(foto: autoria desconhecida)
Claro que você já acordou com uma canção na cabeça e ficou o
dia inteiro com ela grudada feito chiclete. Aquelas decoradas, beleza, são
cantadas do início ao fim. E as que se sabe apenas uma frase ou o refrão? É um
martírio porque a melodia persiste e a letra vira nãnãnã. Se a música é de
qualidade superior, meno male. Mas e se
for dessas infernais, de gosto duvidoso, que a gente conhece porque foi
“obrigado” a ouvir?
Dizem que a perenidade das músicas de baixa qualidade (sob o
ponto de vista da elaboração técnica, poética, melódica, instrumental) não
existe, pois não criam raízes, são feitas para deglutição rápida por um número
acentuado de consumidores sem fome. Comem por comer, por estar na moda, pela
imposição da mídia e não porque têm ânsia por algo mais requintado no cardápio
cultural de sua lista de preferências musicais.
Então, será que há um tempo específico para tais músicas serem
esquecidas? Consideremos as novas tecnologias, o acesso fácil por meio das
seleções pessoais, as redes sociais, a disseminação e troca de arquivos entre
blogueiros, colecionadores, internautas em geral. Até eu, ou mesmo você, que
não sou consumidora de sertanejo universitário, funk, brega, pagode, axé, lembro-me perfeitamente de trechos dos
tipos citados.
Saca só. Não preciso nem escrever a letra inteira que dá
para recordar a melodia. Faça o teste. “A nova loira do Tchan é linda” (É o
Tchan); “Baba baby, baba” (Kelly Key), “Nossa, nossa” (Michel Teló); “Amor, por
favor, não desligue o telefone” (Djavu). O problema não é o gosto musical de
cada um, e, sim, a formação do gosto musical individual por meio da massificação
de um grupo de “músicos” em detrimento da invisibilidade de tantos outros.
É muito chato ligar o rádio na região onde nasci no Sul do
país e raramente ouvir uma música que não agrida os ouvidos. Ou, por exemplo,
estar às margens de um rio como o Juruá, entre o Acre e o Amazonas, e em vez de
soar uma canção local no telefone do moleque que passa por mim, tocar uma dupla
de sertanejo universitário “cantando” qualquer coisa conhecida como a música do
Neymar. É triste, deprimente, embora compreensível.
Esse mal – que eu chamo de necessário – nos serve para
atiçar a urgência do debate. Está mais do que na hora de fazermos uma virada
cultural. A começar pelos professores: refinando seu gosto artístico para fomentar
a ampliação e pluralidade cultural de seus pupilos dentro e fora da sala de
aula. Desse modo, as famílias seriam incluídas num efeito dominó que afetaria,
por fim, toda a sociedade – mais crítica, autônoma, tolerante com a diversidade.
Sim, a mídia faria o serviço mais rapidamente. Contudo, ela toparia
frear a própria sanha pelo dinheiro fácil? Os movimentos sociais
pró-democratização da comunicação lutam para que outras vozes sejam tocadas e
ouvidas no rádio, na tevê, na Internet. Mas, enquanto não sofisticarmos o
paladar e entendermos que nossos ouvidos não são lixeira, continuaremos a ouvir
porcarias. O livre arbítrio se faz quando temos consciência da vida, comparamos
situações compreendendo o ambiente ao redor e podemos escolher com
independência. (Adriane Lorenzon)