(Foto: autoria desconhecida)
Peguei as fôrmas emprestadas e a receita com a querida tia
Nadir. O intento? Fazer cucas para o Natal. Deliciosas, diga-se de passagem, e
recheadas com coco. Minha irmã Ana reclamara que depois que nossa mãe morreu
não tínhamos mais “aquele” espírito natalino que os europeus legaram à
culinária gaúcha: cucas, bolachas enfeitadas, docinhos. Assim, decidi botar a
mão na massa. Pronto. Não tem mais volta. Aos desavisados, resumidamente, cuca
é um pão doce.
Certa de que dispunha dos ingredientes, pus-me a quebrar os
ovos, amornar a água, separar as medidas de açúcar, leite, fermento, nata.
Aliás, um prato nada light... Comecei
cedo, passava das oito da manhã. Não tenho grande experiência em panificação,
porém, dei-me conta, ao acrescentar farinha várias vezes, que a coisa seria
mais demorada do que imaginava. O papel indicava amassar (e não bater como
se faz em bolos, tornando o processo mais rápido). Então, colocava o pó do
trigo e a massa respondia ficando durinha e firme.
Preparar uma comida para alguém ou para si mesmo é doar ou
fazer florescer amor e dedicação. São horas e horas de misturas, mexidas, testagens.
Tudo para homogeneizar as partes. Sem resistir, vou logo me autorizando a comer
pedacinhos da massa crua. Adoro! Desde criança faço isso. Experimente! No meu
caso, não houve ninguém para me censurar e dizer: “Vai fazer mal, menina! Não
coma isso”! E eu, “nem bola”, como se diz nas bandas do Sul para a expressão
“dar de ombros”. Meti a mão e me fartei com a iguaria.
Embora não seja uma exímia fazedora de rango, cozer é a
minha praia. A preferência descamba para o universo dos salgados e agridoces. Programa
legal é reunir-me a amigos ao redor da mesa e, enquanto todos conversam,
relembram histórias e contam causos, eu vou lidando com os alimentos. Sem
pressa, o amor se infiltra nos furinhos do macarrão, no ramo do alecrim, nos
segredos que compartilho... Para cozinhar não há mistérios: é necessário
sensibilidade e gostar de fazer.
Na receita original da tia, o recheio da cuca é composto de leite,
açúcar e coco. Eu dei uma incrementadinha e incluí leite condensado. Aprecio
essa combinação. Apesar de ser tudo a mesma coisa. Enquanto a massa descansava
e crescia a olhos vistos, fui prepará-lo. Nunca tire os olhos da panela. Por
quê? Arrá! Ou gruda no fundo ou o
leite entorna e lambuza a panela, o fogão... Faça-o em fogo baixo após levantar
fervura e tenha calma. Muita, de preferência. Assim você domina a química
ocorrida ali e não o contrário. Simples assim.
Depois de algum tempo mexendo, desliguei o fogo e fui
almoçar a comidinha preparada pela secretária Marli. Foi ela quem me alertou que
o ponto era aquele mesmo. Se continuasse fervendo, chegaria ao de doce de leite
e no lugar de recheio de cuca, eu cortaria barrinhas. Marli é descendente de
alemães, povo habilidoso em quitutes como o famoso apfelstrudel – folhado de maçã e canela.
Nesse ínterim, a massa já crescera o suficiente. Era a vez
de enformar. Primeiro, dar aquela amassadinha, abri-la e aplicar o recheio. Como
ainda estava quente, precisava deste, frio ou, pelo menos, morno. Mexi um tempão
– enquanto o fazia, pensava em como tudo na vida exige pa-ci-ên-cia. Quando se
tem consciência disso, fica mais fácil e prazeroso viver. A felicidade torna-se
alcançável, pertinho de nossas mãos. E eu lá mexendo, mexendo – ora no sentido
horário, ora ao revés – e deixando de obrigar a mente a pensar. Acho que a
esvaziei, como sugere o budismo.
No total, quatro cucas grandes e uma pequena. Último passo: aplicar
“farofa” (feita de açúcar, nata e farinha) na cobertura e enforná-las. Lá se foram
as cucas tornarem-se, efetivamente, cucas – o que só ocorreria quarenta minutos
depois. No jantar comi... Adivinha? Cuca, lógico. Ué, mas não era para o Natal?
Ahã. Desculpa para comer antes de todo mundo? Ah, um cozinheiro carece de
autocrítica para avaliar os comentários dos outros! Resultado: aprovadas, até
pela tia Nadir. Não é mole não! E olha que as dela são maravilhosas. Agora é
aguardar a reação dos olhinhos de Ana. Acho que ela vai gostar. (Adriane Lorenzon)
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