sexta-feira, 6 de janeiro de 2012

Desesperança


(Foto: autoria desconhecida)

Às vezes dá um desespero, a gente momentaneamente deixa de acreditar que é possível mudar alguma coisa. Tem dias que a dúvida é cruel e se faz presente em nossa vida. Bate à porta, entra pelas frestas, dá um jeito de se infiltrar no mais íntimo para desestabilizar, quer ver o circo pegar fogo. E a gente permite, se quiser. Contudo, o que move o mundo é a esperança, o ânimo, a coragem, a vontade, o trabalho. Repito para mim mesma: “A esperança não é a última que morre. A esperança não morre”.

Há inúmeros acontecimentos que nos fazem desacreditar num mundo melhor. Assista a um telejornal sem se proteger psicologicamente e ficará desnorteado. São pais abusando sexualmente de filhos, mães jogando as crias em lixeiras, homens matando mulheres que antes eram seus xodós. As cracolândias se alastram pelo país com uma enorme quantidade de mortos-vivos sem banho, comida, casa, dignidade. Autoridades e especialistas afirmam, para nos desanimar ainda mais, que a guerra contra as drogas está perdida.

Casos de corrupção, dólares em cuecas, malas recheadas de garoupas... Realmente, dá uma vontadezinha de não acreditar mais. Propinas e vantagens para a velha oligarquia e seus descendentes. Pesquisa feita logo em seguida ao escândalo do primeiro “mensalão” apontava indicativo preocupante: se tivessem oportunidade, os entrevistados, representantes dos brasileiros, roubariam também. Então, parece certo: desejar, esperar e, pior, trabalhar por um presente bom é pura perda de tempo – que se dirá do futuro?

Na BR 116, próximo a Osasco (SP), vivi uma situação desalentadora. Num engarrafamento ao anoitecer, um caminhoneiro me alertou que aquele era um trecho perigoso. “Há muito assalto por aqui”, perguntei. “Não, os caminhoneiros, em alta velocidade, jogam a máquina pra cima dos carros pequenos”, confessou. Depois, na prática, entendi o alerta recebido: caminhões com farol alto o tempo todo forçavam a ultrapassagem para chegar a seus destinos. Os fins justificam os meios, diria Maquiavel. Pedi proteção a Deus na empreitada “boca braba” que me enfiei e segui. Dormi e acordei num hotelzinho em Miracatu (SP) – poderia ter sido no céu.

Esse é só um exemplo de como o cotidiano nos oferece estímulos para desistirmos de arregaçar as mangas: a morte planejada de gatos com Estricnina, nossa “arte” atravessando fronteiras com refrões medíocres como “nossa, assim você me mata, ai se eu te pego”, o transporte público aos pedaços, a maledicência vertendo das línguas que parecem não se cansar, leis favorecendo seus autores, salário altíssimo para uns e merreca para outros, velhinhos sem os cuidados básicos de saúde... Como manter a esperança?

Caetano Veloso canta música de autoria dele: “Alguma coisa está fora da ordem”. Outros afirmam que está tudo errado. Entretanto, perder por W.O, jamais! “Eu tô de luto, mas não sem esperança”, ensina minha ex-aluna Fernanda de Souza Lima. No fundo, no fundo, lá onde chamamos de coração, bate uma força que alguns ainda não sabem de onde vem – está viva e se alimenta com ações abnegadas de solidariedade, esperança, construção de autonomia e novas condutas, acesso ao conhecimento.

Confio, sim, num mundo “pra frentex” quando alguém separa o lixo na lixeira mesmo não havendo coleta seletiva em sua cidade, a televisão exibe novela de cunho social, índios são respeitados por não índios, adultos não bebem ou fumam na frente de crianças, candidatos não se elegem porque o povo, finalmente, aprendeu a votar, a escolher, a exigir. Acredito na evolução humana quando vejo a história deixando o mal para trás: os tempos bárbaros, a guerra fria, as ditaduras, a escravidão... Já nos aperfeiçoamos bastante, isso meus olhos conseguem enxergar.

Todavia, algumas criaturas só conseguem visualizar o copo vazio. Suas consciências estão adormecidas. Assim, a esperança vai ficando também em estado meio amorfo e sem cor. Porém, se a mantivermos desperta, nossa alegria, essa chama que nos põe de pé, estará garantida. Se a desesperança bater à porta, voltemo-nos para dentro ou para o passado e vejamos o tanto já construído e não o pouco que se desfez. O processo é demorado porque somos lentos, preguiçosos, presunçosos. Saibamos ler com olhos de ver e faremos mais. (Adriane Lorenzon)

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