sexta-feira, 8 de julho de 2011

A arte da pensatória

(arte: autoria desconhecida)

Muito já se falou da oratória, da liberdade de expressão, da escutatória – Rubem Alves a abordou magistralmente –, mas, eu ando encafifada com o modo de pensar das pessoas. Limitadinho, de modo geral. Bem que a pensatória poderia ser aprimorada e transformada em área do conhecimento, em joguinhos infantis, em lição de casa, essas coisas. Ué?! Não é assim? Não. Infelizmente nossa sociedade é pródiga em invencionices que desarrumam, deseducam, entortam a gente para o resto da vida.

Vamos lá. Como aprimorar a pensatória em nós – galhinhos tortos, pepinos crescidinhos, bichinhos medrosos, abacaxis endurecidos? Seria por meio de algum cursinho preparatório? Uma lição de moral na hora mais dolorosa? Quem sabe um livro obrigatório, de cabeceira? Todas as alternativas? Nenhuma delas? Busquemos possibilidades ou as criemos, por favor! Afinal, a cuca existe para funcionar, certo? Se precisar, faça sair fumaça da sua!

Até onde sei, sempre houve ao nosso redor alguém pensando por nós. O pai, a mãe, o professor, o padre, o médico, a vizinha, o político, e tudo quanto é criatura queimando os neurônios pelos outros. Incomum nos defrontarmos com oportunidades de meditação, buscar entender, investigar, ponderar, raciocinar – por um minuto ao menos. Raros também são os indivíduos que nos provocam o pensar independente. Você se lembra de alguma situação em que se tivesse matutado um instante teria evitado uma grande burrada?

Adentremos o portão das escolas brasileiras e encontraremos a educação perdida. Minguados educadores resistindo bravamente para reafirmar na prática que as crianças têm, sim, uma nascente fértil de conhecimento e experiências. Pessoinhas crescendo a todo vapor – em corpo e mente – com o auxílio valoroso de mestres engajados em provocar nelas a arte da pensatória. Mas haverá, sob nosso olhar atônito, um número bem maior de professores especialistas em cercar, cercear e arrefecer as múltiplas questões e curiosidades dos pupilos.

Se ousarmos analisar o nível superior de ensino, a sugestão é tentarmos ler algumas teses, dissertações e monografias – não conseguiremos muitas. O saber verborrágico enfeitado de espirais ou capa dura e letras douradas estará lá, encaixotado, para ninguém entender nada; as reflexões e os avanços continuarão secretos, lacrados. Aliás, poucos terão acesso a esse conhecimento porque só quem domina a linguagem hermética acadêmica desconfiará do seu conteúdo.

E se o assunto é um pensar crítico, a coisa fica feia. A ditadura militar no Brasil “achou por bem” retirar a filosofia do currículo escolar; só há três anos voltou a ser obrigatória no ensino médio. Gerações e gerações de adolescentes ficaram sem esse instrumento de libertação. A filosofia que nos auxilia a ampliar os horizontes é vista por estudantes, ainda hoje, como “matéria chata”. Desse modo, acompanhamos a lamentável morte das perguntas feitas pelas crianças de todas as épocas. Ao crescer, o ser humano não carece mais delas, pois tem a “certeza” de carregar consigo todas as respostas. Mas um dia a casa cai...

Ao falar da arte da escutatória, Rubem Alves afirma: “Nossa incapacidade de ouvir é a manifestação mais constante e sutil da nossa arrogância e vaidade”. Ora, na pensatória ocorre algo parecido. Somos atropelados pela soberba quando não tiramos tempo para ouvir a nós mesmos e, por conseguinte, refletirmos sobre o escutado. A vaidade sai pelos poros, escorre por entre os dedos, e faz de nós seres pequenos, encolhidos. Ouvir os barulhos, brigas, silêncios, alegrias interiores também é uma forma de pensar. Fica tudo armazenado para um dia brotar a semente do refletido: o pensamento.

Portanto, como pensar diferente se fomos ensinados (ou seria adestrados?) desde a mais tenra existência em fugir dos problemas, em agredir em vez de perdoar, em falar bastante – afinal a liberdade de expressão não pode ser ultrajada? A propósito, fomos orientados que sempre temos razão, e isso basta. Ah, orgulho! Basta de clamarmos inocência! Temos livre arbítrio e podemos mudar o curso da história a partir de inteligentes escolhas. Lampejos de reflexão querem sair de nós. Para isso, precisamos nos reeducar e dar, assim, os primeiros passos rumo ao pensar autônomo. (Adriane Lorenzon)

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