(Foto/arte: autoria desconhecida)
Outro dia lembrei-me de uma música cantada por Marcio Greyck,
de Cury e Ed Wilson, intitulada Aparências.
Talvez, hoje, seria considerada brega, porém, foi sucesso estourado nas paradas
radiofônicas dos anos 1980. A letra contundente é fácil visualizar na vida das
pessoas: “Aparências, nada mais, sustentaram nossas vidas, e apesar de mal vividas,
tem ainda uma esperança de poder viver. Quem sabe rebuscando essas mentiras e
vendo onde a verdade se escondeu se encontre ainda alguma chance de juntar
você, o amor e eu” [sic].
O poeta está, claramente, retratando a história de um casal,
todavia, vamos ampliar o poema no contexto das interações humanas. Quanta
hipocrisia! Quanta dor escondida! No mínimo, sofrível! A criatura se contorce
toda para ajeitar as máscaras sociais, dando um brilho no verniz... Sempre me
incomodei com o gosto pela hipocrisia e a necessidade de se manter a aparência.
Muitos preferem a mentira à verdade e deixam isso muito claro, nem tentam
esconder. Confesso: surpreendo-me toda santa vez que encontro alguém assim.
Certa feita, percebi ao meu redor um bocado de gente sem
ânimo para ouvir e ver a realidade, isto é, a mentira ou a meia verdade eram
mais interessantes. Por vezes, deparei-me tendo de amenizar palavras para não
assustar o interlocutor. E, olha, estou falando de pessoas educadas,
instruídas, leitoras assíduas, engajadas. Fazia isso para não ser a responsável
por mais um castelo destruído, uma realidade ilusória desfeita – delas, no caso.
Oscar Wilde já dizia, “pouca sinceridade é perigoso, muita sinceridade é
fatal”.
Calma! Não estou advogando em defesa da mentira. Acredito
muito mais no despertar do autoconhecimento. Entretanto, às vezes, amigos,
parentes, colegas de trabalho se assustam sobremaneira com a minha
transparência e facilidade de falar de coisas doídas; se perdem, não sabem como
lidar, entram em parafuso. Então, amorosamente, ao perceber tal incômodo,
procedo em seu socorro. Já ouvi até que eu seria poupada de alguns assuntos
para não me emocionar. É que sou inteira, não pela metade, permito-me mergulhos
mais profundos.
Um verso da canção remete ao nascedouro de coisas
malresolvidas em relações e que geram falsidades e ilusões. “Quantas dúvidas
deixadas no momento pra se resolver depois.” Veja. Esperar a poeira baixar um
pouco para depois conversar e solucionar conflitos, tudo bem, é saudável.
Agora, jogar os podres e mal-entendidos para debaixo do tapete, deixando que o
futuro lhe apresente dores que o vivente se iludiu achando que havia curado, é
masoquismo e desconhecimento de si mesmo. Despertar para o aqui agora é
fundamental. Aparar arestas é necessário e inadiável.
Caro leitor, com o devido respeito, pare de se enganar! Quantos
casais, colegas, familiares, sócios e ex-amigos ficam anos pensando de um jeito
sobre um ocorrido, só porque preferiram o silêncio ou a hipocrisia da máscara?
Lá um belo dia, acontece algo providencial que lhes mostra o quanto estavam
equivocados e que se houvessem perguntado em vez de “achar que” teriam
resolvido coisas pendentes há décadas? Daí ouvirmos ou falarmos pérolas: “Nossa,
fulano, achava que você estivesse chateado comigo por outra coisa”!
Observe. Manter a aparência é infinitamente diferente de ser
discreto com a vida pessoal. Casais buscam resolver suas histórias no âmbito
familiar, empresas exigem a discrição quanto a acontecimentos desagradáveis
ocorridos internamente, muitos artistas se mantêm sem exposição à mídia para
evitar vazamento de informações pessoais. Desse modo, esses grupos, ao se
encontrarem, recolhidos em seus ambientes particulares, colocam à mesa: reclamações,
chororôs e atitudes inapropriadas tomadas pelo outro. Contudo, elogios,
desculpas e agradecimentos nessa hora serão bem-vindos e salutares. É o tal do
diálogo.
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