sexta-feira, 26 de agosto de 2011

Das prioridades da vida

(Arte: autoria desconhecida)

Tem gente que vive falando da indisponibilidade de tempo para isso ou aquilo. Geralmente, são as pessoas menos ocupadas. Observe ao redor. Quanto mais compromissos, mais tempo a criatura arranja para outras atividades. Além de trabalho e lazer, realiza serviço voluntário, lê diversos livros por ano, visita parentes e amigos, viaja, estuda, leva o filho à escola, manda carta ao Congresso cobrando promessas, participa de campanhas educativas... Seguidas vezes, envolve-se de modo espontâneo em múltiplas tarefas.

Indivíduos ocupados não têm frequente queixume nos lábios argumentando “agenda cheia”. Quem afirma estar sem tempo vive reclamando a falta dele. É atrapalhado por demais da conta – diriam os mineiros. Não ter tempo é, constantemente, dizer que não sabe fazer tal coisa para se esquivar de compromissos extraordinários. No caso, não só comer, dormir, trabalhar no ritmo da imagem dos três macaquinhos. Entretanto, ter um tempo na programação do dia é ponderar a possibilidade de remanejamento de horários já fixados.

Essas pessoas costumam ser flexíveis e, por isso, conseguem equilibrar o planejamento diário e os imprevistos. Note: ao lidar com situações inesperadas demonstram certa calma no meio do turbilhão de um acidente, uma doença, a falta de um colega. Porque, cá entre nós, se existe algo a ser resolvido em curto prazo, adiar será como um tiro no pé: provocar dor e prolongar o sofrimento. Daí a necessidade de estarmos preparados para o improviso. Podemos até desconhecer a profundidade de um assunto, porém, faremos o melhor possível.
                                                                                                                                                        
Elencar prioridades faz sobrar tempo. Se você nunca se organiza, a bagunça não se encaminha para caixas, gavetas e escaninhos. É preciso certa ordem até no caos. Viventes ocupados, por exemplo, em casa, separam o lixo seco do úmido; no supermercado, usam a sacola retornável; no passeio com o cachorro, quando este faz cocô, retiram rapidamente o excremento do ambiente. Simples assim! É uma questão de disciplina, um hábito nascido dessa organização, traduzido em atitudes – o grande diferencial.  

Renato Russo já dizia: “disciplina é liberdade”. A turma do não tenho tempo não faz nada. “Nada além, nada além de uma ilusão”, cantava Nelson Gonçalves a canção de Mário Lago e Custódio Mesquita. Libertando-se de medos, da ociosidade e lerdeza propositais, tudo fica ágil, dinâmico, vivaz. O ânimo renasce. Para os abastados de tempo a visão vai além do alcance. Conseguem enxergar melhor, sem miopias e astigmatismos. Ou seja: quando me organizo, escolho, definindo o devir. Isso também é liberdade.

Conversava outro dia com minha irmã Ana que ponderava estar sem condições de bancar semanalmente o serviço de pedicure. Falou isso ao cruzarmos por três mulheres bonitas, bem vestidas, e de rasteirinha destacando as unhas bem feitas e pintadas. Aí argumentei: “Ora, mas a prioridade sua é outra, é o estudo. Quantos cursos preparatórios você já fez? Quantos livros comprou? Isso é temporário”. E acrescento. Quanto as moçoilas precisaram tirar de suas necessidades diárias para pagar itens supérfluos? Para elas pode ser necessário estar no salão todas as semanas. Isso é prioridade, caro leitor.

Há um pessoal sempre adiando reformas interiores (ou mesmo as exteriores). Segunda-feira começará a dieta reduzindo a gordura animal da comida, domingo vai se segurar na sobremesa, sábado dará uma caminhada, fim de semana diminuirá a bebida alcoólica. Ah, e em janeiro vai cumprir as metas listadas por anos a fio. Esse povo apregoa: o amanhã será promissor – mas se esquece de arquitetar estrutura sólida de fortaleza e, hoje, que é bom, está sem tempo, porque, justamente, “muitos” compromissos o aguardam para serem despachados.

A propósito, a existência para quem não elege prioridades é um eterno passeio. O máximo de desconforto vivido é o desagrado em receber visitas de passeadores também: pouco acrescentam. Afinal, a vida é só passear?  O tempo é escasso para os que têm muito a fazer, mas, ainda assim, o relógio parece oferecer-lhes generosas opções – impensadas pelos que reclamam a falta dele. Contudo, o agendamento do tempo é a gente que faz. (Adriane Lorenzon)

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