservatórios oferecendo menor risco aos trabalhadores do empreendimento. Além do mais, especialistas advertiram: lançou-se no ambiente radiação no valor de dezenas de bombas atômicas.

Sinistro, diria meu amigo David. O pavoroso ocorrido, colocando à prova os moradores do local, levanta alguns debates para todos nós. Que tipo de energia precisamos para alimentar a vida, não a morte? Para onde serão desviadas as águas com alto índice de componentes radioativos das usinas nucleares quando lhes faltar espaço? Quanto maior o progresso, maior será a nossa destruição? Que exemplo nossos filhos e netos terão para cuidar do Planeta? Quanto mais, derramando o balde do necessário, nossa ganância precisará conquistar? (Adriane Lorenzon)