(Foto: autoria desconhecida)
Quando Betinho, o sociólogo mineiro, lançou a campanha “Ação
da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e Pela Vida”, em 1993, despertamos para
uma consciência integral de que a vida do próximo valia tanto quanto a nossa e
de que precisávamos fazer algo para minimizar as dores provocadas pela fome e a
miséria. Começaram, então, a pipocar pelo país inúmeros comitês para recolher
alimentos e oferecê-los aos necessitados. Todos queriam ajudar.
A Campanha da Fome é um marco quanto à organização dos brasileiros
em prol de tema tão complexo – sem dono, qualquer um podia contribuir. O ator
Paulo Betti, apoiador do projeto, diz em vídeo produzido pela TV Senado que
Betinho tocava num ponto crucial: não adiantava falar de ética sem antes
resolver a questão da fome. Na época, 32 milhões de habitantes viviam na
miséria absoluta; hoje, o número baixou para a casa dos 16 milhões. Um dos slogans insistia em nos cutucar: “Fome,
não dá pra esquecer”.
Recentemente, numa conversa polêmica com uma conhecida – e
eu estou me educando para fugir de controvérsias vãs, pois não levam a nada –
observei como tal figura estava sendo reacionária. Repetia um discurso que
aprendeu por aí, talvez nem fosse dela essa linha de raciocínio. Dizia-me que quem
ganha o Bolsa-Família não precisa nem quer trabalhar, ou seja, está só vagabundeando
e o governo custeando esse comportamento.
A divergência ocorreu porque a criatura se amparava em uma
opinião conservadora. E eu defendia uma postura mais justa socialmente,
portanto, menos ortodoxa. E por quê? Porque a dor alheia me dói. Como saber da
miséria dos outros e não fazer nada? Como apontar o dedo para aquilo que não se
vivencia? Nesse sentido, tenho procurado desenvolver uma visão mais humanizada
– não estou pronta, mas avanço a cada dia, tentando melhorar meu estar no mundo.
Vamos entender: seres boçais são aqueles que veem tudo sob o
prisma do julgamento sem vivenciar ou, pelo menos, estudar a situação daquilo
que julgam. Geralmente são teimosos, não admitem outra versão dos fatos que não
a deles. Ignorantes, indivíduos reacionários se apegam sobremaneira ao instituído,
por exemplo, quanto à miséria e ao difícil viver – dos outros. Mudar para quê,
se para mim está bom, devem pensar.
Contudo, gosto de escarafunchar a vida. Considerei que a
moça pudesse ter alguma razão. Assim, parti para a pesquisa empírica – fui passear
pelas ruas de cidades em que trabalho e fazer aquilo que aprendi com Sócrates –
acho que aprendi: observar. Vi um país se desenvolvendo: não por obra deste ou
daquele partido, mas por ações que vêm sendo realizadas ao longo de décadas, e,
aos poucos, bem aos poucos, melhoram a cara do Brasil.
Claro, a fase de saciar a fome poderia
se fundir agora (pois ainda há famintos) à nova etapa de realizações: elevar a qualidade
dos programas de saúde, reformar a educação e a política, regular a
comunicação, criar políticas públicas de segurança e de combate à drogadição, gerar
trabalho e renda, fazer uma eficiente e eficaz reforma agrária... Ou seja, uma
sociedade sustentável, justa, autônoma. Façamos aquilo que Betinho nos
instigou: realizar o exercício amoroso da cidadania onde quer que nos
encontremos. (Adriane Lorenzon)
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