sexta-feira, 27 de maio de 2011

Qualidade se discute, sim

(Foto: autoria desconhecida, tulipas e amores-perfeitos)


Alguns dizem ser óbvia a distinção entre um lado e outro, o inferior e o superior, quando o assunto é a qualidade na música brasileira. Outros afirmam ser aspecto indissociável da subjetividade. Ou seja, qualidade para um, Tom Jobim, por exemplo, não é para outro que prefere Kelly Key, Calcinha Preta ou Parangolé. E os músicos, por sua ética, têm evitado discriminações e vão vivendo respeitando, com certo mal-estar evidente, o diferente de um naipe que exige sofisticação no paladar musical.

Durante o mestrado na Universidade de Brasília, meu orientador, parceiro daquela jornada, argumentou que falar de qualidade era algo muito subjetivo, por isso eu deveria tratar o tema com cuidado e ponderação. Ao apresentar meu primeiro anteprojeto de doutoramento, anos depois, ousei afirmar que qualidade se discutia, sim. Fui alertada pelos sábios doutores da academia: o assunto é item perigoso pois assalta os muros da diversidade. E dá-lhe prudência!

Desde então, eu ando com uma vontade louca de desafiar a mim mesma e escarafunchar essa história. E dá certo quando a qualidade é debatida no âmbito musical. Por isso, a ênfase nesse campo. Contudo, dá para analisar outras áreas. Na gastronomia faz sucesso o feijão com caldinho grosso, levemente temperado e não o aguado; no acabamento de uma confecção, costuras retinhas são apreciadas em vez de caminhos tortos; nas relações pessoais, é preferível companheiros a pessoas pela metade. E por aí vai.

Faz algum tempo que uso o termo qualidade superior ao enfatizar o assunto da competência, delicadeza, maestria na feitura de algo. E isso ocorre em qualquer área da vida. Um dia, apresentando um programa de MPB, o amigo João Cazali, programador do horário em questão, me ouviu dizer a dita expressão, qualificando o repertório escolhido por ele. Ao chegar à rádio foi direto ao estúdio dizer-me da alegria de saber do reconhecimento de seu trabalho. No set list figuravam nomes como Ednardo e Marcelo Delacroix.

Entretanto, dizer simplesmente que a produção de um músico é de baixa qualidade nos leva a pensar que há um padrão e que o inferior está longe do normal, do certo, do melhor, do correto, do adequado. Não é bem isso. Vamos refletir: quando esse artista escreve versos soltos sem poesia e prioriza o ritmo em detrimento da harmonia corre sérios riscos de fazer barulho sem graça e altamente incomodativo à vida alheia. Ouça a linearidade de uma banda como a Djavú. Nada muda, a batida é a mesma. Cansa e enjoa. Não há surpresa.

A arte, para ser tida como tal, deve nos tomar de assalto. Esta, sim! Envolver nossos sentimentos e pensamentos, conversar com o nosso interior, invadir nosso olhar, adentrar os ouvidos criando novos significados. E para perceber que algo incomoda, é necessário antes formar o gosto pelo belo. Isso não acontece de fora para dentro porque há um despertamento primeiro a auxiliar nessa construção. Porém, grupos musicais que usam termos como cachorra para definir a mulher e apelam para a lascívia até no nome como Garota Safada e Bagaceiros do Forró estariam trabalhando pela constituição desse apuro, desse requinte?

A humanidade vai se aperfeiçoando. Podemos ser simples no paladar, mas você há de concordar: os pratos crus de nossa época pré-histórica foram melhorados com o tempo, misturados ao tempero da cultura, da inventividade dos povos. Ficaram bem mais saborosos. Assim o é na música, literatura, artes visuais, cinema, teatro. É fácil perceber a grandiosidade de Laura Cardoso ou Paulo Autran. Do mesmo modo, é incipiente a qualidade na atuação de jovens atores, mas isso poderá melhorar. Todavia, alguns já nascem equalizados de fábrica ou superam suas limitações mais rapidamente.

Portanto, qualidade, se questiona, sim. Todos estamos certos em nossas escolhas musicais, gastronômicas, literárias, artísticas. Mas não é um embate maniqueísta solúvel com raciocínio simples. Para surgir, a qualidade superior carece de tempo. Para ouvir outros sons e escolher o melhor é preciso reaprender a escutar. Sofisticar os ouvidos e não entendê-los como depósitos de lixo. Afinal, música é um produto e, se fosse de comer pela boca, você toparia ingerir algo estragado, contaminado, podre? Gosto não se discute? Aprimora-se. (Adriane Lorenzon)

4 comentários:

  1. Belo texto Adriane. "Afinal, música é um produto e, se fosse de comer pela boca, você toparia ingerir algo estragado, contaminado, podre? Gosto não se discute? Aprimora-se." Perfeito. Realmente, é muito subjetivo, mas não precismos de muito conhecimento, para saber reconhecer, do bom para o ruim. Mas muitas vezes, isso parte da nossa prórpia educação!
    Eu lembro que eu te escutava na Unijui FM, no café das 5. Desde que me mudei para FW para estudar, também comunição, não pude mais escutar o programa! Um grande beijo, Joana.

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  2. Oi, Joana,
    obrigada por visitar o blog.
    Hoje vivo em Brasília e sou palestrante de temas que ajudem a despertar na sociedade uma consciência mais crítica e autônoma para realizar escolhas mais sofisticadas.
    Tenho viajado o país para realizar este trabalho q é muito gratificante.
    Dia desses a gente se vê.
    bjos
    Adriane

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  3. Isso mesmo Dri. assim penso pq danço (quase) qualquer coisa mas para ouvir prefiro o veludo, a harmonia ou a desarmonia elegante, a melodia cativante e não simplesmente algo rebolativo. Sim é preciso apreciar o belo e para isso carece olhar, ouvir, sentir, refletir, etc. Tenho receio que a maioria do nosso povo realmente ainda não sabe aprecisar uma "simplicidade" harmonica de tantos cancioneiros e "cantaautores" que temos, mesmo os mais populares. Como dizem aquelas música "música não é bunda" "samba não é bunda". Isso prá não entrar no uso pejorativo do feminino. Ha!, en tempo, desculpe os erros de português, tão em voga hoje no bate boca de Excelências e Ministros. Bjao. querida.

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  4. Música não é bunda. É isso, Cel!
    Música é arte e deve ser apreciada com uma degustação que encoraje o paladar!
    Obrigada por me visitar por aqui.
    Bjo grande
    Dri

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