sexta-feira, 28 de outubro de 2011

Aparências, nada mais


(Foto/arte: autoria desconhecida)

Outro dia lembrei-me de uma música cantada por Marcio Greyck, de Cury e Ed Wilson, intitulada Aparências. Talvez, hoje, seria considerada brega, porém, foi sucesso estourado nas paradas radiofônicas dos anos 1980. A letra contundente é fácil visualizar na vida das pessoas: “Aparências, nada mais, sustentaram nossas vidas, e apesar de mal vividas, tem ainda uma esperança de poder viver. Quem sabe rebuscando essas mentiras e vendo onde a verdade se escondeu se encontre ainda alguma chance de juntar você, o amor e eu” [sic].

O poeta está, claramente, retratando a história de um casal, todavia, vamos ampliar o poema no contexto das interações humanas. Quanta hipocrisia! Quanta dor escondida! No mínimo, sofrível! A criatura se contorce toda para ajeitar as máscaras sociais, dando um brilho no verniz... Sempre me incomodei com o gosto pela hipocrisia e a necessidade de se manter a aparência. Muitos preferem a mentira à verdade e deixam isso muito claro, nem tentam esconder. Confesso: surpreendo-me toda santa vez que encontro alguém assim.

Certa feita, percebi ao meu redor um bocado de gente sem ânimo para ouvir e ver a realidade, isto é, a mentira ou a meia verdade eram mais interessantes. Por vezes, deparei-me tendo de amenizar palavras para não assustar o interlocutor. E, olha, estou falando de pessoas educadas, instruídas, leitoras assíduas, engajadas. Fazia isso para não ser a responsável por mais um castelo destruído, uma realidade ilusória desfeita – delas, no caso. Oscar Wilde já dizia, “pouca sinceridade é perigoso, muita sinceridade é fatal”.

Calma! Não estou advogando em defesa da mentira. Acredito muito mais no despertar do autoconhecimento. Entretanto, às vezes, amigos, parentes, colegas de trabalho se assustam sobremaneira com a minha transparência e facilidade de falar de coisas doídas; se perdem, não sabem como lidar, entram em parafuso. Então, amorosamente, ao perceber tal incômodo, procedo em seu socorro. Já ouvi até que eu seria poupada de alguns assuntos para não me emocionar. É que sou inteira, não pela metade, permito-me mergulhos mais profundos.  

Um verso da canção remete ao nascedouro de coisas malresolvidas em relações e que geram falsidades e ilusões. “Quantas dúvidas deixadas no momento pra se resolver depois.” Veja. Esperar a poeira baixar um pouco para depois conversar e solucionar conflitos, tudo bem, é saudável. Agora, jogar os podres e mal-entendidos para debaixo do tapete, deixando que o futuro lhe apresente dores que o vivente se iludiu achando que havia curado, é masoquismo e desconhecimento de si mesmo. Despertar para o aqui agora é fundamental. Aparar arestas é necessário e inadiável.

Caro leitor, com o devido respeito, pare de se enganar! Quantos casais, colegas, familiares, sócios e ex-amigos ficam anos pensando de um jeito sobre um ocorrido, só porque preferiram o silêncio ou a hipocrisia da máscara? Lá um belo dia, acontece algo providencial que lhes mostra o quanto estavam equivocados e que se houvessem perguntado em vez de “achar que” teriam resolvido coisas pendentes há décadas? Daí ouvirmos ou falarmos pérolas: “Nossa, fulano, achava que você estivesse chateado comigo por outra coisa”!

Observe. Manter a aparência é infinitamente diferente de ser discreto com a vida pessoal. Casais buscam resolver suas histórias no âmbito familiar, empresas exigem a discrição quanto a acontecimentos desagradáveis ocorridos internamente, muitos artistas se mantêm sem exposição à mídia para evitar vazamento de informações pessoais. Desse modo, esses grupos, ao se encontrarem, recolhidos em seus ambientes particulares, colocam à mesa: reclamações, chororôs e atitudes inapropriadas tomadas pelo outro. Contudo, elogios, desculpas e agradecimentos nessa hora serão bem-vindos e salutares. É o tal do diálogo.

E, por fim, o poeta joga a pá de cal: “Quantas vezes nós fingimos alegria sem o coração sorrir”. Fato. Há uma infinidade de criaturas perdidas em meio a sorrisos amarelos, cumprimentos obrigados, moles apertos de mão. Argh! Depois de um tempo convivendo com o antônimo deslavado da sinceridade de sujeitos que aparecem pelo caminho, concluí: a hipocrisia é uma proteção das fragilidades humanas. Portanto, quando precisar ser hipócrita, que eu possa analisar melhor e recuar. É um caminho duro, doloroso, solitário e quase sem volta. (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Impertinências, inconveniências

(Arte: autoria "criativa" desconhecida)

Um forte cheiro de cigarro adentrou o minúsculo apartamento em que vivo. Pensei: “Estranho, a janela está fechada”. Abri a porta para verificar o corredor e... nada. Só restava o banheiro, e não deu outra. O sistema de ventilação, embora desligado, sugou a fumaça de algum morador que fumara no aposento dele. Outro dia, a mesma coisa. Ao chegar de viagem, meu apê estava fedendo a cigarro como se estivessem fumando ali. Ora, eu moro sozinha! Então, perguntei: “Tem alguém aí”? Não, respondeu o silêncio, era o vizinho de novo apreciando seu vício.

Como resolver o impasse já que o vivente está exercendo a liberdade dentro da própria casa? É um direito dele. Até chamar especialistas para analisar o prédio, demora... Outra opção é resolver isso conversando. Entretanto, esse cidadão deverá ter boa vontade para sair de casa, à noite, e achar um lugar que não passe ninguém para fumar porque, mesmo no pátio do prédio, estará perturbando, pois a fumaça e o cheiro são safos, percorrem caminhos que ninguém vê, mas estão lá, adentrando e desrespeitando espaços particulares.

Lembro-me de um caso na Inglaterra, anos atrás, de uma mulher que ganhou na justiça uma ação que impedia o vizinho fumante de fumar num determinado espaço do terreno dele. Técnicos do tribunal realizaram cálculos para saber até que ponto exatamente o vizinho podia fumar no próprio lote, pois se ultrapassasse tal indicativo a fumaça já invadiria a área da moradora. Bem-humorada, imaginei experts fazendo medições diurnas e noturnas nas quatro estações do ano. Solta a fumaça, segura, dá uma tragada e solta com força, agora de leve...

Outro dia fui a uma reunião num pequeno restaurante do bairro em que moro. Estávamos confabulando sobre a temática em questão e, de repente, o nariz felino apontou o alto e descobriu uma fumacinha incômoda vindo para mim. Quando olhei àquela direção – no fundo eu sempre quero estar enganada, porém, trata-se de um cheiro que não tem como não percebê-lo quando chega ao olfato – olhei o garçom desavisado, fumando, e lhe disse: “A fumaça”... E ele, gentilmente, saindo dali: “Sério”?

A maioria dos fumantes não percebe que incomoda. Nesse sentido, falta muita noção de espaço! Para entender melhor, observemos outra área. Vários motoristas se perdem no quesito lateralidade, confundem direita e esquerda e entram para qualquer lado sem avisar. Daí surgiu a direção defensiva. Quem está no trânsito, prevendo uma barbeirada imediata do outro, se defende e cuida dos demais. Afinal, se o barbeiro soubesse das regras de convivência mínimas não se esqueceria: as ruas são como a vida, há mais gente ao redor.

Ainda no tráfego das vias, já senti a fumaça vinda do carro da frente. A pessoa fuma no carro, no território dela e causa estragos no meu terreno particular. Isso é sacanagem! [Não o seria, se eu estivesse, por exemplo, visitando um amigo fumante. No território dele, eu é que devo tolerar.] Contudo, pior é você estar dirigindo e o indivíduo jogar a guimba com aquele impulso característico de um peteleco gerado pelos dedos polegar e pai de todos. E o cigarro vai lá entupir bueiros e bocas de lobo junto a folhas de árvores, garrafas pet e sacolas plásticas – fazendo da chuva um momento de terror.

Uma das áreas científicas que sou apaixonada é a antropologia – estuda as relações entre o eu e o outro. Ajuda-nos a entender o ser humano nos campos biológico, social, cultural, histórico, psicológico, religioso. Estudando-a, sabemos melhor porque pessoas agem de certa forma, vivem como vivem, compreendem como compreendem. Somos seres sociais e precisamos de uma convivência pacífica, apesar da diversidade – não é mudar por causa dos caprichos do outro, é mudar em favor de nós. Isso gera uma profunda transformação.

Atentar-se à existência do outro é um bom começo para desenvolvermos a convivencialidade. Nos meus vinte e poucos anos, adorava ouvir música em alto volume. Não me dava conta de que podia estar atrapalhando, mesmo sem a intenção de incomodar. Um dia entendi: naquele momento alguém precisava dormir para encarar, logo depois, o trabalho noturno; doentes repousavam; criaturas queriam, simplesmente, assistir a um filme sem perturbações. Dei-me conta, assim, da existência do outro – ele já não me era mais completamente indiferente. (Adriane Lorenzon)



sexta-feira, 14 de outubro de 2011

Da infância e outras escolas


(Arte em feltro: autoria desconhecida)

Toda criança antes de frequentar o colégio arquiteta sonhos e os fantasia sobre o que poderá ser o universo mágico da porta para dentro do estabelecimento de ensino. Comigo não foi diferente. Primeiro dia de aula no Jardim de Infância: acanhada e emocionada, sento-me numa cadeirinha verde-clara, apoiada na mesa própria de criança. De repente, quebro um giz. Ai, que susto! Choro baixinho. Meu irmão Alsério, que me acompanha, explica que isso é passível de acontecer. Era o primeiro de muitos medos escolares.

Já com seis anos, no Pré, conquistei autonomia. A professora era uma boa-vida. Adorava ficar lá na classe dela. Não sei fazendo o quê. Ela era legal e não havia atritos – só bastante independência de ambas as partes. Sem possuir parafernálias eletrônicas, muitas vezes fiquei sozinha, aproveitando até o último minuto da aula para ouvir uns disquinhos coloridos de vinil com histórias infantis – Os três porquinhos, João e Maria, Cinderela.

Nos dias em que éramos liberados antes do sinal, aguardava meu pai Pedro terminar a aula (ele era professor dos alunos maiores) para sairmos juntos. Talvez por timidez, eu não pedia licença à professora para ir ao banheiro e, seguidamente, fazia xixi nas calças. Assim, quando chegava à sala de meu pai, para esperá-lo, estava morta de vergonha. Aguardava o toque da sineta, quietinha, ao lado do quadro de giz, sempre de costas para a parede – a mancha úmida estava lá, bem evidente.

Nos dias de chuva, os professores reuniam os poucos gatos-pingados de cada turma numa só sala. Era pura diversão. Aprendíamos coisas diferentes das lições da nossa segunda série e víamos que os da quarta nem eram os bambambãs. Um dia caiu o mundo em Tenente Portela. Ninguém falou: “Que é isso, filha, não vá à escola!”. Sempre fomos motivados a estudar. E fui. Quando cheguei, feliz da vida por estar vivendo aquela aventura, uma professora joga um balde de água fria: “Por que você veio”? Ai, ai! Professor para nos castrar não falta!

Segunda-feira era dia de atividade cívica. No fim da tarde, a diretora, inspirada nos quartéis, para acalmar os mais levados antes de cantar o Hino à Bandeira, falava em tom severo: “Enquanto estivermos cantando o hino, devemos ficar paralisados, mesmo se uma cobra estiver picando a nossa perna”. E eu ficava lá, cantando e imaginando uma serpente gigantesca dando o bote com aquela bocarra. “Salve, lindo pendão da esperança, salve, símbolo augusto do paz! Tua nobre presença à lembrança, a grandeza da pátria nos traz”...

Um desastre ocorreu quando usei um cocar no dia do Índio. Em casa, tínhamos uma pena de arara vermelha – perfeita para meu intento de representar uma kaingang. Na hora do recreio, um menino passou por mim e tentou arrancá-la, partindo-a. Inconsolável, contei à professora que “cuidava” das crianças no horário. Ela acabou comigo: “Ah, isso passa, não faz mal, não”. Ora, pensei, a pena voltaria ao estado natural? Afinal, a questão era essa. Como aconteceria tal milagre? Então, chorei de raiva por ser subestimada na inteligência.

Sempre gostei de artes, esportes, literatura e línguas. Pensa que alguém observou isso? Qual nada! Só matemática valia. Nela, meu boletim recebeu, pela primeira vez, uma cor diferente da azul. Gostava também de história, mas não entendia aquilo que acontecia sempre na vida dos outros. A história do Brasil, por exemplo, nunca era a minha. Apesar de tudo, eu curtia mesmo as aulas de técnicas domésticas porque aprendíamos a fazer quitutes diferentes dos conhecidos pratos de casa. Geleia de bergamota, quadradinhos de amendoim, croquetes de cenoura...

De modo geral, tinha colegas muito queridos. Claro, preferia os colegas-amigos. Alguns sumiram no horizonte. Com outros, troco ideias até hoje. Seres pueris visitando o futuro. Lindo de se ver. Em breve, vamos organizar um encontro para relembrarmos impressões, aulas, professores, momentos. Com certeza vamos chorar... de rir. Quem sabe façamos uma peça teatral, um joguinho de caçador, uma receitinha rápida. Tudo para voltarmos um pouco à tenra e pura fase da vida – triste, alegre, rica, pobre: simplesmente a nossa infância. (Adriane Lorenzon) 

sexta-feira, 7 de outubro de 2011

Chazinho de banco

(Arte: autoria desconhecida)

Jogue a primeira pedra quem nunca se atrasou para um compromisso. Claro. Eu, você, todo mundo é falível e pode sofrer imprevisto. Agora, não dar satisfação ou fazer do atraso uma constante, aí a coisa muda de figura e se torna irresponsabilidade. É chamar, simbolicamente, aquele que nos espera, de idiota. Desse modo, um atrasadinho de plantão pisa na bola quando desrespeita alguém com silêncio mortal – leia-se não dá honesta explicação – ou simplesmente chega atrasado e tira alguma “piada” da cartola mágica de desculpas.


Tais pessoas são incômodas em qualquer lugar. A justificativa flui como se fosse algo cristalizado no vivente: o trânsito, um acidente, o engarrafamento; impressora quebrou, papel atolou; a empregada faltou, o carro falhou, o despertador não despertou. Ora, os impontuais devem um pedido de desculpas, caramba! Faz parte da etiqueta dos relacionamentos sociais. Custa pouco telefonar avisando o atraso e, principalmente, verificando se, do outro lado da linha, há disposição em aguardar o tempo estimado do atraso. Simples, assim!

Pesquisas informais apontam o serviço público como o campeão na demora para o início das audiências. Algumas vezes, 20, 30 minutos. Outras, a secretária vem toda sem graça pedir para remarcar a reunião ou com a cara de pau e antipática gerada a partir do mau hábito do chefe. Veja a quantidade de médicos atrasados para consultas em clínicas particulares e hospitais. O interessante para um estudo social é que para algumas pessoas isso é tão intrínseco ao próprio modo de ser que ela não consegue analisar que se a sua falta de pontualidade prejudica alguém, deve se corrigir.

Esta história me deixou boquiaberta: um colega me renderia na escala de trabalho em uma emissora pública, num sábado, na hora do almoço. Chegou em silêncio, tendo passado 35 minutos. Não falou comigo, não me disse olá nem pediu desculpas. Num misto de chateação e autocontrole, perguntei o que havia acontecido e, ele, surpreendido e bravo diz : “Nada. Por quê”? Meses depois, eu começava a entender: esse rapazote, quando sugeri algo, em diferente situação, para melhorar a nossa atividade, perguntou: “Pra quê? Pra dar mais trabalho pra gente”? É que mudanças envolvem sair do platô do comodismo.

Outro colega marcava saída para externas de gravação às cinco ou seis da matina. Ficávamos lá, a equipe, esperando. Duas ou três horas depois, o moço aproximava-se correndo e sacando a velha lenga-lenga esfarrapada. No mesmo período, um namorado me ensinou que “tô chegando” significa “tô-saindo-de-casa-agora-ou-de-qualquer-outro-lugar-em-que-estiver-menos-chegando-efetivamente-ao-local-combinado”. Como fiquei atenta à expressão, atualmente, quando a escuto de alguém, procuro averiguar logo se se trata de mero vício para ganhar tempo. Ninguém gosta de ser embromado, certo?

Bem antes disso, eu era uma jovem estudante de pedagogia envolvida no movimento estudantil. Trabalhava como locutora folguista – só Deus sabe a loucura que são os horários – e morava a 40 km do campus. Na época, para estudar, viajava de carona. Quando planejávamos reunião no Diretório Central de Estudantes – DCE, procurava me antecipar devido à incerteza da estrada; e lá estava, sozinha, pontualmente, na hora acordada. Enquanto esperava os retardatários locais, pensava: “Que contradição”! A prioridade não atendia mais aos meus princípios...

Tem gente de todo tipo. Os que não retornam e-mail acusando recebimento da correspondência, não se desculpam pelo atraso e lidam com certa tranquilidade nesse caos. Observe, porém: ir atrasado ao trabalho com o cabelo pingando, estudar para a prova em cima da hora ou deixar de tomar café da manhã porque acordou tarde, isso é problema – se for um problema – dos atrasadinhos; contanto que cheguem aos compromissos na hora determinada e não atrapalhem a vida alheia.

Ouvir um aparato quase bélico de muletas justificadoras é uma encheção, como diriam os adolescentes. Repetir que o brasileiro deixa tudo para a última hora é papo para boi dormir. Se você quiser fazer parte da maioria, fique à vontade, é cômodo. Contudo, deixar de carregar o saco pesado de decoradas cantilenas que ninguém aguenta pode ser uma opção para deixar o ambiente leve. Porque pode ter certeza: a imagem dos atrasadinhos no ambiente de trabalho ou por onde oferecem chazinhos de banco, não deve ser das mais agradáveis. (Adriane Lorenzon)

quinta-feira, 6 de outubro de 2011

Novidades


Amigos queridos visitantes do Driloren Para Maiores!

Tenho realizado diversas palestras por esse Brasilzão e, em breve, estarei postando fotos dessas viagens.

Aliás, vou aproveitar para postar fotos das minhas viagens a trabalho e das viagens planejadas ou não que faço sempre que me proponho a conhecer coisas novas, geografias e animais, culturas diferentes, pessoas incríveis dispostas a me mostrar algo mais da vida.

Aguardem!
Driloren