sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Lembra de mim


(Arte: autoria desconhecida)

Às vezes, rio de tanto mico que pago nesse mundão. Um deles refere-se ao fato de eu me lembrar das pessoas e as mesmas nem imaginarem quem seja a dona à sua frente. Em outras, elas se lembram de mim e eu quase morro de vergonha quando a figura me chama com a maior intimidade: “Dri, como vai o pessoal, o projeto, cê tá ainda lá”? Então, fico vermelhaça – nenhum batalhão de incêndio consegue abafar o caso.

Aos 18 anos, conheci um rapaz que se encantou pela moçoila aqui. Pedida em namoro, disse-lhe que não via possibilidade na empreitada pois o tinha como amigo. Anos depois, enquanto procurava conhecidos que sumiram por aí, consegui o telefone dele. Sem pestanejar, liguei para dar um oi e falar dos rumos da vida. Ao dizer meu nome, perguntei: “Lembra de mim, Gilberto”? E ele: “Não, nem imagino quem seja”. Toma!

Bem menos tempo atrás, outro me cumprimentou: “Adri, oi”! Meu Deus, eu queria que o chão se abrisse. Sem reconhecê-lo, fiquei tentando adivinhar até que caiu a ficha. Ele estava diferente e usava boné. O Paulo Sérgio era um dos coleguinhas de escola, junto com o Felipe José e o meu primo Paulinho, que era fera em matemática. Para mim, Paulo Sérgio era “o máximo” por dominar o idioma da incógnita.

Certa feita, nos corredores da Câmara dos Deputados ouvi: “Oi, Dri, tudo bem”? Sem ter a mínima ideia de quem era a carinha feliz: “Oi, tudo bem, e você”? E a linda morena, sacando que eu nem tchuns: “Você não está me reconhecendo, né”? Porém, na maior sem-cerimônia lasquei: “Você foi minha aluna”? O esquecimento virou um elogio. A ex-colega mandara para o espaço 40 quilos e estava elegantérrima.

Nessa época, o deputado Orlando Desconsi (RS) assumira uma vaga na casa de todos os brasileiros. Fiquei feliz por ele e a nova condição de legislador. Estava cobrindo o plenário e o vi de longe. Desconsi fora um ativo colega de movimento estudantil. A seguir, ao encontrá-lo nas vielas do Anexo Quatro, disse: “Oi, Orlando, lembra de mim? Atuamos juntos no DCE, em 1995, na Unijuí”. Ele: “Não, não me lembro”. Toin!

Atores, músicos, políticos e pessoas mais expostas publicamente ouvem muitas gracinhas de fãs perguntando se eles se lembram da(o) beltrana(o). Capaz, bem capaz! Há ainda quem não se lembre de mentirinha, ou seja, faz de conta para não se comprometer ou se envolver. Isso é outra história. E os que não querem saber do passado? Aliás, tem de tudo no mundo, até quem minta para se livrar de você.

Se a criatura recordar, vai manifestar de algum jeito. Perguntar para quê? Só se for para correr o risco de um sonoro não. É que a memória é um dispositivo incrível que oferece inestimáveis serviços para nos tirar de enrascadas. Entretanto, ela trai com a mesma facilidade do contrário, e nos derruba feito fruta madura do pé. O orador romano Cícero já alertava: “A memória diminui se não for exercitada”. É ou não é? (Adriane Lorenzon)

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