(Arte em feltro: autoria desconhecida)
Toda criança antes de frequentar o colégio arquiteta sonhos
e os fantasia sobre o que poderá ser o universo mágico da porta para dentro do estabelecimento
de ensino. Comigo não foi diferente. Primeiro dia de aula no Jardim de Infância:
acanhada e emocionada, sento-me numa cadeirinha verde-clara, apoiada na mesa própria
de criança. De repente, quebro um giz. Ai, que susto! Choro baixinho. Meu irmão
Alsério, que me acompanha, explica que isso é passível de acontecer. Era o
primeiro de muitos medos escolares.
Já com seis anos, no Pré, conquistei autonomia. A professora
era uma boa-vida. Adorava ficar lá na classe dela. Não sei fazendo o quê. Ela
era legal e não havia atritos – só bastante independência de ambas as partes. Sem
possuir parafernálias eletrônicas, muitas vezes fiquei sozinha, aproveitando
até o último minuto da aula para ouvir uns disquinhos coloridos de vinil com histórias
infantis – Os três porquinhos, João e Maria, Cinderela.
Nos dias em que éramos liberados antes do sinal, aguardava
meu pai Pedro terminar a aula (ele era professor dos alunos maiores) para
sairmos juntos. Talvez por timidez, eu não pedia licença à professora para ir
ao banheiro e, seguidamente, fazia xixi nas calças. Assim, quando chegava à
sala de meu pai, para esperá-lo, estava morta de vergonha. Aguardava o toque da
sineta, quietinha, ao lado do quadro de giz, sempre de costas para a parede – a
mancha úmida estava lá, bem evidente.
Nos dias de chuva, os professores reuniam os poucos gatos-pingados
de cada turma numa só sala. Era pura diversão. Aprendíamos coisas diferentes das
lições da nossa segunda série e víamos que os da quarta nem eram os bambambãs. Um
dia caiu o mundo em Tenente Portela. Ninguém falou: “Que é isso, filha, não vá à
escola!”. Sempre fomos motivados a estudar. E fui. Quando cheguei, feliz da
vida por estar vivendo aquela aventura, uma professora joga um balde de água
fria: “Por que você veio”? Ai, ai! Professor para nos castrar não falta!
Segunda-feira era dia de atividade cívica. No fim da tarde,
a diretora, inspirada nos quartéis, para acalmar os mais levados antes de
cantar o Hino à Bandeira, falava em tom severo: “Enquanto estivermos cantando o
hino, devemos ficar paralisados, mesmo se uma cobra estiver picando a nossa perna”.
E eu ficava lá, cantando e imaginando uma serpente gigantesca dando o bote com
aquela bocarra. “Salve, lindo pendão da esperança, salve, símbolo augusto do
paz! Tua nobre presença à lembrança, a grandeza da pátria nos traz”...
Um desastre ocorreu quando usei um cocar no dia do Índio. Em
casa, tínhamos uma pena de arara vermelha – perfeita para meu intento de
representar uma kaingang. Na hora do
recreio, um menino passou por mim e tentou arrancá-la, partindo-a. Inconsolável,
contei à professora que “cuidava” das crianças no horário. Ela acabou comigo:
“Ah, isso passa, não faz mal, não”. Ora, pensei, a pena voltaria ao estado
natural? Afinal, a questão era essa. Como aconteceria tal milagre? Então, chorei
de raiva por ser subestimada na inteligência.
Sempre gostei de artes, esportes, literatura e línguas.
Pensa que alguém observou isso? Qual nada! Só matemática valia. Nela, meu
boletim recebeu, pela primeira vez, uma cor diferente da azul. Gostava também
de história, mas não entendia aquilo que acontecia sempre na vida dos outros. A
história do Brasil, por exemplo, nunca era a minha. Apesar de tudo, eu curtia mesmo
as aulas de técnicas domésticas porque aprendíamos a fazer quitutes diferentes
dos conhecidos pratos de casa. Geleia de bergamota, quadradinhos de amendoim,
croquetes de cenoura...
De modo geral, tinha colegas muito queridos. Claro, preferia
os colegas-amigos. Alguns sumiram no horizonte. Com outros, troco ideias até
hoje. Seres pueris visitando o futuro. Lindo de se ver. Em breve, vamos
organizar um encontro para relembrarmos impressões, aulas, professores,
momentos. Com certeza vamos chorar... de rir. Quem sabe façamos uma peça
teatral, um joguinho de caçador, uma receitinha rápida. Tudo para voltarmos um
pouco à tenra e pura fase da vida – triste, alegre, rica, pobre: simplesmente a
nossa infância. (Adriane Lorenzon)
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