(Foto: autoria desconhecida)
Um dos poemas mais lindos que conheço é Romance XXIV ou da Bandeira da Inconfidência de Cecília Meireles.
Versos e mais versos preenchem o papel com o tema central da luta de um povo: liberdade.
Mas não vou tratar aqui da história e das relações do Brasil, Minas ou
Portugal. Quero apenas destacar um trecho do texto da musa lírica. “Liberdade, essa
palavra que o sonho humano alimenta: que não há ninguém que explique e ninguém
que não entenda”. Contudo, realmente entendemos de liberdade?
Passeando pelas ruas de Cachoeirinha (RS), sou invadida pela
lembrança do Romance... que o recitei
num espetáculo em Brasília, anos atrás. E a poesia é assim: ela gruda na gente
e a gente nela – desde que a assimilemos em sua essência por meio da
sensibilidade. Então, a narrativa de Cecília, naquele passeio, me envolveu enquanto
via uma quantidade enorme de cães presos. Aliás, proporcionalmente falando, uma
das cidades que visitei com mais cachorros perdidos nas ruas e presos em casa.
Pode crer!
Meus passos eram seguidos por Cecília que me cutucava o
tempo todo em súplica por liberdade. Pensei: que amar é esse que leva o homem a
prender seu “bem-querer” entre latidos, abanar de rabo e uivos roucos de
saudade? A mente se esforça para tal compreensão, mas o discernimento lhe
escapa. O coração se derrama em choro por tamanha crueldade. Improvável um
número elevado de casos com justificativas iguais de seus donos: “Prendemos um
pouco, só por agora, até lavar a calçada”... e outras desculpas esfarrapadas.
Situações presenciadas ao longo da vida vêm à memória. Um
cachorro que latia noite e dia em Tenente Portela, também no estado gaúcho. Era
triste ouvir, de longe, aquela penúria. Nunca soube o desfecho. Conheço pessoas
que mantêm seus “melhores amigos” em correntes de um metro de comprimento. Há
peludos que caminham pra lá e pra cá durante horas, sem mais nada a fazer, tamanha
é a redução do espaço de interação com a natureza. Sem falar, no inverno,
presos à corrente e ao frio, sem poder buscar abrigo para agasalhar-se.
Em Florianópolis, uma ocorrência inusitada. Nunca a vida me
mostrou tão bem o significado da palavra surreal. Quase tive um troço. Na ilha
de Santa Catarina, manés carregam curiós em pequenas gaiolas pelas ruas. A
ideia é passear ao sol com o avinhado. Em outra situação, por todo canto do
mundo, há quem mantenha o peixe beta em minúsculo aquário para decorar a sala.
Pessoas se presenteiam com o peixinho de longa cauda em sinal de amor. Ãh? Alguém
justificará que o motivo para mantê-lo na estante – solitário e belo – é por
ser briguento demais?
A bicharada dos zoológicos vive, amiúde, em recinto
impróprio para suas necessidades. Pessoas prendem animais silvestres em casa para
o bel-prazer de tê-los ali, ao alcance da mão. Um velho leão maltratado foi
deixado em pequena jaula por um circo na beira de uma estrada no Brasil. Um bom
samaritano passou e o levou para cuidá-lo e amá-lo. Tartaruguinhas são vendidas
por pet shops para famílias mimarem crianças. Quando os quelônios crescem são
deixados por aí. Por que os pais não fazem isso com seus filhinhos?
Traficantes enrolam e escondem nas roupas papagaios,
pererecas, borboletas, vespas, besouros para “exportar” a colecionadores,
mafiosos ou estudiosos. Também serpentes, jaguatiricas, macacos e tipos
exóticos de nossa fauna vão-se embora. Qual a diferença da ação deles e a de pessoas que conhecemos que prendem animais e os
maltratam por uma vida inteira? Nenhuma. Se o dinheiro “justificaria” o ato dos
primeiros, o que argumentaria o segundo grupo?
Voltando à liberdade de
Cecília. Que hábito funesto tem o ser humano de prender tudo o que vê pela
frente? Que história é essa a de matar aos poucos os bichos com a tortura que
abominamos para nós, ditos seres racionais? E se as pessoas sentissem na pele o
que fazem aos bichos? Sempre que vejo um cachorro preso, caminhando pra lá e
pra cá, me vem a imagem de seu dono, mesmo desconhecido, amarrado na curta corda
do animal. Por que a restrição da liberdade é uma das penas mais dolorosas
aplicadas nas sentenças judiciais humanas? (Adriane Lorenzon)
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