(Arte: autoria desconhecida)
Durante muito tempo fui uma workaholic (lê-se uorcarrólic). Na tradução literal do inglês, viciada em trabalho. Eu achava o máximo. Desde adolescente ralava pra caramba, nem desconfiava do uso de tal palavrinha esquisita. Lazer e descanso? Só o básico. No início eu me divertia bastante, sempre disposta a sair mais tarde e madrugar no trampo, como diz a gíria. Embora eu me aperfeiçoasse profissionalmente, tudo ia muito bem para chefes e empresas. Mas a minha saúde...
Comecei a me questionar, pois algo não andava bem: o principal instrumento de trabalho, a voz, apresentava pequenas falhas. O quadro geral evidenciava sensibilidade ao engolir a saliva, rouquidão e pigarro constantes; resultado do mau uso dessa ferramenta. A formiguinha envaidecida por gostar tanto da labuta teve de parar. Classifiquei a dependência como estágio agudo, não crônico. Isto é, havia salvação.
Nessa época, 2003, larguei algumas atividades. Afinal, eu produzia, redigia e gravava um programa de rádio, dava aula em duas instituições de ensino superior (com aquele mundaréu de provas e trabalhos para corrigir), cursava mestrado, atuava como free lancer, participava de um grupo de estudo e me dedicava a uma tarefa voluntária. Detalhe: os serviços de casa também ficavam sob minha responsabilidade, além das compras e dos cuidados com o carro. A bola de neve ia crescendo, crescendo... Usei o dinheiro faturado no período de alto rendimento para pagar médicos, psicoterapias e afins.
Depois da fase pior consegui me reequilibrar, mas o trabalho permanecia assumindo o posto de primeiro lugar na escala de prioridades. Então, surgiram dores nos ombros. Lembrei-me de 1998, quando senti uma sensação desagradável parecida e acabei parando no pronto atendimento de um hospital. Pensava até em meningite porque doía demais a nuca. Por sorte, o médico era neurologista e, após os exames, afirmou: “É stress”.
Os ponteiros voando, 2005, e lá estava eu, novamente (ou seria ainda?), trabalhando como um burro de carga [sempre gostei de muares] com dores fortíssimas no pescoço e ombros. Nenhum remédio alopático aliviava; eu buscava a todo custo uma forma de conforto. Nesse contexto, conheci a acupuntura que se tornou meu consolo, e decidi dar um basta e viver um ano sabático: viajar, curtir a família e dar atenção às inquietações emergentes para saber de que ponto recomeçar.
Voltaria correndo em dois ou três meses para o campo de batalha do qual dependia psicológica e financeiramente? Qual nada! Passada a primeira crise de abstinência, me vi navegando em mar tranquilo. Conseguiria, sim, ficar sem o vício do trabalho – encontraria outras ocupações que me dariam maior satisfação. Os valores e escolhas precisariam, é verdade, de um arranjo diverso do habitual.
Em 2010, novo aprendizado. Contudo, o personagem da vez foi um familiar que teve, digamos assim, um contato mais próximo com o pintadinho Aedes aegypti e pegou dengue. Precisava de repouso absoluto. Desobedeceu. Continuava serelepe, “no trecho”, como ele mesmo diz, mas já sentia o corpo mole. A toxoplasmose, oportunista, atacou, deixando-o mais debilitado. Assim como eu, meu parente achava impossível ficar sem trabalhar e aprendeu preciosas lições.
De forma alguma estou fazendo apologia ao ócio como sinônimo de vadiagem. Há um contexto de enfermidade, em ambos os casos, a ser respeitado. Mas note. Quando a vida pede temperança, é o que devemos retribuir a ela. Muitas vezes, reduzir a marcha é ganhar anos de vida. Portanto, é fácil perceber: sofrimentos e fatalidades nos auxiliam a descobrir a arte, a leitura, o serviço voluntário, o estudo e, principalmente, o ser mantido preso em nós.
Nenhum comentário:
Postar um comentário