sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

Verbo esperançar

Gafanhoto conhecido como Esperança (foto: Joel Júnior)

Partidária do ditado “a esperança é a última que morre”, um dia fui surpreendida de forma retumbante ao ouvir de alguém que “a esperança não é a última que morre; ela não morre”. De imediato, aquilo foi um divisor de águas. Era uma lógica completamente diferente de entender a vida, de se portar frente aos obstáculos e dificuldades inerentes a um caminhar plural, autoeducativo, fora do padrão social, em tentativa constante de ser mais amoroso.

Nesse sentido, uma das frases prediletas de minha mãe, quando visitava doentes no único hospital da cidade em que vivia, era: “Coragem”! Certa vez, eu a acompanhei num desses “passeios” de encorajamento e fiquei contagiada pela força que saía de suas palavras simples e pelo olhar reanimado dos internados. Antes de morrer, disse-me estar preocupada com seus velhinhos e doentes, queria tanto não partir na grande viagem para continuar cuidando deles.

Tem alguma coisa que nos motiva e nos põe em ação, percebeu? O que é afinal que não nos deixa desistir? O que é que nos faz levantar da cama todos os dias e tomar um banho, um café e sair rumo a um trabalho, que nem sempre gostamos ou nos identificamos? Seria apenas o mísero ou supersalário que não paga a consciência tranquila, a paz de espírito, o bem estar no mundo? Quiçá, os sapos que muitos precisam engolir diariamente? Ou seria algo mais?

Sem a esperança em dias melhores, que alguns chamam de fé, não teríamos inventado engenhosidades que tornam a vida atual bem mais fácil: criar a roda, desbravar terras, revolucionar tecnologias, produzir vacinas e medicamentos. Em vários casos, não existiam dados, comprovações, certezas – apenas um quê impulsionando a humanidade a progredir. E os que ousaram ou se atrevem pensar em coisas impalpáveis são chamados de loucos.

Eduardo Galeano conta que um inexperiente médico foi chamado às pressas para ajudar no difícil parto de um menino. Ao chegar, viu que o pai havia tentado puxar a criança e o bracinho caía desfalecido. Pensou o socorrista que não tinha mais nada a fazer. Contudo, fez um carinho no pequeno braço. Ao tocar a mão do moleque, esta “se fechou e apertou seu dedo com força. Então o médico pediu que alguém fervesse água, e arregaçou as mangas da camisa”.

Para mim um desconhecido, Nelson Henderson nos estimula: “O verdadeiro significado da vida é plantar árvores, sob cujas sombras você não espera sentar”. Assim é a educação. A gente planta e semeia em todo tempo e lugar – um dia, quem sabe, o broto se faz verde. Já o poeta libanês Khalil Gibran arremata: “O entusiasmo é um vulcão em cuja cratera não cresce a relva da hesitação”. Dois caras que animam nossa empreitada de recriar a vida a cada amanhecer...

Lembro-me ainda de Mario Quintana: “Lá bem no alto do décimo segundo andar do ano mora uma louca chamada Esperança. E ela pensa que quando todas as sirenas, todas as buzinas, todos os reco-recos tocarem atira-se. E – ó delicioso voo! Ela será encontrada miraculosamente incólume na calçada, outra vez criança... E em torno dela indagará o povo: – Como é teu nome, meninazinha de olhos verdes? E ela lhes dirá (É preciso dizer tudo de novo!). Ela lhes dirá bem devagarinho, para que não esqueçam: – O meu nome é ES-PE-RAN-ÇA”... (Adriane Lorenzon) 

sexta-feira, 21 de dezembro de 2012

Fim do mundo


Irmã Dulce, exemplo de vida (Foto: autoria desconhecida)

Para mim, o fim do mundo é mais embaixo, num buraquinho escondido, cheio de máscaras e disfarces: maledicência, desrespeito, arrogância, relações afetivas doentes, egoísmo, julgamentos, hipocrisia... Entretanto, já que o povo Maia resolveu fazer uns cálculos, que têm certo sentido, a gente acaba por parar um instante e se perguntar: seria mesmo o fim? Se sim, vai ser um baita susto para muita gente. Se não, tudo continuará como dantes. Será?

O que mais me instiga a refletir sobre o tema apocalíptico é imaginar que se fosse agora a minha partida, eu não teria feito praticamente nada em nome da humanidade. Está bem, em prol do outro, aqui do lado, já bastaria: um tanto de caridade, a mesa farta compartilhada, essas coisas que a gente imagina “conseguir” fazer quando ganhar a Megassena da Virada. Quase 200 milhões de reais me auxiliariam a desapegar, como se diz por aí, fácil, fácil...

Nascida em família pobre, materialmente falando, meu destino estaria desenhado: estudar até no máximo o ensino médio. E precisaria agradecer porque a cidade em que vivia dispunha do curso de magistério para garantir a brilhante carreira profissional feminina – e de alguns homens mais ousados. Mas eu fui além, pelo meu esforço, e muito antes, pelo incentivo de meus pais que sempre estimularam os filhos a estudar e buscar o aperfeiçoamento.

A propósito, eu mesma paguei dois cursos superiores e consegui uma vaga no mestrado de uma instituição pública. Só por isso, eu deveria devolver à sociedade um pouco daquilo que recebi, e procuro fazer, embora nunca seja suficiente. Estou sempre em dívida. Lembro-me de Chico Xavier reconhecendo que não havia realizado uma décima parte do que deveria fazer para ajudar a humanidade: melhorar o seu redor, a dor alheia, a fome do próximo.

Um incômodo enche os olhos ao se ouvir criaturas loucas de medo do fim do mundo. Tem gente que preparou um bunker para estocar água e comida e se proteger durante a possibilidade de três dias de escuridão e revolta da natureza. Imagino que quem viveu passeando e resmungando até agora, sem noção de que tudo é mais além, deva mesmo estar preocupado. “Viver é muito perigoso”, dizia Guimarães Rosa. Esse mineiro sabia das coisas...

Paulinho Moska canta: “O que você faria se só te restasse um dia”? Vai dizer que ia deixar de pagar as contas, beber até cair, empanturrar-se de guloseimas, copular irresponsavelmente, só porque o tempo de protelar mais uma vez estaria se findando? Nossa, você conseguiria ser assim tão previsível?! O mundo vai se acabar em algum momento, no âmbito da matéria, para todos nós. Deixe a ficção científica para os diretores e roteiristas de cinema; eles são ótimos nisso! Sugestão: pegue uma enxada e cuide de seu quintal! Há flores querendo desabrochar!

Desse modo, a partir de leituras e convicções, acredito que não será agora a derradeira incursão humana na bolinha azul do universo. Para mim, é muito mais assustador pensar que o meu fim chega todas as vezes que não consigo ser mais amorosa, paciente e compreensiva com meu próximo. Isso, sim, me mata, me aniquila! Ando com uma pressa urgentíssima de fazer algo mais, de oferecer daquilo que já recebi tanto, de ajudar a tornar, agora, o mundo um pouco mais alegre, leve, inclusivo, amoroso e interessante de se viver. Bora lá comigo? (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 14 de dezembro de 2012

Estado laico


Quando juntos, Estado e religião fazem muito estrago (Arte: autoria desconhecida) 

Um assunto tomou conta das rodas de amigos, das salas de aula, do governo federal, de programas nos meios de comunicação: o Estado laico. Por conseguinte, justiça, educação, legislativo idem. Mas o que é laico? Trata-se de algo fora do âmbito religioso, ou seja, o Estado mantém-se neutro quanto a questões religiosas. Assim, por exemplo, educação laica é aquela que não defende uma religião apenas, mas todas e, ao mesmo tempo, nenhuma. A escola de seu filho promoveria uma educação sem dogmas e verdades absolutas.

Quando um grupo se incomoda com a expressão Deus Seja Louvado do papel-moeda brasileiro, essa classe defende um Estado laico. Para tanto, este não deveria se envolver com tais ideologias, já que, sendo uma espécie de grande pai, precisa respeitar todas as ideias de seus filhos, inclusive dos agnósticos e ateus. Diga-se de passagem, uma ponderação coerente e lógica, já que somos plurais. A propósito, Religião e Estado juntos? Revisite os livros de história...

Nesse contexto, as cruzes representativas do catolicismo instaladas nas salas em que a justiça e o direito transitam, estão fora de lugar. Torna-se também incongruente a obrigação de entoar musiquinhas e orações imposta às crianças em escolas públicas pela bandeira única do cristianismo erguida por professores desinformados – mesmo que a doutrina não represente a fé que os pais professam (a criança ainda vai demorar um pouco para fazer escolhas).

Recentemente, o Ministério Público Federal de São Paulo solicitou a exclusão da referida frase de nosso dinheiro. A Sétima Vara da Justiça negou o pedido com base na informação do Banco Central de que a simples retirada das três palavras custaria a bagatela de 12 milhões de reais aos cofres públicos. Além disso, a decisão judicial concluiu que “não se aferiu a existência de oposição aos dizeres inscritos nas cédulas no âmbito do seio social”.

Quanto aos gastos, é certo que os evitemos considerando que temos a educação e a saúde como prioridade de investimento. Para o procurador que requereu a ação, Jefferson Dias, basta que as notas sejam substituídas gradativamente. O parecer evidencia que “a alegação de afronta à liberdade religiosa não veio acompanhada de dados concretos, colhidos junto à sociedade, que denotassem um incômodo com a expressão ‘Deus’ no papel-moeda”.

Se a questão é essa, faz-se um projeto de consulta popular para saber a opinião dos brasileiros. Sem gastos, tudo bem. Com gastos, soy contra (corredores de hospitais clamam atenção!). Entretanto, o IBGE é suficientemente habilitado, competente e transparente para garantir lisura no levantamento estatístico – o que reduziria custos. Porém, pense um pouco. O Brasil, país de maioria crente, ou seja, que crê em Deus, responderia o quê?

Embora cristã, concordo com a tese de que o Estado deve ser laico, e, igualmente, o governo, a educação, a justiça, o legislativo... Contudo, o que está em jogo, a partir dessa breve celeuma, é que precisamos urgentemente melhorar a educação para que a grande massa bote para funcionar a massa encefálica da nação. Sem educação, vamos continuar desviando o foco para discussões tolas, sendo cristãos, ateus ou qualquer tendência filosófico-religiosa que tenhamos adotado. Pensemos, por favor! (Adriane Lorenzon)

sexta-feira, 7 de dezembro de 2012

Cinco passos para transformar o mundo


(Arte: autoria desconhecida)

Às vezes, me perguntam: “Como, afinal, melhorar o mundo a partir de nosso estar no planetinha azul”? A resposta é simples. O complicado é acoplar a receitinha ao modus vivendi de cada um, pois quase ninguém quer agir nessa seara, tamanha a dor de cabeça que é sair do quentinho da preguiça. Contudo, com apenas duas mãos, vou morrer tentando aprimorar o mundo, nem que seja o meu interior. Daí o imperativo de um querer profundo.
 
Nesse sentido, a primeira coisa é observar-se, descobrir-se, criar um filme da sua vida até então, reconhecendo seu papel na família, no trabalho, nos círculos sociais. Qual é a sua onda, saca? Esta é a fase do autoconhecimento. Que leituras poderiam ajudá-lo nessa empreitada e o que o auxiliaria a desenvolver um olhar abrangente, menos endurecido frente à existência? O que você faria para aperfeiçoar o seu redor, a começar pelos recôncavos de si mesmo?

Ao me dar conta da necessidade de minha própria modificação, uma das providências foi reduzir os palavrões e usar vocabulário sem tanta grosseria. E isso acontece no dia a dia, não tem essa de inventar retiro espiritual para conseguir. Trata-se de uma decisão politicamente correta que não chateia, porém eleva a aura a sua volta. Por conseguinte, aos poucos, além das palavras, vão-se os pensamentos arcaicos desse homem velho que vive em mim.

Fácil perceber que a gente fica com uma vontade incontrolável de ocupar-se com temas nobres. É a mudança de atitude. Como, por exemplo, elogiar as pessoas, evitar apelidos constrangedores e gozações, passar a agradecer por tudo – até quando ajudamos, percebemos que fomos assistidos –, o desejo de impor nossa opinião diminui muito, já não fazemos questão de termos razão, e ainda que sofregamente, seguimos rumo a um viver pleno.

E o respeito? Ô palavrinha bonita. Não custa nada e ao mesmo tempo é artigo de luxo. Não julgar, deixar a hipocrisia de lado, optar pela gentileza (para virar hábito), reconhecer as potencialidades do outro, ser indulgente porque o amanhã nos mostrará o revés... Sem falar que as diferenças existem – chega de achar que a vastidão é só aquilo que nossa janela aponta. Há nuanças que nem desconfiamos existir, até o dia que nos atrevemos mirar além...

A quinta fórmula para desembolar o emaranhado que trançamos o mundo é o óbvio. Não se lembra, caro leitor? Trata-se da chave dourada para todas as fechaduras enferrujadas. Para ele os caminhos se abrem. O amor. O amor se traveste de várias maneiras: um abraço, um sorriso, uma conversa demorada com o desconhecido carente de atenção, um cliente que você atende como se a presença dele, ali, fosse alterar substancialmente a sua vida. Experimente!

É claro que falando assim parece fácil, simples e rápido. Parece, não. É. Ocorre que os humanos preferem dar uma embromadinha. A propósito, eu poderia elencar outros 500 passos para refinar o mundo. Mas se conseguíssemos realizar o que Teresa de Calcutá nos ensinou, já estaria de bom tamanho. “Não devemos permitir que alguém saia da nossa presença sem se sentir melhor e mais feliz”. Ah, moleque, vai fundo! (Adriane Lorenzon)