sexta-feira, 18 de novembro de 2011

Sei que nada sei


(Foto: autoria desconhecida)

Detesto bater papo sobre filmes a que não assisti. Por mim, estaria tudo certo, pois, diga-se de passagem, adoro escutar histórias, apesar de saber o final antecipadamente. A confusão é: nem todo mundo lida bem com o não saber do outro, o não conhecer, o não ter assistido “àquele” clássico. Daí, ouço: “Você não viu tal filme”? E eu, calmamente: “Não”. Lá no fundo pensava: “Qual o problema? Vou morrer sem ter lido todos os livros, assistido a shows como da Legião Urbana ou a películas maravilhosas”!

Sou tranquila com o meu tanto de não saber. “Calmo, mas não conformado”, como diria Chico Buarque. Tenho muito a desbravar nesse mundão que uma vida apenas vai ser pouca para vasta experiência. Ledo engano achar que se consegue fazer todas as descobertas numa só. É claro, posso ampliar as possibilidades e buscar o conhecimento a toda hora, a cada minuto. Adoro estudar. Por exemplo, há épocas em que aprecio Guimarães Rosa; em outras, prefiro filosofia. Nem por isso me considero a poderosa da literatura, das letras.

Pessoas também não reconhecem os saberes das outras. Professores são campeões em desvalorizar o que crianças e adolescentes, em especial, têm de mais rico: as próprias visões de mundo. Lembro-me de um no curso de jornalismo que nos dias de prova, esfregando as mãos, falava: “Vou ferrar vocês”! Coitado! Devia ser uma pessoa triste e iludida. Na outra ponta da história, lembremo-nos de Paulo Freire – educador ousado, declarava respeito ao saber do educando.  

Minha mãe Maria sabia o quanto não sabia e, assim, era sábia. Aos 58 anos aprendeu a andar de bicicleta. E ficava lá motivando as amigas mais jovens a andar de bike. Mais tarde, começou a dirigir e tirou carteira. Fomos juntas comprar o primeiro carro dela. E fechando com chave de ouro, arrasou na animação. Como frequentou a escola até a terceira série primária, ficou sem estudar formalmente a vida toda. Pois não é que concluiu o primeiro grau depois dos 60? Se tinha dificuldades? Claro que sim, como eu e você.

Criaturas presunçosas, inconscientes dessa condição, tratam de modo indelicado quem não vivenciou situações como elas. Então, quando descobrem um serzinho quase indefeso porque não sabe algo, se lançam como jaguares esfomeados. Geralmente, agem desse modo figuras que, por exemplo, conhecem diversos países, têm títulos acadêmicos, são poliglotas ou entendem de vinhos, os sommeliers. Note que há uma diferença enorme quando pessoas simples sabem muito. Estas, contam histórias interessantes e tudo flui tão natural que a arrogância passa longe.

Não saber não é a questão-chave. Agora, não querer saber... Há uma frase nos alertando há tempos: “O pior ignorante é o que não quer saber”. É ou não é? É. Conheço gente teimosa que insiste numa opinião para ver o circo pegar fogo e ter o nome na calçada da fama – dos chatos, claro. E os adolescentes? Pensam saber mais que os pais em experiência de vida e os tratam com violência, desconsideração. Sentem vergonha deles. Podem dominar a tecnologia, mas na longa estrada...

É atribuída aos Sete Sábios gregos, que teriam vivido entre 650 e 550 a.C, a célebre frase “Conhece-te a ti mesmo”. Ao ser apontado como o maior sábio da Grécia, justamente por esses caras, Sócrates reconhece o tamanho de sua ignorância. Ciente disso, afirma, entretanto, ser estimulado pelo não saber para desvendar o desconhecido. E dizia: “Sei que nada sei”. Logo, concluímos: não saber é terreno fértil para mentes ávidas em busca de conhecimento, renovação de ideias e ideais. Afinal, não somos prontos e conclusos.

Fiz um combinado comigo. Não sei e não entendo um monte de coisa, mas estou aberta ao aprendizado, vou conhecendo uma porção de novidades. Para o francês Marcel Proust, na obra Em busca do tempo perdido – A prisioneira, “a única viagem verdadeira (...) não é partir em busca de novas paisagens, mas ter outros olhos, ver o universo com olhos de outra pessoa, de cem pessoas, ver os cem universos que cada uma delas vê, que cada uma delas é”. Isso nos engrandece, faz superar deficiências, ultrapassar limites que nos impomos diariamente. (Adriane Lorenzon)

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