sexta-feira, 11 de março de 2011

O preço de ser solteira

(Foto: Rose Bär, UFSC, Florianópolis, 2010)


Minha mãe era chamada de solteirona quando se casou aos 26 anos. Sim, uma mulher de sua época devia estar de aliança no dedo esquerdo aos 16, 19 no máximo. Hoje, os insultos sociais para mocinhas não-casadouras subiram à categoria de plural. Muito mais que a palavra, a dor maior é pela metodologia da fala, a sonoridade da interpretação, o líquido escorrendo no canto da boca do inquisidor.

Por eu ainda não ter casado, já ouvi algumas “impropriedades vocabulares”. Teve gente definindo minha orientação sexual porque tenho amigos gays e quem me considerasse uma moça de vida fácil porque tenho amigos homens. Sem falar naqueles que, contrapondo a alternativa anterior, exatamente por não me virem com um namorado hoje e outro amanhã, intitularam-me mal-amada. Mesmo não dando tanta importância à opinião alheia, escutar bobagens e grosserias faz cansar ouvidos mais exigentes.

Certa feita, uma criatura, com a melhor das intenções e muito atrevimento, sentenciou: a convivência com amigas lésbicas atrapalhava e, por isso, indicou-me a solução, assim, na cara dura; eu devia deixar de conviver com elas. Para esse indivíduo a amizade era algo banal e só desse modo eu conseguiria obter a façanha de arrumar um namorado. Tenso, diria meu amigo Roger. No meio dessa celeuma, se eu tivesse um namorado seria fator preponderante para ser absolvida de tanta barbaridade. E se eu tivesse casado e me separado, serviria também. Viúva? Idem. Não importaria minha felicidade; teria, sim, provado em praça pública uma espetacular vitória na vida sentimental. 

Faz-me rir. Nossa cultura é pródiga em inculcar nas mulheres que vamos encontrar o príncipe encantado, ter apenas filhos saudáveis, morar numa casa com o carro do ano na garagem e viver uma vida de comercial de margarina. E de tanto ouvir ao longo dos tempos, muitas de nós, acreditamos. E provavelmente, quase todas. Algumas omitem de si mesmas a cruel verdade. Porque, cá entre nós, é duro ter de admitir essa mentirada toda.

Considero-me uma mulher minimamente resolvida com as minhas dores, limitações e anseios. Moro há mais de duas décadas sozinha e descobri o lado bom da solidão. Minha companhia é maravilhosa comigo mesma; não preciso ir a uma festa insalubre, entupida de gente, na expectativa de encontrar um homem e, só então, ser feliz. Ele não estará lá. Conheço-me o suficiente para afirmar isso. Talvez numa viagem, numa livraria, numa trilha por cachoeiras ou cavernas, ou mesmo ao meu lado no ambiente de trabalho. Mas não no lugar-comum das conquistas, pois sou ave liberta, sou incomum. Não se trata de simples vaidade. Como esperar que o universo trabalhe na contramão de seu próprio movimento?

Contudo, é indispensável coragem para dar a cara à tapa e deixar que pensem, digam, falem, estigmatizem, preconceituem [acabei de inventar essa palavra]. Pense comigo. É até uma questão de lógica. Se gravidez nunca foi sonhada por mim. Vestido branco, véu e grinalda, também não. Se acho possível um casamento ser algo do tipo “casas separadas”. Logo, decididamente, o padrão de homem formatadinho de fábrica não se encaixaria em mim e haveria nuanças ainda não criadas nessa palheta.


Mas não perdi a esperança. Se tiver de conhecer um homem bom, decente e gentil para sermos parceiros de caminhada, ele vai surgir naturalmente até na fila do supermercado. Com José Saramago, o escritor, aconteceu aos 63 anos. A mulher de sua vida foi quem acompanhou as glamorosas premiações ou a longa doença do mestre da literatura portuguesa. Por que euzinha já deveria ter encontrado um amor com a ousada pretensão de considerá-lo cúmplice na dança da vida? Mas a mesma ternura se manterá em mim se a existência não me apresentar esse homem. Serei feliz do mesmo jeito, e isso incomoda o ignorante qualificador de vidas alheias.

Recapitulando. É preciso pensar e ser leve com a vida. Para algumas mulheres, o estado civil não mudará. Outras, em vez de serem mães biológicas adotarão filhos ou um orfanato inteiro. Quiçá, haverá mulheres esperando ouvir o poc-poc-poc da ferradura do cavalo branco [talvez não reconheçam Sua Alteza se o bicho tiver outra cor] e uma ou outra buscará a quietude de um convento ou mosteiro. Todas estarão corretas em suas caminhadas. Cada uma, em busca daquilo que lhe convence no momento – do que lhe aquece o coração.

12 comentários:

  1. Dri, lindona! Demais como sempre, viu? É incrível como nós, mulheres, estamos sempre pressionadas pela sociedade. E pior: esta sociedade é sempre bem próxima de nós! É como você disse mesmo, podemos até não ligar para o que dizem, mas chega uma hora que... Putz! D´s vontade de mandarem todos participarem da Campanha pela Vida: Cada um cuidando da sua...

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    1. Vê, realmente... chega uma hora q... Putz...
      Mas aí a gente tolera e compreende... é só olhar o tamanho da ignorância desse povo q fala barbaridades...
      Quem sabe um dia, aprendam algo mais.
      Bjo grande!

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  2. Dri, minha querida xara.
    Visitei pela 1a vez seu blog hj e amei. Ai resolvi comentar pq o que mais angustia os blogueiros é pensar que nao estamos sendo lidos... Eu mesma, de vez em qdo encontro alguem que sabe tudo de mim pq leu no meu blog... Mas nunca comentou.
    Dri, um beijo grande pra vc.
    Dri magalhaes
    Http://esquisitadri.blogspot.com

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    1. Dri, adorei sua mensagem e logo fui ver seu blog... isso faz tempo, foi no ano passado rsrsrsrsrs

      Bjo grande
      Dri

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  3. Oi Adriana,a sociedade esta sempre julgando..se eh casada, solteira, separada...sao os preconceitos da sociedade.Eu tambem fui e ainda sou julgada por ter abandonado ha dez anos atras, minha carreira promissora de jornalista para formar a minha familia aqui na europa.Eh inutil fazer com que as pessoas aceitem as nossas escolhas..Somente hj,depois de 10 anos, me dedicando a dois filhos lindos,que falam 4 linguas fluententemente,posso dedicar-me a criacao de um blog....Quanto sou feliz em ter minha casa,meu marido, meus filhos e nao precisar trabalhar por obrigacao!! Isso eh um privilegio e nao uma vergonha como muita gente ja me fez acreditar..Autoestima e inteligencia sao ferramentas fundamentais PARA COMBATER A IGNORANCIA. wwwblogdagoreth.blogspot.com

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    1. Querida,
      isso é bem verdade... muita autoestima na veia suporta até tsunâmi... rsrsrsrs
      Bjo grande e sucesso em suas conquistas pessoais!
      Dri

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  4. Dri, vou copiar o link e colar no meu facebook. Tenho várias amigas solteiras que ficam angustiadas, e o seu textos faz a gente pensar em como a sociedade é opressora com as mulheres que escolherem serem livres. Suas palavras também vão ecoar em mim nessa fase da minha vida em que estou tomando decisões tão importantes - você já sabe - e vão me dar mais um pouco de coragem para seguir adiante. Bjo grande e pé na estrada!

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    1. Amada, Aninha,
      q bom q gostou do texto.
      Espero q ajude nessa nova fase cheia de possibilidades...
      LUZ, ânimo, ação!
      bjos
      Dri

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  5. Parabéns, não só pelo texto, que achei maravilhoso, mas pela sua elegância ao relatar os fatos!

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    1. Alekys,
      que lindo comentário. Vou dormir feliz hoje!
      Abração
      Adriane

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  6. Eternamente seu fã, e sempre com saudade. Td bem por aqui. Bjo gde. Christian

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    1. Saudade de rolar na grama do Jardim Botânico com vc!
      Bjoca
      Dri

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