sexta-feira, 21 de outubro de 2011

Impertinências, inconveniências

(Arte: autoria "criativa" desconhecida)

Um forte cheiro de cigarro adentrou o minúsculo apartamento em que vivo. Pensei: “Estranho, a janela está fechada”. Abri a porta para verificar o corredor e... nada. Só restava o banheiro, e não deu outra. O sistema de ventilação, embora desligado, sugou a fumaça de algum morador que fumara no aposento dele. Outro dia, a mesma coisa. Ao chegar de viagem, meu apê estava fedendo a cigarro como se estivessem fumando ali. Ora, eu moro sozinha! Então, perguntei: “Tem alguém aí”? Não, respondeu o silêncio, era o vizinho de novo apreciando seu vício.

Como resolver o impasse já que o vivente está exercendo a liberdade dentro da própria casa? É um direito dele. Até chamar especialistas para analisar o prédio, demora... Outra opção é resolver isso conversando. Entretanto, esse cidadão deverá ter boa vontade para sair de casa, à noite, e achar um lugar que não passe ninguém para fumar porque, mesmo no pátio do prédio, estará perturbando, pois a fumaça e o cheiro são safos, percorrem caminhos que ninguém vê, mas estão lá, adentrando e desrespeitando espaços particulares.

Lembro-me de um caso na Inglaterra, anos atrás, de uma mulher que ganhou na justiça uma ação que impedia o vizinho fumante de fumar num determinado espaço do terreno dele. Técnicos do tribunal realizaram cálculos para saber até que ponto exatamente o vizinho podia fumar no próprio lote, pois se ultrapassasse tal indicativo a fumaça já invadiria a área da moradora. Bem-humorada, imaginei experts fazendo medições diurnas e noturnas nas quatro estações do ano. Solta a fumaça, segura, dá uma tragada e solta com força, agora de leve...

Outro dia fui a uma reunião num pequeno restaurante do bairro em que moro. Estávamos confabulando sobre a temática em questão e, de repente, o nariz felino apontou o alto e descobriu uma fumacinha incômoda vindo para mim. Quando olhei àquela direção – no fundo eu sempre quero estar enganada, porém, trata-se de um cheiro que não tem como não percebê-lo quando chega ao olfato – olhei o garçom desavisado, fumando, e lhe disse: “A fumaça”... E ele, gentilmente, saindo dali: “Sério”?

A maioria dos fumantes não percebe que incomoda. Nesse sentido, falta muita noção de espaço! Para entender melhor, observemos outra área. Vários motoristas se perdem no quesito lateralidade, confundem direita e esquerda e entram para qualquer lado sem avisar. Daí surgiu a direção defensiva. Quem está no trânsito, prevendo uma barbeirada imediata do outro, se defende e cuida dos demais. Afinal, se o barbeiro soubesse das regras de convivência mínimas não se esqueceria: as ruas são como a vida, há mais gente ao redor.

Ainda no tráfego das vias, já senti a fumaça vinda do carro da frente. A pessoa fuma no carro, no território dela e causa estragos no meu terreno particular. Isso é sacanagem! [Não o seria, se eu estivesse, por exemplo, visitando um amigo fumante. No território dele, eu é que devo tolerar.] Contudo, pior é você estar dirigindo e o indivíduo jogar a guimba com aquele impulso característico de um peteleco gerado pelos dedos polegar e pai de todos. E o cigarro vai lá entupir bueiros e bocas de lobo junto a folhas de árvores, garrafas pet e sacolas plásticas – fazendo da chuva um momento de terror.

Uma das áreas científicas que sou apaixonada é a antropologia – estuda as relações entre o eu e o outro. Ajuda-nos a entender o ser humano nos campos biológico, social, cultural, histórico, psicológico, religioso. Estudando-a, sabemos melhor porque pessoas agem de certa forma, vivem como vivem, compreendem como compreendem. Somos seres sociais e precisamos de uma convivência pacífica, apesar da diversidade – não é mudar por causa dos caprichos do outro, é mudar em favor de nós. Isso gera uma profunda transformação.

Atentar-se à existência do outro é um bom começo para desenvolvermos a convivencialidade. Nos meus vinte e poucos anos, adorava ouvir música em alto volume. Não me dava conta de que podia estar atrapalhando, mesmo sem a intenção de incomodar. Um dia entendi: naquele momento alguém precisava dormir para encarar, logo depois, o trabalho noturno; doentes repousavam; criaturas queriam, simplesmente, assistir a um filme sem perturbações. Dei-me conta, assim, da existência do outro – ele já não me era mais completamente indiferente. (Adriane Lorenzon)



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