sexta-feira, 19 de outubro de 2012

A quase queridinha


(Arte: autoria desconhecida)

Equivocada, ao me iniciar no magistério do ensino superior, imaginava dar as melhores aulas num espaço de diálogo e respeito, aperfeiçoar-me sempre, ser amiga dos alunos, e como consequência direta, ocorreria uma espécie de conformidade de opiniões; reconhecida, pelo menos, como uma boa professora. Afinal, quem não gostaria de ter um mestre dito cabeça aberta, democrático, responsável? Arrá! Caí do cavalo direitinho, sem dó nem piedade!

Nelson Rodrigues, o famoso jornalista dramaturgo, afirmava que “toda unanimidade é burra”. Entretanto, ingenuamente, sonhei com ela. Bastou pisar na sala de uma turma de graduação como docente para quebrar a cara. E a janela estilhaçou com pedras jogadas justamente por aqueles que reconheceriam com o tempo que eu tinha algo mais a lhes dizer, compartilhar minha experiência e ouvir a deles e aprender com eles. Um caminho cheio de descobertas.

No primeiro dia letivo comigo... Incrível, havia aula! Para desgosto dos que esticavam as férias por mais duas semanas e depois chegavam reclamando. Pensava: como exigir pontualidade e participação sem lhes oferecer isso? Senão, de que forma explicar conteúdos como o famoso deadline jornalístico, ou seja, o prazo apertado que temos na profissão? Acaso a reportagem escrita por eles no futuro não seria publicada por conta de um atraso ou deslize?

Tive aluno amoroso, amigo, prestativo, preguiçoso, mentiroso, dramático, galanteador, falso. Porém, os piores eram os resmunguentos. O teste de paciência era diário. Em tempos de faculdades em cada esquina, professor é um contratado do corpo discente. Resignada, pensava: “Afinal, são crianças grandes sob a minha tutela”. Hoje, Henry Adams me acalma: “O professor se liga à eternidade. Ele nunca sabe quando cessa a sua influência”.

Por mais que buscasse coerência e afinação com uma prática pedagógica libertária e dialógica, isso não bastava. Muitos só faltavam pedir notas sem entrega de trabalhos e simpósios presenciais sem a presença deles. Então, eu clamava perseverança. Assim como os alcóolicos, repetia: “Só por hoje”. Mas esse grupo era a exceção, outros tantos mereciam meu empenho. Pelos desavisados, recitava o mantra e esperava o eclodir da semente plantada.

Histórias como essas me ajuda(m)ram a trabalhar a vaidade e o egoísmo e me tornar uma pessoa melhor. Contudo, uma coisa que me deixa feliz é ouvir de um ex-aluno, atuando no campo de trabalho, que se tivesse prestado mais atenção às minhas aulas, saberia como contornar as dificuldades profissionais. Na hora, caro leitor, creia, não penso: “Bem feito”! Apenas agradeço por finalmente a ficha cair e o beltraninho se aperceber no mundo.

Esse indivíduo precisará forjar novos referenciais, leituras, modelos, estudos para aprender o que eu procurava estimular ao longo do curso e, seus colegas, talvez, por estarem em momento propício, captassem com mais assertividade. Porque a educação não acontece quando o professor quer, mas quando diversos fatores se conectam no ambiente do aprendizado ligando educador, educando e tudo mais em volta. Educar é via de mão dupla; ambas as pistas precisam estar abertas ao tráfego e troca de ideias, perspectivas e impressões. (Adriane Lorenzon)

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