sexta-feira, 26 de outubro de 2012

O gari, o lixeiro e o urubu

Urubu-de-cabeça-preta (Foto: autoria desconhecida)

Um ser que considero pra caramba é o urubu – ave reconhecida como de mau agouro, fedorenta e que fica só procurando e sobrevoando carniça. Tadinho. Para mim, ele desempenha um ofício superimportante na natureza e, por que não dizer, na sociedade humana – a ecologia é una mesmo. Afinal, esse agente com capa preta e tudo, limpa o ambiente de animais em decomposição. De outra forma, teríamos de assumir a empreitada.

Nesse sentido, ainda adolescente, perguntei a um professor qual a importância da lesma. Eu tinha nojo do molengo molusco. Sábio, respondeu-me que todos na natureza têm um préstimo e com a lesma não seria diferente, pois ajuda no equilíbrio ambiental evitando, por exemplo, proliferação de insetos e servindo de guloseima na cadeia alimentar. Aprendida a lição, passei a ver os bichos com outros olhos e viver de maneira mais harmônica com a grande Mãe.

O urubu é sério e introspectivo, e não é corvo. Memorize isso de uma vez. Retraído, só é sociável com o próprio grupo. Carne num trecho da estrada, e logo disputa um pedaço com o S. Gavião. Geralmente, um come o fresco; outro, o podre. Morto um cavalo no campo, a quilômetros de altura vê-se um círculo adivinhando que o alimento será farto em breve. A equipe não brinca em serviço – possui um rastreador olfativo de primeira linha.

Observando esses auxiliares de limpeza, aprendi a admirar dois tipos de trabalhadores que sofrem altos preconceitos: garis e lixeiros. Essas figuras, em vários horários, até quando estamos dormindo, trabalham para a gente. Sabia disso? Você, aposto, não se lembra de pagar seus salários; entretanto, trabalham por e para você todo santo dia. E deixam tudo limpinho para que a cidade acorde mais bonita, organizada e cheirosa.

Gari, lixeiro e urubu têm funções parecidas. Todavia, este age por instinto, enquanto aqueles, por necessidade. A vaga dos primeiros existe e tem quem precise do emprego. Os ordenados são pequenos, a insalubridade é constante, e a responsabilidade enorme. Sem falar na invisibilidade social com que são (des)tratados. A remuneração deveria ser uma das mais elevadas, tamanha a nobreza da atividade. Mas se nem professor ganha bem...

Empresas e entidades sociais descobriram que lixo dá dinheiro. Não, não há notas perdidas na lixaiada. Reciclar lixo no Brasil proporciona dividendos inestimados pouco tempo atrás. Hoje, pequenas, médias ou grandes firmas de reciclagem geram emprego e renda. É só botar a mão no estragado, no malcheiroso, naquilo que é a nossa podridão. Se fosse devidamente tratado, o lixo domiciliar brasileiro renderia cerca de 10 bilhões de dólares em lucro. Vai encarar?

Por tudo isso, precisamos nos reeducar. Garis deveriam ser mais bem valorizados e, finalmente, respeitados. Assim como todos gostamos de ser tratados. Talvez, então, urubus seriam vistos em estatuetas na decoração das casas. Isso para quem acredita em superstições (que não é o meu caso). Ao contrário do sinônimo de azar que ignorantes criaturas teimam em maldizê-los. Fique certo, caro leitor. Cada um na sua, gari, lixeiro e urubu são abnegados servidores da humanidade e aqui presto meu singelo agradecimento e reverência. (Adriane Lorenzon)

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