sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

Respeitem meus cabelos brancos


(Foto: autoria desconhecida)

O cantor e compositor paraibano Chico César escreveu, alguns anos atrás, canção com o mesmo título desta crônica, mas colocou vírgula depois de “cabelos” – queria chamar a atenção de um público não negro. Ele abordava uma verdade: a discriminação com o crespo da afrodescendência. Aqui, de propósito, renunciei à vírgula porque a intenção é diversa: tratar de preconceito, porém, com o prateado de minhas madeixas. Enfim, resolvi assumir o grisalho. Chega de tinturas, esperas em salão, testa manchada, lambuzos em casa...

De início, o corante servia para mudar a cor, dar um tchan no estilo pessoal. Como uso cortes curtos ou curtíssimos há duas décadas, ninguém os percebia. De uns anos para cá, se me demorava em retocá-los, notava que a situação estava, digamos assim, junta e misturada. Acho graça e me divirto muito com o olhar surpreso de quem ainda não sabe dos meus fios descoloridos pela vida. Alguns brincam: “Ah, é como se você tivesse feito luzes”.

No entanto, atualmente, a coisa está séria. Tem até mechinha a William Bonner. O motivo da existência tão precoce desse branquicelismo todo, desde os 18 anos, pode ser predisposição genética. Como de uns anos para cá passei por situações estressantes, cogita-se, portanto, outro fator. Mas... adianta saber? Nada vai alterar. A medicina confirma a falta de soluções na área – isso está claro e é tranquilo para mim. Já para o meu semelhante, não. Aí a coisa complica – somos seres sociais, está lembrado?

Ao falar na possibilidade de deixar à mostra a melena assanhada, tenho ouvido de cabeleireiros e amigas que sou muito jovem para tal intento. Modéstia à parte, apresento mais ares de moleca do que minhas quatro décadas novembrinas. Claro, fui aceitando a imposição descarada da sociedade de que aparentaria um envelhecimento antecipado e pintava uma vez mais. Observe. Cabeleira curta precisa ser cortada a cada 15 ou 20 dias. Senão, dá uma impressão de desleixo – e se o corte ocorre nessa periodicidade, a tintura vai-se embora.

Poucas pessoas ao meu redor vivem situação parecida – fico, novamente, deslocada no mundo. Aquele lance do pertencimento... Então, matutei: “Vou para a Internet ver o que a mulherada anda falando. Impossível que só euzinha esteja pensando em assumir os brancos”. Delícia nos sentirmos acompanhados! Não deu outra. Lá estavam depoimentos de mulheres com a mesma dúvida cruel. Senti-me acolhida e encorajada. Viva a web!

Caro leitor, você acha que homossexuais e negros são os únicos discriminados? Qual nada! Embora em grau e metodologia distintos, mulheres brancas, de classe socioeconômica média ou elevada, também sofrem com o mal da ignorância de outrem. Por que seria diferente comigo? Uma “obrigação” nos impele a escondermos a velhice. Ora, quem disse que envelhecer é feio, errado, fora de moda e demais expressões que nos ensinaram para reprimir vontades, ideias e sonhos frente à vida? É a ditadura da aparência jovem em pleno vigor! Quem consegue se esconder por tanto tempo? Dercy Gonçalves? Glória Maria?

Nunca tive problemas com idade. Contudo, agora, sou nova pessoa e não quero pintar os cabelos. Ponto. A não ser que profissionalmente se faça necessário. Curtir essa fase, sim. Imensamente! É o meu envelhecer. Sempre disse: “Ao chegar aos 60, serei linda”. Olha só, faltam-me apenas duas dezenas de anos. A repórter Denise Brito, do jornal A Folha de São Paulo, entrevistou mulheres como a professora de inglês, Mila Rey, 53, que contesta a tirania da beleza: “Abdicar de uma aparência que se convencionou ser rejuvenescedora pode ser considerado até agressivo aos olhos de quem acha difícil lidar com os sinais do próprio envelhecimento”.

Ô, pacato cidadão! Não estaria na hora de conversarmos sobre velhice? Quanto aos meus branquinhos, alguém sentenciou: “Não é que você fique feia, mas é por você ficar velha”. Ãh?! Da amiga, coordenadora pedagógica da escola Olodum, a baiana Mara Felipe, 43, ouvi: “Feliz de quem está vivo para envelhecer. Eu me sinto linda, maravilhosa; eu estou, a cada dia, me sentindo melhor, mais feliz, mais realizada. O ano que vem será melhor ainda porque eu estarei mais velha, mais experiente e com mais vontade de viver... e de envelhecer”. (Adriane Lorenzon)

Um comentário:

  1. Isso ai, feliz de quem está vivo para envelhecer!! Vamos chegar lá!! :)

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