sexta-feira, 15 de novembro de 2013

Entrevistas malogradas

O multi-instrumentista Hermeto Pascoal (Crédito: autoria desconhecida)

No mundo do jornalismo, a depender do entrevistado ou mesmo do nível de tensão e responsabilidade pelo conteúdo, o jornalista, ao ter agendada uma entrevista, procura descobrir entre os colegas quem já entrevistou aquela figura, autoridade, artista. Quer saber se a criatura é acessível, estrela, objetiva, monossilábica, prolixa – algo que ajude muito ou atrapalhe o resultado. Porém, toda entrevista é uma caixinha de surpresas.

Tem estrela que o repórter aguenta pela cláusula do profissionalismo, porque a vontade do ser mais selvagem que vive nele é dizer poucas e boas. Assim foi com uma ex-colega e o ator e diretor Miguel Falabella, eu com o ator Du Moscovis (que só deve ter sido entrevistado, antes de mim, pela chamada imprensa marrom) e com Ruy Castro, o famoso jornalista e escritor, que, coitado, não sabia o que era educação.

A “rainha das fora da casinha”, segundo ela própria, a repórter Gherusa Cassol, contou-me uma pérola de sua época na RBS TV. A matéria era sobre cultura de feijão e soja, e o cinegrafista Elias Gotaski aplicou: “Esse tio não planta só feijão, ele planta sagu também”. Sem hesitar, a moçoila mudou a pauta e perguntou ao agricultor o porquê de ele cultivar o sagu. E a resposta: “Tu não vais muito pra fora, né, menina”?

Já Mércia Maciel da Rádio Câmara de Brasília lembra que ao entrevistar o ex-presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, lá pelo ano 2000, sobre DSTs, ele lascou: “... porque a espiroqueta da sífilis”... Mercinha segurou uma sonora gargalhada. O “mestre dos magos”, como era conhecido nos bastidores, falava da bactéria Treponema pallidum causadora da doença. Contudo, o ouvinte entenderia?

Entrevistar é entrar em sintonia num bate-papo com alguém. Mas se a coisa deslancha ribanceira abaixo, para voltar ao topo é quase impossível. Para mim, o desastre da não entrevista com Ruy Castro ou o ego inflado dele foi o de menos. Aprendi muito. Agora, entrevistar Tom Zé e Hermeto Pascoal e ser elogiada por eles, não tem preço. É uma questão de valor: vou guardar, não o elogio, mas o incentivo, para o resto da vida. (Adriane Lorenzon) 

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Como serei quando crescer?

(Arte: autoria desconhecida)

De vez em quando me vem à mente a minha vaga imagem no futuro. Como serei quando crescer? Uma das perguntas mais praticadas na infância serve agora em outro contexto e sentido. Como serei quando alcançar a plenitude da vida, a velhice? Como quero ser e o que estou fazendo para me tornar melhor? Serei rabugenta, mal-humorada, fofoqueira? Ou generosa, indulgente, menos reativa, mais compreensiva?

Outro dia tomava o café da manhã no restaurante do hotel, numa cidade em que não há o costume de pessoas estranhas dividirem a mesma mesa, que eu acho o máximo, diga-se de passagem. E uma velhinha de cabeleira alva sentou-se comigo, sem dizer bom dia, com licença, ou um sorrisinho amarelo que evidenciasse civilidade. Em troca, fiz um gesto de que aquilo era absolutamente normal e que ela era bem-vinda.

Como sou socrática até debaixo d’água, fiquei me questionando. Por que alguns idosos são amargos, até meio estúpidos, e outros são tão ao contrário? Resposta óbvia, diz o leitor: porque as diferenças existem em qualquer idade. Daí eu concluo: assim somos se assim nos construímos. Já percebeu que tem velhinho que morre reclamando da vida enquanto outros até o último momento distribuem pílulas de sabedoria?

Como serei quando crescer? Sempre divulguei aos quatro cantos que belíssima mesmo serei aos 60 anos. Idade, em que, imagino, estarei plena, no auge da existência. Talvez eu nem viva até lá e isso seja a maior bobagem. A maturidade nos oferece, aos poucos, uma espécie de riqueza que ninguém nos tira. No entanto, podemos compartilhá-la na maior prodigalidade o tempo todo, basta que estejamos atentos ao nosso redor.

E essa beleza, que se revelará a quem tiver sentidos para captar, virá como consequência do forjar-me ao crescimento, como o ferro ao fogo, o entalhar da madeira. Como eu quero ser quando crescer será como eu quero ser agora. Como está sendo o meu estar no mundo? Se não me conheço a ponto de ir me purificando, o que me espera na velhice? A resposta desse cálculo é subjetiva; também lógica e exata. (Adriane Lorenzon) 

sexta-feira, 1 de novembro de 2013

O primeiro livro que li

Coleção Monteiro Lobato (foto: autoria desconhecida)

O primeiro livro que li foi a coleção inteira de Monteiro Lobato. Contudo, as primeiras narrativas que tive acesso estavam nuns disquinhos coloridos, em LP, como Os Três Porquinhos, Cinderela, Branca de Neve. Eu apreciava muito quando a professora Ione permitia que eu ficasse ouvindo esses contos em vez de ir para casa mais cedo. Sozinha na escolha das histórias, eu me sentia o máximo em comandar as pick ups.

Mais tarde, veio a coleção Cachorrinho Samba de Maria Jose Dupré. Uma turma que se metia em trapalhadas, sempre acompanhada do cãozinho schnauzer. Um passo à frente, era hora de ler A Serra dos Dois Meninos de Aristides Fraga Lima. E, aos poucos, Érico Veríssimo se impôs na vida estudantil. Ler Érico Veríssimo no Sul do país era algo que facilitava a entender o contexto – a coxilha, o minuano, os castelhanos...

Na adolescência, eu era rata da Biblioteca Pública Municipal de Tenente Portela (RS). Aos 13, 14 anos, convivi com Niles, a bibliotecária. Pessoa formidável que compartilhava comigo pílulas poéticas. Quando pensava em ir à Biblioteca, já sabia que teríamos um momento só nosso, de pura emoção. Líamos de tudo quanto é poeta – em voz alta. É desse tempo que conheci Luiz de Miranda, Mario Quintana, Hilda Hilst.

Anos depois, atuando como entrevistadora, tive a oportunidade de conversar sobre o primeiro livro da vida de diversos escritores brasileiros. Entrevistei Moacyr Scliar, Mary Del Priore, Eva Furnari, Milton Hatoum, Zuenir Ventura, Martha Medeiros... E todos tinham alguma peripécia para contar de suas experiências com o livro na infância. Isso foi no programa Quando Eu Era Criança da Rádio Câmara de Brasília. Valeu, Humberto!

Para mim, é impossível esquecer o furor que alguns personagens causam ao longo da vida. Imaginar o Saci rodopiando na cozinha do Tio Barnabé, e recordar de outros mais intensos, como Dom Quixote e Diadorim, é algo que ficará para sempre. Agradecida estou por amar a leitura e a escrita desses homens e mulheres que transformam meus textos, meu sentir, meu viver. Caro leitor, qual foi o primeiro livro que você leu? (Adriane Lorenzon)