domingo, 29 de setembro de 2013

Lenço nos olhos

(Charge: Bier)

Ao publicar esta crônica, sinto que estou cutucando a onça com vara curtíssima... E se descobríssemos um lugar que comemorasse, anualmente, infortúnios tipo o massacre de minorias nos campos de concentração alemães, ou chacinas como a dos presos do Carandiru em São Paulo? As pessoas, de modo geral, não teriam passado do nível básico acerca do porquê daquilo. Lá, estaria a mídia, favoravelmente cobrindo.

Isso foi só uma reflexão inicial. Corta. Perto de nós, no Rio Grande do Sul (e por onde mais se espalha a gauchada), não são festejadas as mortes citadas. Contudo, celebra-se a Revolução Farroupilha (1835-1845) e, consequentemente, as mortes, desgraças, torturas, conchavos daquele período. Quem participa da festa setembrina sabe que o que menos se quer nos acampamentos farroupilhas é estudo, pesquisa e meditação.

Não sou contra que as pessoas se divirtam, entende? Aliás, a alegria é sempre bem-vinda. Que comam o prato preferido, recitem poemas, vistam a bela pilcha, tomem o chimarrão. Porém, compreendendo o que isso representa. Até imagino um sábio historiador contando causos nas rodas de acordeona, e os peões e prendas indecisos entre tirar o lenço dos olhos e seguir abraçados às ilusões da versão oficial dos fatos.

Para mim, é angustiante a falta de consciência e questionamento quase que decretada sobre as vitórias e derrotas ocorridas nos pagos do Sul do país. Lacuna essa reforçada por escolas, poderes públicos, formadores de opinião... Destaca-se a bravura do povo, as epopeias, as conquistas, mas pouco se declama criticamente a respeito dos insucessos e equívocos, como a “trairagem” contra os bravos Lanceiros Negros.

Talvez porque o ser humano ainda necessite vangloriar-se com suas pretensas grandezas, camuflando o que nos envergonharia. O engraçado de tudo isso, para não dizer trágico? É que o cidadão gaúcho, considerado, muitas vezes, por si mesmo, como o mais politizado do país, num contrassenso, esbarra nessas pegadinhas que o enredo contado pelos vencedores e seus asseclas sempre terá um novo capítulo a distorcer. (Adriane Lorenzon)

quinta-feira, 12 de setembro de 2013

Por uma alfabetização integral



 (Arte: autoria desconhecida)

Antes, o que assustava intelectuais, alguns políticos e a própria sociedade era a imagem de um analfabeto manchando a ponta dos dedos com tinta para assinar um documento. Hoje, isso ainda surpreende, mas temos evoluído e exigido um pouco mais de nós mesmos; agora, é de se apavorar também quando encontramos um analfabeto funcional: indivíduo alfabetizado e que não consegue ligar o texto às entrelinhas.



Em setembro, no dia 8, é comemorado o Dia Internacional da Alfabetização, para lembrar o significado de aprender a ler e escrever. Como salientei, não é só isso. Ao juntarmos as letras numa palavra, numa frase, num texto, precisamos fazer as devidas conexões com a vida concreta. Senão, corremos o risco de o mundo enfraquecer em seu intento pela paz, pelo desenvolvimento, na compreensão e autonomia dos povos.



De acordo com a Unesco, atualmente, 84% da população mundial pode ler e escrever, diferente dos 76% de 1990. Dados de 2009 apontam que 793 milhões de adultos carecem de alfabetização básica – na maioria mulheres. E mais: 67 milhões de crianças em idade escolar e 72 milhões de adolescentes não estão matriculados. Entenda, a alfabetização é um direito humano, idêntico à liberdade, ao respeito, à segurança...



Nesse contexto, surpreendente mesmo é conhecer educadores que se esmeram em uma prática educativa de alfabetização emocional. Não apenas nos anos iniciais da educação básica, mas em toda sua vivência como professor e ser humano que é. Tal projeto valoriza as emoções e os sentimentos do indivíduo, isto é, suas subjetividades – complexas e distintas do pensamento exato e compartimentado de até então.


Assim, nas sociedades dos séculos XIX e XX não havia espaço para as incompletudes, limitações e virtudes humanas. Com o século XXI a todo vapor, bit e byte, somos forjados à cooperação, ao autoconhecimento, à compreensão, ao respeito às diferenças... Desse modo, a alfabetização é o elemento propulsor desta grande rede internacional em que a integração e o diálogo são imprescindíveis. Salve, século XXI! (Adriane Lorenzon)

quinta-feira, 5 de setembro de 2013

Independência ou...

(Arte: autoria desconhecida)

Quando o país se encontrava às margens da bancarrota com a inflação lá em cima e inúmeros empréstimos tomados do Fundo Monetário Internacional, o temível e terrível FMI, os movimentos sociais diziam que precisávamos nos independentizar dessa extorsão. Aos poucos, o Brasil se fez “livre”, então, de instituições e países com generosidade duvidosa. E o tema da independência parece ter se arrefecido...

Todo dia 7 de setembro é a mesma coisa. Durante a semana, um documentário na tevê paga ou pública sobre a história do Brasil; nas escolas, talvez, um apanhado do que é a data que lembra o ano de 1822; no dia, a mídia transmite os desfiles comemorativos e alguns grupos manifestam-se contra um fato ou medida do governo de sua época. Para 2013, as massas prometem invadir as cidades: “Vem pra rua”!

Falando nisso, em diversas localidades brasileiras, desde os anos 1990, entidades sociais realizam o Grito dos Excluídos na Semana da Pátria. O manifesto convoca a sociedade a refletir sobre a exclusão social no Brasil e culmina no dia 7 objetivando, segundo o site gritodosexcluidos.org, transformar a participação passiva da população nas comemorações dessa data em cidadania consciente e ativa. Da hora, não?

Mas de qual independência estamos falando? No portal há uma pista: “A verdadeira independência passa pela soberania da nação”. E o que é um país soberano? Aquele que “costura laços internacionais e implementa políticas públicas de forma autônoma e livre”. Em que organizações variadas da sociedade, incluindo o Estado, e a população inteira se esforçam solidariamente para construir uma vida digna e justa para todos...

E tem mais, ainda que seja o repeteco da mesma lição que sabemos de cor: a única forma de nos independentizarmos efetivamente, tornando-nos autônomos, é pela educação. Uma educação libertária, que estimule o despertar da curiosidade, da própria autonomia, da reflexão, da afetividade, do autoconhecimento... Bem, se sairmos da escola tendo aprendido a reflexionar, já seremos uma pátria de verdade. (Adriane Lorenzon)