(Arte: autoria desconhecida)
Jogue a primeira pedra quem nunca se atrasou para um compromisso. Claro. Eu, você, todo mundo é falível e pode sofrer imprevisto. Agora, não dar satisfação ou fazer do atraso uma constante, aí a coisa muda de figura e se torna irresponsabilidade. É chamar, simbolicamente, aquele que nos espera, de idiota. Desse modo, um atrasadinho de plantão pisa na bola quando desrespeita alguém com silêncio mortal – leia-se não dá honesta explicação – ou simplesmente chega atrasado e tira alguma “piada” da cartola mágica de desculpas.
Tais pessoas são incômodas em qualquer lugar. A justificativa
flui como se fosse algo cristalizado no vivente: o trânsito, um acidente, o engarrafamento;
impressora quebrou, papel atolou; a empregada faltou, o carro falhou, o
despertador não despertou. Ora, os impontuais devem um pedido de desculpas,
caramba! Faz parte da etiqueta dos relacionamentos sociais. Custa pouco
telefonar avisando o atraso e, principalmente, verificando se, do outro lado da
linha, há disposição em aguardar o tempo estimado do atraso. Simples, assim!
Pesquisas informais apontam o serviço público como o campeão
na demora para o início das audiências. Algumas vezes, 20, 30 minutos. Outras,
a secretária vem toda sem graça pedir para remarcar a reunião ou com a cara de
pau e antipática gerada a partir do mau hábito do chefe. Veja a quantidade de médicos
atrasados para consultas em clínicas particulares e hospitais. O interessante
para um estudo social é que para algumas pessoas isso é tão intrínseco ao próprio
modo de ser que ela não consegue analisar que se a sua falta de pontualidade
prejudica alguém, deve se corrigir.
Esta história me deixou boquiaberta: um colega me renderia
na escala de trabalho em uma emissora pública, num sábado, na hora do almoço.
Chegou em silêncio, tendo passado 35 minutos. Não falou comigo, não me disse
olá nem pediu desculpas. Num misto de chateação e autocontrole, perguntei o que
havia acontecido e, ele, surpreendido e bravo diz : “Nada. Por quê”? Meses
depois, eu começava a entender: esse rapazote, quando sugeri algo, em diferente
situação, para melhorar a nossa atividade, perguntou: “Pra quê? Pra dar mais
trabalho pra gente”? É que mudanças envolvem sair do platô do comodismo.
Outro colega marcava saída para externas de gravação às
cinco ou seis da matina. Ficávamos lá, a equipe, esperando. Duas ou três horas
depois, o moço aproximava-se correndo e sacando a velha lenga-lenga esfarrapada.
No mesmo período, um namorado me ensinou que “tô chegando” significa
“tô-saindo-de-casa-agora-ou-de-qualquer-outro-lugar-em-que-estiver-menos-chegando-efetivamente-ao-local-combinado”.
Como fiquei atenta à expressão, atualmente, quando a escuto de alguém, procuro
averiguar logo se se trata de mero vício para ganhar tempo. Ninguém gosta de
ser embromado, certo?
Bem antes disso, eu era uma jovem estudante de pedagogia
envolvida no movimento estudantil. Trabalhava como locutora folguista – só Deus
sabe a loucura que são os horários – e morava a 40 km do campus. Na época, para estudar, viajava de carona. Quando
planejávamos reunião no Diretório Central de Estudantes – DCE, procurava me
antecipar devido à incerteza da estrada; e lá estava, sozinha, pontualmente, na
hora acordada. Enquanto esperava os retardatários locais, pensava: “Que
contradição”! A prioridade não atendia mais aos meus princípios...
Tem gente de todo tipo. Os que não retornam e-mail acusando
recebimento da correspondência, não se desculpam pelo atraso e lidam com certa
tranquilidade nesse caos. Observe, porém: ir atrasado ao trabalho com o cabelo
pingando, estudar para a prova em cima da hora ou deixar de tomar café da manhã
porque acordou tarde, isso é problema – se for um problema – dos atrasadinhos;
contanto que cheguem aos compromissos na hora determinada e não atrapalhem a
vida alheia.
Ouvir um aparato quase bélico de muletas justificadoras é
uma encheção, como diriam os adolescentes. Repetir que o brasileiro deixa tudo
para a última hora é papo para boi dormir. Se você quiser fazer parte da
maioria, fique à vontade, é cômodo. Contudo, deixar de carregar o saco pesado
de decoradas cantilenas que ninguém aguenta pode ser uma opção para deixar o
ambiente leve. Porque pode ter certeza: a imagem dos atrasadinhos no ambiente
de trabalho ou por onde oferecem chazinhos de banco, não deve ser das mais agradáveis. (Adriane Lorenzon)
Nenhum comentário:
Postar um comentário