sexta-feira, 28 de setembro de 2012

Tudo de novo

Detalhe da urna eletrônica brasileira (Foto: autoria desconhecida)

Conhece um candidato que já demostrou incompetência, não consegue propor um projeto decente, e compra voto que é uma loucura? Ou o que “rouba mas faz”, e como autoridades têm o rabo preso ou fazem vistas grossas, continua se reelegendo? Ou o fulaninho que promete, promete... Seriam eleitos ou reeleitos por algum mágico que confirma nas urnas os votos necessários para tal intento? Ou os eleitores, ditos cidadãos, têm algo a ver com isso?

Claro que selecionar novatos não significa um maior ou menor percentual de honestos comprometidos com o fazer público. Nesse sentido, a lei da Ficha Limpa foi criada, justamente, para melhorar o perfil dos candidatos a cargos políticos no Brasil: quem tem “culpa no cartório” fica impedido de candidatar-se. Porém, a bola que levanto aqui, caro leitor, é quanto à postura, à conduta de cada um nos processos que somos convocados a participar.

Uma década atrás, confabulava com meus botões sobre votar nos “menos piores”. Perguntava aos amigos o que fariam naquelas eleições, pois não havia “o” nome para elegermos. A resposta era o silêncio ou a máxima: “É assim mesmo. Fazer o quê”? Meu irmão, mais avançadinho na prática da rebeldia, afirmava preferir o voto nulo a escolher, por imposição, o “menos pior”. Conscientemente, anulei meu voto pela primeira vez, e não doeu nada.

Embora tenha sido necessária, a obrigatoriedade do voto é um constrangimento para a democracia. Num voo a Cuiabá, um juiz, ao meu lado, dizia: “Somos obrigados a votar, não a escolher”. A desculpa para mantê-la, afirmando-se que ninguém mais iria votar, é pequena demais. Ao contrário, milhões de pessoas adoram política e votarão até o fim dos seus dias, por pior que seja a lista de candidatos. Todavia, facultar o voto deverá estar associado a significativos investimentos em políticas públicas; principalmente, na área de educação.

Se valorizamos a democracia, por certo a publicidade eleitoral deveria nos ensinar acerca de todos os tipos de voto, inclusive o nulo. O problema é que a “dita dura”, tão doída em nosso país, fica rondando e servindo como justificativa ad aeternum para formadores de opinião não debaterem temas complexos como o exercício da escolha. Então, se for o caso, digite um número fictício. A seguir, a tela informará repetidamente que você precisa corrigi-lo. Aperte a tecla verde de uma vez. Entretanto, saliento, essa é UMA opção, não a única.

Com a urna eletrônica, foi-se o tempo de votar no Macaco Tião (personagem emblemático dos cariocas de 1988)! Voto de protesto igualmente não pode ser direcionado para políticos do tipo Tiririca ou Enéas. Já que carregamos o fardo de, só assim, segundo alguns, mantermos a democracia, votemos conscientemente em quem fará algo mais, num crescendo, pela educação, saúde, pelo respeito à pluralidade de ideias, pela justiça social, cultura, cidadania...

Votar, sim, mas apenas naquele que não irá abortar um superprojeto, como o Temporadas Populares de Brasília da década de 1990, porque foi criado na administração anterior. Isto é, num político que, além de honesto – porque los hay, crea –, mostre a veia libertária na sua prática de vida para um mundo melhor, começando por si mesmo, sua família, rua, bairro, suas crianças e velhinhos, suas palavras, gestos, sua convivencialidade. Que lindo será esse dia! (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 21 de setembro de 2012

Muro das lamentações

(Arte: autoria desconhecida)

Atire a primeira pedra quem nunca reclamou. Eu, tu, ele. O ser humano aprecia sobremaneira. E para que servem lamentos? Nem conseguimos aprender a refletir, a nos tornarmos efetivamente responsáveis pelos direcionamentos de nossa vida! Queixas são saudáveis se passarem pela categoria de reivindicar a melhoria de algo: salário, condição de trabalho, moradia, saúde, educação. Note: reclamar por reclamar é discurso sem força e ressonância...

Na faculdade, combinávamos na sala que buscaríamos junto à direção ou a algum professor, benefícios para o corpo discente. Tudo ia muito bem, na maior empolgação. Quando nosso interlocutor chegava, ficava a Adriane procurando qualquer apoio dos colegas. Na hora de confirmarem o meu “Né, gente?”, o silêncio era ensurdecedor e derrubava qualquer possibilidade de negociação, e tudo ficava na mesma. Você estaria de qual lado, caro leitor?

Há quem suplique por uma doencinha, um mal-estar. Quer a todo custo uma enfermidade para que o mundo olhe para ele. É o chamado hipocondríaco. Um indivíduo que age assim chama a atenção para si, segundo seus desejos mais rasos ou profundos. Ocorre que, dessa forma, afasta pessoas que poderiam ajudá-lo. Entretanto, quem disse que o dito cujo quer se curar dessa doença horrível que padece? Não é exatamente ela que o faz sobreviver?

Nos dias de temperaturas congelantes, revelo meu lado insuportável. No Sul do país falo da temperatura, que não consigo me aquecer para trabalhar, que estou encarangada, que detesto o frio, e ironizo a graça de nascer neste Planeta... No verão, no Sul e no Norte, nos dias de 36 graus, com sensação térmica de 42, e o mormaço deixando essa vivente de mau humor, viro, aí, sim, um murmúrio só: calor, suor, rosto melado, tempo abafado...

Nesse sentido, torno-me igualzinha às criaturas que resmungam por outras coisas. De resto, vou administrando, já não rosno tanto, nem de coentro na comida. Pior é ser convidado para um almocinho especial por alguém que adora esse tempero. De longe você sente o cheiro da planta que parece salsa mas não é, e entende que não poderá degustar o prato com o mesmo prazer. Aí, não respira e engole rápido. Botando na balança, o amor do gesto amigo vale mais.

Falando em refeição, há quem reclame de barriga cheia. Se a mãe prepara o alimento com o que tem em casa: “De novo”? Se é de acordo com o paladar do filho, tem que ser composto de batata frita, bife, arroz e, talvez, uma rodela de tomate. Se tem polenta no cardápio, isso é gosto menor. Cá entre nós, desconheço povo mais feliz que o do Norte do país: pode comer açaí com farinha todo dia e a iguaria é sempre bem-vinda e festejada.

Difícil conhecer alguém que esteja contente com o que já tem: a saúde, a família, a cidade em que vive, o ambiente de trabalho, as roupas do armário. Chico Xavier, um dos meus maiores inspiradores, explica que a gente está onde devia estar. Enquanto nos orienta, sugere que não nos acomodemos num platô confortável, porém, aceitemos o que temos para hoje com mais gratidão e menos rabugice. Tenha a santa paciência: pessoas reclamentas são chatas demais. (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 14 de setembro de 2012

Salve, amizade!


(Arte: autoria desconhecida)

É no período de eleições que se observa como a amizade é forte, aguerrida e brava. As conhecidas e comuns barganhas nos levam a constatar o ditado: “Para os meus, tudo. Para os outros, nada”. Em pequenas localidades fica mais evidente porque todo mundo se conhece, as cores ficam mais coloridas. Brigas e ofensas defendem o sicrano que é mais honesto, mais competente, mais preparado, mais o quê, mesmo?

Num passeio, ouvi uma conversa de arrepiar. Uma pessoa gostaria de ir até um amigo que havia passado por uma enfermidade e estava em recuperação. Obtemperou que não poderia fazê-lo por conta da campanha eleitoral. Se fosse agora, o companheiro pensaria que o intento serviria para angariar votos para o partido do visitante. Contudo, segundo este, a iniciativa era motivada “só” pelo bem-querer.

Passaram-se dias, assuntei uma prosa parecida. Meu pai queria visitar alguém (sem intenção eleitoreira), mas se realizasse a cortesia, o carinho seria interpretado como interesse político. É como se, em tempos eleitorais, um decreto ou uma sentença imaginária fossem determinantes: visitas cordiais não existem; o anfitrião pensará, indubitavelmente, que o encontro tem motivos diversos da pura e fraterna parceria.

Há décadas observo relações sendo desfeitas por conta de partidos políticos. Gente que hoje está numa sigla, daqui a quatro anos em outra e, em igual medida, a camaradagem vai se deteriorando. Até membros de uma família tornam-se inimigos e demoram a voltar a se falar (ou nunca mais se quadram) por conta de agremiações partidárias. Na minha cidade natal isso é comum. Na sua, idem.

No Brasil, funcionários privados e servidores públicos são obrigados a saírem, durante ou fora do expediente, para trabalhar por um candidato. Alguns vão por conta própria. Como provar, perguntei a uma amiga que me contou um fato. “É complicado, pois ninguém quer se expor ou perder o emprego”, afirmou. Teria de montar, quem sabe, uma espécie de tocaia usando câmera e microfone escondidos para o flagrante? E os bacharéis concluiriam com riso de obviedade nos lábios: “É o ônus da prova”.

Tem ainda os cargos que são prometidos antes do pleito. Se você votar em mim e fizer campanha pelo meu nome, a secretaria disso ou coordenadoria daquilo já é sua. Ai, ai, ai, ai, ai. Depois, em janeiro, nos esforçamos para entender, em vão, por que o fulano, incompetente e boçal, é o escolhido para tal posto. Dá uma dorzinha de cabeça no começo, todavia, o povo se acostuma... Afinal, é assim há séculos... Será?

De que adianta sabermos dessas coisas, se temos de apresentar as provas? A não ser que tomemos o Ministério Público como aliado e ajudemos a limpar uma minúscula parte da sociedade. Quem se habilita a denunciar? Porque na hora H, o fulaninho considerado vítima não tem suporte e coragem suficientes de encarar o fardo e, irá fugir da raia – tadinho, foi ameaçado de demissão!  Em época de promessas e discursos políticos fico emocionada. Realmente, amizade é coisa séria. (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 7 de setembro de 2012

Medo do ridículo


Estátua de Tiradentes no centro de BH (Foto: Letícia Leite)

Em nossa cultura, ninguém gosta de ser ridículo ou ridicularizado. Percebeu isso? Ser alvo de zombaria é algo que não digerimos bem porque evidencia uma falha, um quê de desconcertante em nós – mostra a falibilidade da espécie. E ninguém almeja o fracasso, certo? Mas há uma frase que gosto muito, talvez de autoria de Confúcio, e a ideia principal é: o homem só evolui quando aprende a rir do seu próprio ridículo.

Coreanos, japoneses, chineses, taiwaneses, por exemplo, não têm medo de serem vistos como ridículos, de gostarem de coisas extravagantes, diferenciando-se dos ocidentais. Nas ruas brasileiras vendem desde utensílios relaxantes de cabeça até gaiolas cantantes de plástico. Tiram fotos com câmeras de última geração e passeiam por pontos turísticos com a curiosidade de uma criança. Visite as Cataratas do Iguaçu (PR) e saberá do que falo.

Dia desses, o músico cearense David Duarte postou na rede: “Ironia ou não, o ridículo quase sempre tem algo de muito original. Deve ser por esta razão que o confundem, em termos de arte, com ousadia”. É ou não é? Quando estou vestida de modo, digamos, peculiar, ouço elogios, principalmente de mulheres. Apostaria toda a minha fortuna [sic] que elas adoram o visual, de verdade; porém, muito mais porque desejariam vestir-se assim e não têm coragem.

Nesse sentido, paguei um supermico em Belo Horizonte (MG), num 19 de março, dia de São José. Daria uma palestra no interior do estado e saía da cidade, de carro e acompanhada de uma equipe, rumo à BR 040. A recém-apresentada Letícia contava que os mineiros dizem que em março, no dia 19, sempre chove bastante, a conhecida chuva das goiabas. Ouvindo isso e distraída com as novidades do trajeto, concluí que Minas teria um santo padroeiro, o São José.

De repente, entre a Brasil e a Afonso Pena, vejo uma estátua gigantesca e solto: “Olha, é o São José”? Todos se esforçaram para não rir de mim. Afinal, acabavam de me conhecer e eu era a convidada, impunha certo respeito. Então, discretamente, mas louca para cair na gargalhada, Letícia me socorre: “Não, Adriane. É o Tiradentes mesmo”. Até hoje, ao passar pelo mártir da Inconfidência Mineira em Belô, lembro-me da gafe e rio, como se escondesse um segredo.

Em outra feita, marquei depilação da virilha e ao me dirigir à sala reservada, a depiladora disse: “Fica à vontade que eu já volto”. Para mim, ficar à vontade nessas ocasiões significa tirar a calcinha para facilitar o serviço e evitar o lambuzo de cera na lingerie. De repente, ela volta e me vê deitada, toda tranquila, sem a roupa de baixo. “Pode botar a calcinha”, exclamou. Na cara da moça havia repreensão, como se me censurasse por tanta ousadia.

Então, caro leitor, até pagar King Kong faz parte das interações sociais. Entretanto, como sair das enrascadas que nos metemos? A propósito, o pior é aceitar que o ridículo é pessoal e intransferível. Como num palco, ficamos expostos. E ninguém nos impõe: “Seja ridículo”! Dessa forma, o ridículo é um tipo de ponte. Atravessá-la é uma prova, um desafio, um teste de sobrevivência e que ao passar para o outro lado nos tornamos menos deuses, mais humanos. (Adriane Lorenzon)