sexta-feira, 18 de maio de 2012

Bolsa-cidadania


(Foto: autoria desconhecida)

Quando Betinho, o sociólogo mineiro, lançou a campanha “Ação da Cidadania Contra a Fome e a Miséria e Pela Vida”, em 1993, despertamos para uma consciência integral de que a vida do próximo valia tanto quanto a nossa e de que precisávamos fazer algo para minimizar as dores provocadas pela fome e a miséria. Começaram, então, a pipocar pelo país inúmeros comitês para recolher alimentos e oferecê-los aos necessitados. Todos queriam ajudar.

A Campanha da Fome é um marco quanto à organização dos brasileiros em prol de tema tão complexo – sem dono, qualquer um podia contribuir. O ator Paulo Betti, apoiador do projeto, diz em vídeo produzido pela TV Senado que Betinho tocava num ponto crucial: não adiantava falar de ética sem antes resolver a questão da fome. Na época, 32 milhões de habitantes viviam na miséria absoluta; hoje, o número baixou para a casa dos 16 milhões. Um dos slogans insistia em nos cutucar: “Fome, não dá pra esquecer”.

Recentemente, numa conversa polêmica com uma conhecida – e eu estou me educando para fugir de controvérsias vãs, pois não levam a nada – observei como tal figura estava sendo reacionária. Repetia um discurso que aprendeu por aí, talvez nem fosse dela essa linha de raciocínio. Dizia-me que quem ganha o Bolsa-Família não precisa nem quer trabalhar, ou seja, está só vagabundeando e o governo custeando esse comportamento.

A divergência ocorreu porque a criatura se amparava em uma opinião conservadora. E eu defendia uma postura mais justa socialmente, portanto, menos ortodoxa. E por quê? Porque a dor alheia me dói. Como saber da miséria dos outros e não fazer nada? Como apontar o dedo para aquilo que não se vivencia? Nesse sentido, tenho procurado desenvolver uma visão mais humanizada – não estou pronta, mas avanço a cada dia, tentando melhorar meu estar no mundo.

Vamos entender: seres boçais são aqueles que veem tudo sob o prisma do julgamento sem vivenciar ou, pelo menos, estudar a situação daquilo que julgam. Geralmente são teimosos, não admitem outra versão dos fatos que não a deles. Ignorantes, indivíduos reacionários se apegam sobremaneira ao instituído, por exemplo, quanto à miséria e ao difícil viver – dos outros. Mudar para quê, se para mim está bom, devem pensar.

Contudo, gosto de escarafunchar a vida. Considerei que a moça pudesse ter alguma razão. Assim, parti para a pesquisa empírica – fui passear pelas ruas de cidades em que trabalho e fazer aquilo que aprendi com Sócrates – acho que aprendi: observar. Vi um país se desenvolvendo: não por obra deste ou daquele partido, mas por ações que vêm sendo realizadas ao longo de décadas, e, aos poucos, bem aos poucos, melhoram a cara do Brasil.

Claro, a fase de saciar a fome poderia se fundir agora (pois ainda há famintos) à nova etapa de realizações: elevar a qualidade dos programas de saúde, reformar a educação e a política, regular a comunicação, criar políticas públicas de segurança e de combate à drogadição, gerar trabalho e renda, fazer uma eficiente e eficaz reforma agrária... Ou seja, uma sociedade sustentável, justa, autônoma. Façamos aquilo que Betinho nos instigou: realizar o exercício amoroso da cidadania onde quer que nos encontremos. (Adriane Lorenzon) 

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