(Arte: autoria desconhecida)
Tenho me segurado para deixar pessoas mais habilitadas
escreverem sobre o Big Brother da rede Globo. Irresistível coceirinha cresce e,
então, cedo e meto a colher. Não quero tratar do possível estupro ocorrido
diante das câmeras, se foi ou não abuso sexual, se houve racismo, se a menina
também deveria ser escorraçada do reality
show. Entretanto, o que gira em volta dessa polêmica? O que sabemos e fazemos
da comunicação no Brasil? Quanto lixo insistimos em tolerar no rádio e na televisão?
Sentimos algo podre no ar?
Meu amigo, professor de Serviço Social, da Universidade de
Brasília, Perci Coelho de Souza, perguntava-me, na época da primeira temporada do
BBB, em 2002, se a produção teria vida longa. “O Big Brother nasceu para ficar”,
afirmei meio em dúvida. Afinal, não havia estudado ou assistido suficientemente
a esse espetáculo dos horrores da indústria cultural. Intuitiva ou obviamente,
acertei o prognóstico – vide as 11 edições seguintes. O primeiro mostrou a que
veio e, nos demais, tudo piorou. Percebeu?
Só aumentou o estímulo ao sexo casual, relações
irresponsáveis e interesseiras, excesso de bebida, futilidades elevadas à
categoria de bens duráveis. E o dinheiro, a cada paredão, engordando os cofres
da Vênus Platinada – como é conhecida a empresa da família Marinho. Recentemente,
o Ver TV, apresentado por Lalo Leal Filho da TV Brasil, levantou a bola quanto
aos disparates exibidos (e ocultados pelo diretor Boninho) a cada edição. Se em
2012 o problema é um estupro, no passado especulou-se gravidez, bulimia, e o
que mais?
No capítulo V da Constituição Federal de 1988 estão os norteamentos
da Comunicação Social do país. Os veículos devem seguir princípios básicos nas
programações. Por exemplo: preferência a finalidades educativas [que produções de
rádio e tevê nos educam?]; respeito aos valores éticos da pessoa e da família [o
que significa respeito nas novelas?]; promoção da cultura nacional [quais “músicos”
nos representam na mídia? quem são Manassés, Vital Lima, Selmma Carvalho?].
A licença das emissoras poderá ser suspensa. Está na lei.
Porém, tornou-se hábito dos cidadãos, também donos dos canais, pois são bens
públicos, ficarem quietinhos deixando os empresários, ditos proprietários na prática,
resolverem suas (ir)responsabilidades e decidirem o que queremos assistir e
ouvir. E assim, vamos engolindo porcarias. Há quase 24 anos, entidades sociais
batalham pela instituição, de fato, do Conselho de Comunicação Social – CCS,
previsto na CF, para ajudar a definir as regras da comunicação brasileira.
Mas não avançamos. Hoje, nada acontece à estação que veicula
conteúdo que promove comportamentos sociais rasteiros. Aliás, nadica de nada. Por
que haveria alguma penalidade ao BBB? No rádio, há muita música estimulando a
violência, o uso de drogas, relações casuais? Desligue. Mudar de canal talvez
possa ajudar. Ao ouvir coisas edificantes, evoluiremos. Continue ouvindo imundícies
que sua mente será uma pocilga. Se a programação está pobre, entendamos: a
comunicação almejada é resultado de nossas escolhas nas urnas, no controle
remoto, nas leituras que fazemos e na vida que levamos.
Por que autorizamos a Globo a manter um programa de tão
baixa qualidade quanto o BBB? Por que não nos juntamos ao coro do Fórum Nacional
pela Democratização da Comunicação? Um dos nomes do movimento de ampliação do
acesso à mídia, Daniel Herz, publicou A
história secreta da rede Globo (1987). Para o autor, “há algo que só se
começa a perceber olhando-se por trás da Globo. A maior parte do que se vê e do
que se ouve na Globo só adquire coerência se estivermos atentos para o sentido
de tudo o que lá se produz”.
Todavia, se aprendermos a olhar por trás da
mídia em geral, deduziremos: somos capazes de barrar essa baixaria toda. Sempre
digo aos meus alunos: “Precisamos reaprender a falar, a ver, a ouvir, a ler.
Chega de sermos analfabetos funcionais”. O mundo em que vivemos exige que
saibamos interpretar as entrelinhas, as pausas, os gaguejos, os silêncios. Outro
dia, o jornalista Carlos Nascimento, ex-Globo e apresentador do Jornal SBT
Brasil, desabafou indignado com o falatório em torno do BBB e do caso Luiza, a
moça do Canadá: “Ou os problemas brasileiros estão todos resolvidos, ou nos
tornamos perfeitos idiotas. Já fomos mais inteligentes”. (Adriane Lorenzon)