sexta-feira, 4 de março de 2011

Banquete de excessos

A maior festa que envolve as massas no Brasil tem significativa importância para entender a diversidade cultural do país. Inquestionável, caro leitor. Além disso, não desconsidero alguns elementos do carnaval brasileiro: a transformação da bateria de uma escola de samba do Rio de Janeiro numa grandiosa orquestra; a rica história de uma região contada pelos blocos de maracatu em Pernambuco ou pelo afoxé Filhos de Gandhi na Bahia; ou o emprego de quem poderia não ter outra chance profissional.

Todavia, é no carnaval que excessos são cometidos com a devida conivência da sociedade. É na celebração momesca que ocorre uma liberação daquilo que as pessoas realmente são. Claro, com a desculpa do auxílio da bebiba alcoólica, pode-se tomar determinada atitude até então reprimida; sob o pretexto de que é carnaval, pode-se tirar a roupa [ou colocar a fantasia de seus desejos]; justificando que é só por hoje, pode-se ter relacionamentos sexuais vários, beijar bocas diversas et cetera.

Você vai me chamar de careta e de quê mais? Vejamos. O item sexo é, talvez, o mais polêmico já que não trato do encontro de duas pessoas com afinidade e que decidem compartilhar intimidades privativamente. Isso é de foro particularíssimo. Entretanto, quando trago à tona a temática sexual durante o carnaval, sublinho as cenas de promiscuidade aos olhos da itinerante plateia. Tudo potencializado por ser época de liberalidades, diga-se de passagem.

Relações fortuitas ganham proporções inimagináveis. Troca-se de boca e órgão genital como quem muda de roupa. Não basta encontrar um pierrô do outro lado da máscara como nos antigos bailes de salão. É preciso fazer o test drive ali mesmo. E se o modelo não for do agrado, vai-se em busca de um motor de potência superior. E se a má sorte persistir e a frustração chegar, a responsabilidade não será sua e, sim, desses caras que não querem nada com nada, ou de outro que não estava na história e tirou seu alvo do armário.

Quando o assunto é drogadição, a desculpa é de que no carnaval, historicamente, o uso dos “ingênuos” lança-perfumes é feito, pelo menos em terra tupiniquim, desde as primeiras décadas dos anos 1900. Desse modo, supõe-se que uma cocainazinha ou a exagerada automedicação pós-ressaca, na atualidade, não façam mal a ninguém. Digestivos, analgésicos, antiácidos, qualquer coisa para o organismo processar tanta porcaria. Só por hoje. Imagina!

Mas as drogas não param por aí. Refiro-me igualmente aos corriqueiros álcool e cigarro. Substâncias consideradas inofensivas porque, veja só, têm propaganda até na hora do almoço na tevê ou no caixa do supermercado a qualquer tempo. Conclui-se: não há de ser “tão” perigoso ingeri-las. Artistas divertem-se com altos cachês para enganar tolos que passam a tomar daquela marca de bebida. Estes sonham em talvez, ainda neste verão, ficarem tão atraentes ou sensuais como a cantora de axé.

É certo afirmar que entorpecentes causadores de sérios distúrbios e da tão devastadora dependência química correm soltos em avenidas, casas, salões, “quegês”, sambódromos. Os pobres foliões perdem-se no emaranhado de possibilidades que o festejo permite e enganam-se no incontestável livre arbítrio de cada um. Há grupos reunidos nesse período que dividem as despesas para a cervejinha e as demais “droguinhas”. Disfarçam ou não sabem mesmo que o efeito não será diminuto. Quiçá, o implacável tempo.

Os excessos são diversos, como vimos. Não me esqueci dos recursos públicos destinados a financiar, em parte, os alcoolistas do amanhã. A outra quantia é para impressionar e divulgar o quanto se investe em arte popular. Poderá render voto? Difícil admitir, mas a perversa drogadição e a ilusória promiscuidade fazem parte do carnaval – festa reverenciada como de alto valor na escala de prioridades. E isso também se tornou história e cultura.

Um comentário:

  1. Dri
    Como sempre, teu texto não deixa a desejar em nada, excelente e de fundamental importancia. Vc relatou , sem tirar nem por, o que as pessoas de bom senso pensam e tentam mudar nesse nosso país.

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