Urubu-de-cabeça-preta (Foto: autoria desconhecida)
Um ser que considero pra
caramba é o urubu – ave reconhecida como de mau agouro, fedorenta e que fica só
procurando e sobrevoando carniça. Tadinho. Para mim, ele desempenha um ofício
superimportante na natureza e, por que não dizer, na sociedade humana – a
ecologia é una mesmo. Afinal, esse agente com capa preta e tudo, limpa o ambiente
de animais em decomposição. De outra forma, teríamos de assumir a empreitada.
Nesse sentido, ainda
adolescente, perguntei a um professor qual a importância da lesma. Eu tinha
nojo do molengo molusco. Sábio, respondeu-me que todos na natureza têm um
préstimo e com a lesma não seria diferente, pois ajuda no equilíbrio ambiental
evitando, por exemplo, proliferação de insetos e servindo de guloseima na
cadeia alimentar. Aprendida a lição, passei a ver os bichos com outros olhos e
viver de maneira mais harmônica com a grande Mãe.
O urubu é sério e
introspectivo, e não é corvo. Memorize isso de uma vez. Retraído, só é sociável
com o próprio grupo. Carne num trecho da estrada, e logo disputa um pedaço com o
S. Gavião. Geralmente, um come o fresco; outro, o podre. Morto um cavalo no
campo, a quilômetros de altura vê-se um círculo adivinhando que o alimento será
farto em breve. A equipe não brinca em serviço – possui um rastreador olfativo
de primeira linha.
Observando esses auxiliares
de limpeza, aprendi a admirar dois tipos de trabalhadores que sofrem altos preconceitos:
garis e lixeiros. Essas figuras, em vários horários, até quando estamos
dormindo, trabalham para a gente. Sabia disso? Você, aposto, não se lembra de
pagar seus salários; entretanto, trabalham por e para você todo santo dia. E
deixam tudo limpinho para que a cidade acorde mais bonita, organizada e
cheirosa.
Gari, lixeiro e urubu têm
funções parecidas. Todavia, este age por instinto, enquanto aqueles, por
necessidade. A vaga dos primeiros existe e tem quem precise do emprego. Os ordenados
são pequenos, a insalubridade é constante, e a responsabilidade enorme. Sem
falar na invisibilidade social com que são (des)tratados. A remuneração deveria
ser uma das mais elevadas, tamanha a nobreza da atividade. Mas se nem professor
ganha bem...
Empresas e entidades sociais
descobriram que lixo dá dinheiro. Não, não há notas perdidas na lixaiada. Reciclar
lixo no Brasil proporciona dividendos inestimados pouco tempo atrás. Hoje,
pequenas, médias ou grandes firmas de reciclagem geram emprego e renda. É só botar
a mão no estragado, no malcheiroso, naquilo que é a nossa podridão. Se fosse
devidamente tratado, o lixo domiciliar brasileiro renderia cerca de 10 bilhões
de dólares em lucro. Vai encarar?